Efeito nocivo

País funciona através de concessão por falha do governo

Autor

18 de junho de 2007, 17h54

O Brasil tem inúmeros pontos positivos. Mas há que pôr à calva nossas fraquezas. Há coisas que só existem aqui: cartórios, precatórios, prebendas e sinecuras oficiais, em pleno Estado Republicano. O Estado é laico, mas os constituintes pregaram uma cruz no Congresso e fizeram a Constituição sob a proteção do eterno (católico). Verdade seja dita, no corpo da lei maior consagraram tratamento igual à catedral, sinagoga, templo evangélico, mesquita e casa de umbanda. O país moderno, assim, exibe seus pedúnculos arcaicos.

Falemos das concessões para fazer quase tudo, como se tudo pertencesse, ainda, ao rei, distribuidor de alvarás. A Constituição coloca atividades demais à conta da União. Compete-lhe manter o serviço postal e o correio aéreo nacional, explorar os serviços de telecomunicações, radiodifusão sonora, de sons e de imagens, instalações de energia elétrica, aproveitamento energético dos cursos de água, navegação aérea, aeroespacial e infra-estrutura aeroportuária, transporte ferroviário, aquaviário e rodoviário trans-estaduais, portos marítimos, fluviais e lacustres.

Além disso, compete-lhe manter os serviços de estatística, geografia, geologia e cartográfico de âmbito nacional, o combate às calamidades públicas, especialmente as secas e inundações, os recursos hídricos e o desenvolvimento urbano, explorar a energia nuclear e exercer o monopólio sobre a pesquisa, lavra, enriquecimento, industrialização e comércio de minérios nucleares e seus derivados. Além da União, estados e municípios ostentam, também, poderes para conceder e permitir.

Ao estado-membro da Federação cabe explorar os serviços de gás canalizado e aos municípios prestar os serviços de interesse local, incluindo a remoção do lixo e os transportes coletivos de cunho municipal.

Os serviços concedidos são geradores de corrupção, bastando recordar o assassinato do prefeito de Santo André (SP) e o lixo em Ribeirão Preto (SP). Regular é uma coisa, em prol do interesse público essencial, outra bem diversa é conceder. O poder concedente dá e tira, daí a barganha, a propina e a faca cortante da negativa de renovação.

A Constituição prega que os governos podem exercitar ditas atribuições diretamente ou mediante concessão ou permissão aos particulares. Hoje, tudo é concedido, já que os governos não têm condições para coisa alguma. Nos regimes totalitários o Estado faz tudo, à moda da antiga União Soviética. Nos Estados intervencionistas, mediante concessões e permissões, atribuem-se a entes paraestatais (Furnas, Nuclebrás, etc) e à iniciativa privada ditos encargos. Nos Estados liberais, tudo é feito por particulares, sob órgãos reguladores ou agências, como nos EUA. O assessor de Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, colocou-lhe que onde há concessão, há renovação ou não, e, portanto, Chávez está coberto de razão. Nunca vi nada mais acaciano e hipócrita.

Devemos questionar quais atividades são próprias do Estado, delegáveis, e as que não deveriam ser. Que o foco caia no jornalismo escrito, falado e televisivo, porque aí reside a liberdade de expressão, apanágio da democracia. Ocorre-me que, antanho, antes do rádio e da televisão, as nossas Constituições proibiram o Governo de tributar o papel de imprensa, os jornais e os periódicos, para deter os déspotas como Vargas e Perón. Tampouco a imprensa escrita necessita de ser concedida. Contrariamente, colocamos o rádio e a televisão sob o controle estatal, a depender de “concessão”, em seu duplo sentido. Veja-se o que ocorreu na Venezuela no mês passado.

Penso que quem puder deve ter o direito de montar rádios e estações de TV, sob a regulamentação do Estado, sem necessidade de concessão, a menos que seja empresa estrangeira, como predica a legislação. Entre nós, as concessões são dadas aos amigos do rei, políticos e empresários comprometidos com o status quo. Sarney, entre muitos, quantos canais de TV possui? Eis aí um ponto oportuno a merecer debate nacional e, ao cabo, uma mudança na Constituição para melhor.

Quanto menos Estado, mais liberdade. A demasia de atividades a depender de concessões acarreta três efeitos nocivos, mormente nos setores de transporte e comunicações: corrupção política institucional, carga burocrática a vender dificuldades para ganhar na facilitação, além do emperramento da economia sob o guante da política, não no seu nobre sentido, mas com o viés da politicalha. A fala do assessor palaciano é de dar arrepios, mormente por ser membro do partido comunista. O que é do Estado não é do povo. Não é nem do Estado. É de alguns, a resfolegarem no repasto da corrupção.

(Artigo publicado no jornal Estado de Minas no domingo)

Autores

  • Brave

    é advogado tributarista, professor titular de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!