Juiz inquisidor

Polícia quer proibir ministros de conduzir inquéritos

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14 de junho de 2007, 12h16

A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, para que ministros do Superior Tribunal de Justiça deixem de conduzir investigações criminais. O relator é o ministro Celso de Mello. Se o pedido for acatado, o inquérito sobre a Operação Navalha, conduzido pela ministra Eliana Calmon, perderá toda a validade.

A Adepol questiona o artigo 217, parágrafo 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, e o artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 8.038/90. Os textos prevêem: “Art. 1º Nos crimes de ação penal pública, o Ministério Público terá o prazo de 15 (quinze) dias para oferecer denúncia ou pedir arquivamento do inquérito ou das peças informativas. § 1º Diligências complementares poderão ser deferidas pelo relator, com interrupção do prazo deste artigo”.

A associação, representada pelo advogado Wladimir Reale, pede que o STF deixe o texto da lei como está, mas que dê interpretação conforme o que determina a Constituição Federal. Ou seja, só a Polícia pode investigar e conduzir inquérito criminal. “É a teoria tridimensional da investigação sob o ponto de vista constitucional. Na realidade, quem investiga não acusa e nem julga. Quem acusa, não investiga nem julga. Quem julga, não investiga, nem acusa”, sustenta Reale.

Foi o artigo 217 do Regimento Interno do STJ que serviu de base para que Eliana Calmon interrogase os acusados presos na Operação Navalha, da Polícia Federal. Na operação, 47 pessoas foram presas e ouvidas pela ministra, que presidiu todo o inquérito. Como adiantou a revista Consultor Jurídico, em 28 de maio, precedente do Supremo Tribunal Federal diz que não é lícito ao juiz fazer interrogatório se não há denúncia.

A jurisprudência pode ser um dos argumentos usados pela defesa dos acusados na Operação Navalha para argüir a nulidade do processo comandado por Eliana Calmon (Clique aqui para ler a notícia).

“Em vez de dirimir a diligência para que a Polícia Federal ouvisse os indiciados e as testemunhas, Eliana Calmon avocou a prerrogativa e decidiu presidir o inquérito, o que é inconstitucional. Não cabe dentro do modelo brasileiro inaugurar um novo instituto de instrução no país”, afirma Wladimir Reale.

De acordo com o advogado, juiz não pode presidir inquérito porque tem o dever da imparcialidade. E nos países em que magistrado atua na fase de instrução, ele fica impedido de julgar os acusados. “No modelo brasileiro, quem deve presidir inquérito é delegado, conforme a Constituição”, defende.

Para Wladimir Reale, a prova produzida pela ministra é nula. “Na ADI não discutimos a conduta da ministra. Mas do jeito que está toda a fase de instrução terá de ser refeita. Caso contrário, o processo será nulo”.

A operação

A Operação Navalha foi deflagrada pela Polícia Federal, em 17 de maio, contra acusados de fraudes em licitações públicas federais, prendendo 47 pessoas. Segundo a PF, o esquema de desvio de recursos públicos federais envolvia empresários da construtora Gautama, sediada em Salvador, e servidores públicos que operavam no governo federal e em governos estaduais e municipais.

De acordo com a acusação, o esquema garantia o direcionamento de verbas públicas para obras de interesse da Gautama, que então conseguia licitações para empresas por ela patrocinadas.

O ministro Gilmar Mendes concedeu o primeiro Habeas Corpus para impedir a prisão do ex-procurador-geral do Estado do Maranhão Ulisses César Martins de Sousa. Reportagem da ConJur revelou, depois, que o pedido de prisão do ex-procurador foi baseado em erro.

No dia 20 de maio, o ministro mandou soltar o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares e o presidente do Banco Regional de Brasília (BRB), Roberto Figueiredo Guimarães. Dois dias depois, foi a vez do empresário José Édson Vasconcellos Fontenelle; do prefeito de Camaçari (BA), Luiz Carlos Caetano; do deputado distrital Pedro Passos e do secretário de Infra-estrutura de Alagoas, Marcio Fidelson Menezes Gomes. Eles obtiveram a suspensão de suas prisões preventivas.

No dia 24 também foram soltos Rosevaldo Pereira Melo, engenheiro civil empregado da Construtora Gautama, ex-servidor da Companhia de Água e Saneamento de Alagoas e os sobrinhos do governador de Alagoas, Jackson Lago, Francisco de Paula Lima Júnior e Alexandre Maia Lago.

Na maioria das decisões, Gilmar Mendes repetiu o mesmo argumento. Entendeu que não houve fundamento nas prisões preventivas decretadas na Operação Navalha. Outros acusados foram sendo liberados pelo ministra Eliana Calmon logo depois dos depoimentos.

ADI 3.904

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