A farra do grampo

Ministério Público comprou sistema de interceptação coletiva

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18 de junho de 2007, 19h09

Enquanto o Supremo Tribunal Federal discute em que medida o Ministério Público pode conduzir investigações no campo criminal, a Procuradoria-Geral da República adquiriu um complexo sistema de interceptações telefônicas com capacidade para monitorar centenas de ligações simultaneamente. É o chamado Guardião, o mesmo sistema usado pela Polícia Federal.

O equipamento foi adquirido durante a gestão do então procurador-geral Cláudio Fontelles, provavelmente da empresa catarinense Dígitro, a fabricante do Guardião e fornecedora da Polícia Federal. Não há indicações de que os procuradores tenham utilizado o sistema para interceptar ligações. A Procuradoria-Geral da República confirmou que a máquina de grampear foi adquirida. No entanto, até esta segunda-feira (18/6), a PGR não deu explicações sobre o porquê de ter adquirido o equipamento.

O Guardião é um software com funções automáticas como a de monitorar qualquer outra linha que se conecte com o telefone inicialmente visado. Feita a conexão, a segunda linha passa a ser interceptada, antes mesmo que possa ser expedida uma autorização judicial para isso. O sistema permite ainda que as ligações gravadas sejam transferidas em tempo real para algum outro telefone, por exemplo, para o celular do delegado responsável pela investigação. Assim, ele pode ficar da sua casa acompanhando seus investigados.

De acordo com reportagem publicada pela revista IstoÉ desta semana, a Polícia Federal possui mais 28 aparelhos semelhantes ao Guardião. Já as polícias civis estaduais em todo o país têm outros 60. Pelos cálculos da revista, atualmente, cerca de 20 mil escutas estão em andamento — cinco mil comandadas pela PF e 15 mil, pela Polícia Civil.

A espantosa descoberta — a aquisição de máquinas de grampear telefones por parte do Ministério Público — tem conexão com uma outra iniciativa que a PGR evita comentar. Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, um grupo de procuradores da República capitaneados por Guilherme Schelb e Luiz Francisco de Souza teria instalado em Brasília uma central de investigação e espionagem para auxiliar na produção de ações por improbidade administrativa em série contra integrantes do governo federal.

A informação chegou ao ex-presidente José Sarney por intermédio de ex-colaboradores de seu governo. Sarney procurou pelo então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, mas a central só seria desativada mais tarde pelo sucessor de Brindeiro, Cláudio Fontelles. Procurados pela revista Consultor Jurídico, Brindeiro e Fontelles não quiseram fazer comentários a respeito. A assessoria de Antonio Fernando Souza, atual titular da PGR, tampouco respondeu aos pedidos de informações encaminhados.

Procurada pela ConJur, a Polícia Federal não quis comentar o fato de a PGR ter um Guardião. De acordo com a assessoria de imprensa, não cabe à PF fazer “juízo de valor. Apenas investigar”.

A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), ao contrário, recebeu com espanto a informação. “É um equívoco. Quem tem de investigar é a Polícia, e não a PGR”, indignou-se o presidente da federação, Marcos Vinício de Souza Wink. Sobre a especulação de que a PGR teria comprado o Guardião para fornecer para a Polícia Federal, Wink também foi taxativo: “é como se a Procuradoria começasse a comprar viaturas e armamento para fornecer para a Polícia. Não é o papel dela”.

Para o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Walter Nunes, não há problema nenhum no fato de a PGR ter comprado um Guardião, desde que as escutas sejam feitas com autorização judicial. “No entanto, o uso desse aparelho passa pelo reconhecimento do poder investigatório do Ministério Público. Eu entendo que o MP pode conduzir investigação criminal, mas isso ainda tem de ser definido pelo Supremo Tribunal Federal.”

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