Barulho por nada

Entrevista: Ricardo Castro Nascimento, presidente da Ajufesp

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17 de junho de 2007, 0h00

Ricardo Castro Nascimento - por SpaccaSpacca" data-GUID="ricardo_castro_nascimento.jpeg">Os excessos nas operações da Polícia Federal podem ser mais bem observados quando o alvo é o Poder Judiciário. “Nas operações Hurricane e Têmis, várias viaturas da PF pararam em frente aos prédios dos tribunais, agentes armados invadiram os gabinetes. Não havia necessidade disso.”

A opinião é do juiz federal Ricardo Castro Nascimento, presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul, a Ajufesp. Para Nascimento, os mandados de busca e apreensão devem ser cumpridos com moderação. “Se (a PF) cumprisse o mandado do ministro Felix Fischer corretamente, não haveria estardalhaços”, reclama em referência à Operação Têmis.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, o juiz ressaltou que é muito fácil ser solidário com um magistrado investigado depois que ele é absolvido. Segundo ele, é preciso estender a mão enquanto esses juízes estão em apuros.

Nascimento faz questão de esclarecer que não defende atuação privilegiada para juízes. Defende a presunção de inocência. E para coibir abusos da PF, disse que é necessário sujeitá-la a lei. Ressaltou que o dever de fiscalizar não é só do Ministério Público, mas também do Poder Judiciário. “O Judiciário tem de ter coragem para cortar sua própria carne.”

Castro Nascimento, 45 anos, tomou posse da Ajusfesp no dia 28 de maio. Ele se formou na Universidade de São Paulo em 1983 e advogou por 17 anos. Foi fiscal do INSS e procurador da Fazenda Nacional. Entrou na magistratura há sete anos e, agora, vai representar os juízes federais da 3ª Região nos próximos dois anos.

Participaram da entrevista os jornalistas Aline Pinheiro, Gabriela Invernizzi e Rodrigo Haidar.

Leia a entrevista

ConJur — Logo após a Operação Têmis, a Ajufesp pediu regras específicas para busca e apreensão em tribunais. Que regras são essas?

Ricardo Castro Nascimento — A primeira delas é que o cumprimento de mandados de busca em apreensão em tribunais seja acompanhado por representantes da Corregedoria de Justiça, assim como representantes da OAB têm de acompanhar as buscas em escritórios de advocacia. A Polícia Federal vem atuando com muita força. Ministros, juízes e até o irmão do presidente Lula foram alvo da PF. Isso é bom, mas a Polícia tem de tomar cuidado com os excessos, que muitas vezes ofuscam o lado positivo dessas ações.

ConJur — A PF age com excesso só quando a operação é contra o Poder Judiciário?

Nascimento — Eu, particularmente, vejo excessos nas operações contra o Judiciário. Nas operações Hurricane e Têmis, várias viaturas da PF pararam em frente aos prédios dos tribunais, agentes armados invadiram os gabinetes. Não havia necessidade disso.

ConJur — Mas quem autorizou a busca e apreensão no Tribunal Regional Federal da 3ª Região foi um juiz, o ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça.

Ricardo Nascimento — A decisão do ministro foi correta. A ordem é que foi cumprida com estardalhaço. A Polícia precisa se sujeitar à lei, como todos. Se cumprisse o mandado do ministro Felix Fischer corretamente, não haveria estardalhaços.

Conjur — O senhor acha que juízes alvos dessas operações têm de ter algum tipo de privilégio?

Ricardo Nascimento — Não. O que eu defendo é a presunção de inocência. O caso Escola Base é um exemplo do que não pode ser feito. No episódio, mães neuróticas achavam que seus filhos eram molestados em uma perua da escola. Fizeram a acusação para um delegado irresponsável, que vazou a informação para a imprensa. A escola foi depredada e a reputação de seus donos, destruída. Depois, ficou provado que eram inocentes. É preciso cautela e observância do princípio constitucional da presunção da inocência.

ConJur — Para combater a criminalidade, o Estado de Direito está sendo colocado de lado?

Nascimento — Eu não acho que o Estado de Direito corre riscos, mas é preciso haver equilíbrio. As operações policiais são feitas para reprimir o crime organizado, mas as posturas autoritárias têm de ser evitadas.

ConJur — A OAB já reclamou dos mandados de busca e apreensão genéricos. Quem reclama agora é a própria Justiça, que emitiu os mandados. Esses mandados são irregulares?

Nascimento — A tendência é de não existir mais mandados genéricos. Pelo que o presidente da OAB de São Paulo, Luiz Flávio Borges D’Urso, me contou sobre a onda de operações nos escritórios, os mandados expedidos hoje já mostram um aprimoramento da Justiça. Mesmo assim, alguns decretos de prisão foram expedidos, nas últimas operações, sem especificar a conduta de cada acusado.

ConJur — Os juízes têm de dizer nos mandados o que a Policia vai buscar…

Nascimento — Os mandados têm de ser fundamentados e especificados. Não podem ser genéricos.

ConJur — Depois das operações, os juízes ficaram inibidos para conceder liminar?

Nascimento — O juiz precisa ser independente. Ele não pode julgar de acordo com a opinião pública. Não pode ter medo de decidir da forma que acredita ser correta. A independência do Judiciário é fundamental. É um dos alicerces do Estado Democrático de Direito. Por isso é que gritamos contra os abusos, para que os juízes não fiquem inibidos.

ConJur — Diariamente, aparecem críticas na imprensa contra juízes. Isso se deve a uma maior abertura do Judiciário?

Nascimento — É como se abrissem uma caixa preta. Isso é muito bom. Mas as operações contra o Judiciário foram tão pesadas que sua credibilidade está muita baixa. Isso é preocupante. Imagine como é ruim para um juiz ver a instituição que ele se dedica com um nível tão baixo de credibilidade.

ConJur — Os juízes estão preparados para lidar com a imprensa?

Nascimento — O processo de seleção para juízes privilegia um perfil mais contido. Por isso, a magistratura tem muita dificuldade de dialogar com a sociedade. Isso é um grande problema. Não somos bons de marketing. Temos de mudar isso. Daí a importância das associações de juízes.

ConJur — Qual a sua opinião sobre o vazamento de informações?

Nascimento — É crime.

ConJur — A imprensa, que divulga as informações vazadas, também deve responder pelos vazamentos?

Nascimento — Não. A imprensa tem o dever de informar e de não revelar a sua fonte. O que não pode é a Polícia Federal vazar uma informação sigilosa. É crime e falta funcional.

ConJur — Na maior parte das últimas operações, o Supremo Tribunal Federal cassou o decreto de prisão de diversos acusados. As instâncias inferiores mandam prender sem motivo ou o STF está muito generoso?

Nascimento — A Justiça de primeira instância está próxima do fato, do combate imediato à criminalidade. Já o Supremo Tribunal Federal está do longe do fato e preocupado com a preservação da Constituição. Cada um tem o seu papel. Não vejo problema nisso.

ConJur — Qual a sua opinião sobre o foro privilegiado?

Nascimento — Sou contra a sua ampliação. Ele não ajuda o combate à corrupção e não é uma medida republicana. Na República, todos são responsáveis pelos seus atos.

ConJur — E sobre a Súmula Vinculante?

Nascimento — Sou favorável. Muitos processos precisam de decisão em massa e a Súmula Vinculante vem para pacificar isso.

ConJur — O senhor acha que o CNJ está cumprindo bem o seu papel?

Nascimento — No atacado, está indo bem. A sua criação foi um grande avanço. As relações no Poder Judiciário são muito autoritárias e o CNJ está mexendo com isso, o que é positivo.

ConJur — O conselho sofre muitas críticas. Dizem que ele se perdeu porque, ao invés de se preocupar com a administração da Justiça, gasta seu tempo punindo juízes. O senhor concorda com estas críticas?

Nascimento — Dois anos é muito pouco para avaliar isso. O Conselho Nacional de Justiça ainda está engatinhando.

ConJur — Fizemos uma pesquisa para o Anuário da Justiça 2007, que vai ser lançado agora em junho, e constatamos que 70% dos atos do Judiciário analisados pelo Supremo foram considerados inconstitucionais. Os juízes desconhecem as leis?

Nascimento — O ato do Poder Judiciário que é julgado inconstitucional é administrativo. É um ato enquanto chefe de repartição, digamos assim.

ConJur — Mas o chefe de repartição não deveria conhecer a Constituição?

Nascimento — Claro. Mas tudo o que vai para o Supremo analisar é porque há uma suspeita de violação. Os inúmeros atos que estão de acordo com a Constituição não estão na estatística. O que entra é só a patologia, que não é a regra geral. Os atos do Executivo são declarados inconstitucionais na mesma proporção dos atos do Judiciário. Acho que é normal. Nada alarmante.

ConJur — O que a Ajufesp defende para melhorar a prestação jurisdicional?

Nascimento — O fortalecimento do Judiciário. A independência do juiz tem de estar conectada com a defesa da cidadania e do Estado Democrático de Direito. Quando não há conexão, a luta fica corporativa. Quando a Ajufesp defende um juiz envolvido em operação, eu sei que estamos remando contra a onda. Mas esse é o nosso papel. Essa postura parece corporativista, mas não é. Um ponto específico que a Ajufesp reforça é que todas as vagas de juízes existentes têm de ser preenchidas, além de serem criadas novas. Em São Paulo, há 75 vagas de juízes que não estão preenchidas, fora as 25 para juízes substitutos que também estão vazias.

ConJur — E por que não são preenchidas?

Nascimento — Porque os candidatos não passam nos concursos públicos. Nas regiões nordeste e sul, as vagas da magistratura são preenchidas. Salvo engano, São Paulo tem a melhor educação do país. Há algo de errado nisso.

ConJur — O concurso público seleciona o candidato para ser um bom juiz ou passa aquele bom de decoreba?

Nascimento — Ninguém chega por acaso nessa carreira. Só na decoreba não passa. Precisa ter boa formação cultural. O problema é que muitos jovens acham que basta estudar, passar no concurso público para estar com a vida ganha. Não é isso. Ele passa no concurso e depois descobre que seus problemas apenas começaram.

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