Interesse da sociedade

Veja se livra de indenizar acusado no caso Celso Daniel

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13 de junho de 2007, 17h20

Usar a expressão “quase foi condenado”, apesar de pouco técnica, não garante indenização por danos morais. O entendimento é do juiz João Carlos Sá Moreira de Oliveira, da 3ª Vara Cível de Pinheiros, São Paulo. O juiz livrou a Editora Abril de pagar indenização por danos morais para Klinger Luiz de Oliveira Sousa, secretário de serviços municipais de Santo André quando Celso Daniel era prefeito.

Celso Daniel foi assassinado em janeiro de 2002. A suspeita é de que ele morreu porque reagiu a um esquema de desvio de dinheiro na cidade de Santo André.

Em 2005, a revista Veja publicou uma reportagem com o título “5 mistérios e uma certeza — Os bastidores do caso Celso Daniel, o crime com elementos de romance policial que provoca calafrios na cúpula do PT”. No texto, a revista aponta o ex-secretário como um dos responsáveis pelo esquema de cobrança de companhias rodoviárias que eram obrigadas a contribuir para o Caixa 2 do PT na cidade.

A notícia foi escrita com base em denúncia formulada pelo Ministério Público, além de decisões judiciais que determinaram a prisão do ex-secretário. Na Justiça, Klinger de Oliveira e Sousa alegou que os fatos não são verdadeiros e que violaram os direitos da personalidade porque foram publicadas fotos, sem sua autorização.

Para se defender, a Editora Abril, representada pelos advogados Alexandre Fidalgo e Cláudia de Brito Pinheiro, do escritório Lourival J. Santos Advogados, afirmou que a revista não cometeu qualquer ato ilícito. Apenas cumpriu com o seu dever constitucional de informar. Argumentou, ainda, que a reportagem não relacionou o assassinato de Celso Daniel com o pedido de prisão preventiva, mas informou a existência de processo por suspeita de envolvimento no crime de corrupção cometido na Prefeitura de Santo André.

A Abril também sustentou que não houve uso indevido da imagem porque a fotografia foi captada em ambiente público. E mais: que não houve danos morais porque os fatos mencionados resultaram justamente da conduta do ex-secretário.

O juiz acolheu os argumentos. “Decisões proferidas em processo judicial, de caráter público, fundaram as afirmações, embora desvinculadas da linguagem técnica tanto jornalística quanto jurídica”. Para João Carlos, houve “informações de interesse público, cuja divulgação era necessária”.

Segundo ele, “as expressões ‘escaparam por pouco’, ‘quase foram condenados’ e ‘se salvaram’ empregadas em trecho da reportagem, conquanto pouco técnicas, dentro do contexto da matéria, não há como serem tomadas por pejorativas, injuriosas, inidôneas, dessa maneira, a causarem prejuízo moral e ensejarem indenização. Decisões proferidas em processo judicial, de caráter público, fundaram as afirmações, embora desvinculadas da linguagem técnica tanto jornalística quanto jurídica. Não obstante a má técnica, não houve referência a prisões, como atestou a inicial”, concluiu o juiz. Klinger Luiz de Oliveira Sousa ainda pode recorrer da sentença.

Leia a sentença:

Processo nº 100.933-2/2006

Vistos, etc.

KLINGER LUIZ DE OLIVEIRA E SOUSA, qualificado à fls. 2, promoveu Ação de Reparação de Danos, pelo rito ordinário, em face da EDITORA ABRIL, qualificada às fls. 2 e 44.

Disse ter a ré publicado matéria denominada “5 Mistérios e Uma Certeza”, cujo conteúdo tratou do assassinato do Prefeito de Santo André, Celso Daniel, e relacionou o crime a atos de corrupção supostamente praticados. Acresceu ter ela, por meio da publicação, incorrido em erros, na medida em que passou a falsa notícia de comprovação dos atos de corrupção, que, em realidade, se mantêm sob apreciação do Poder Judiciário.

Apontou, ainda, ter ela veiculado informação de decretação de sua prisão, em razão das investigações sobre o assassinato de Celso Daniel, bem assim relacionado o autor como uma das pessoas centrais do ‘esquema de propinas em Santo André’. Relatou a exibição de duas fotografias suas sem autorização. Esclareceu a apresentação de carta à ré, mas sem resposta e sem publicação de esclarecimentos. Então, diante da notícia falsa e a violação de direitos da personalidade, requereu condenação no pagamento de indenização em valor a ser fixado pelo julgador e a publicação da sentença no mesmo meio em que foi veiculada a matéria ofensiva. Juntou documentos (fls. 9/32).

Emenda à inicial (fls. 35) recebida (cf. fls. 37).

A ré foi citada (fls. 42).

Ofertada contestação (fls. 87/110), com documentos (fls. 155), a ré asseverou ter havido apenas a narrativa de fatos de relevantes interesse público, com o fim de bem informar a sociedade. Narrou os fatos ligados às investigações após o assassinato do Prefeito Celso Daniel. E, apontou, ter a notícia se baseado em depoimento prestado por Ailton Alves Feitosa ao Ministério Público. Negou que a notícia tivesse informado existir pedido de prisão preventiva contra o autor. Esclareceu não ser conteúdo da matéria relação entre o pedido de prisão preventiva do autor e a suspeita de envolvimento no assassinato de Celso Daniel, mas pedido de prisão em razão da denúncia de corrupção no âmbito da Prefeitura de Santo André, não efetivado por decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Disse existir menção ao nome do autor por duas vezes: uma relacionada à denúncia da empresária Rosângela Gabrilli, outra pela referência feita por testemunha não identificada ao Ministério Público de Santo André. Disse irrelevante o vínculo, ou não, com o Partido dos Trabalhadores. Aduziu ser o conteúdo da matéria narrativo, sem juízo acusatório. Relacionou outras matérias sobre o suposto envolvimento do autor à denúncia de recebimento de propina. Informou a interposição de recurso contra decisão em ação indenização em trâmite perante outro Juízo. Relacionou o uso da imagem ao dever de informação. Além disso, acresceu a captação da imagem em participação pelo autor em sessão do plenário, em ambiente público, como Vereador. Impugnou o pedido de publicação da sentença. Reuniu documentos (fls. 111/155).

Réplica (fls. 160/163).

Tréplica (fls. 180/207).

Audiência de conciliação infrutífera (fls. 212).

Rompido o lacre do documento de fls. 10, a fim de propiciar o adequado conhecimento.

É o relatório.

Fundamento e Decido.

A ação é improcedente.

Incontroversa a publicação.

A Constituição Federal assegura, sem qualquer distinção e hierarquização, como direitos fundamentais a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (artigo 5º, X), a livre manifestação do pensamento e a expressão da atividade comunicação (artigo 5º, IX e IV), e, em Capítulo relacionado à Comunicação Social, sem restrições, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação (artigo 220).

Assim, em questão está o exercício de direitos constitucionalmente assegurados. Antinomia aparente, a ser resolvida pela harmonização e pela razoabilidade no exercício desses mesmos direitos. Nesse sentido, por óbvio, não há proteção ou exercício irrestrito.

Os fatos relatados na publicação de fls. 43/51, do documento 10 (cf. revista), ao tempo da publicação, eram notórios, alcançaram grande parcela da população, dada a ampla divulgação pela imprensa nacional. E assim o foram, pois relacionados com pessoas públicas, porque autoridades, ligadas ao partido político governista e também a questões ligadas ao emprego do dinheiro público.

Neste contexto, informações de interesse público, cuja divulgação era necessária, inobstante, por conseqüência lógica, houvesse menção e ligação entre os fatos informados e algumas pessoas, dentre elas o autor. O direito de privacidade e imagem do autor, portanto, considerado o interesse público e o momento, não autorizam a extensão protetiva pretendida, por meio desta ação, por ele.

Reduzida a proteção, mas não aniquilada, já que, com razoabilidade, a informação havia de ser prestada e, dessa forma, foi, razão do não cabimento de qualquer indenização.

Às fls. 43, da revista (documento reunido à fls. 10, destes autos), o conteúdo jornalístico é claro, diz textualmente: “Há fortes indícios de que haja uma conexão entre ambos, mas não apareceu até agora prova definitiva”. Então, não estabeleceu, categoricamente, relação entre eventual notícia de corrupção e o assassinato do Prefeito Municipal de Campinas. Ao contrário, alertou, e de início, a falta de comprovação até aquele momento.

Única certeza que reconheceu a ré em sua publicação, como decorrência dos fatos apresentados aos leitores, foi “a de que havia caixinha político-eleitoral em Santo André” (fls. 44, da revista, documento encartado à fls. 10, destes autos). Sendo certo que, logo após à afirmação, apresentou como mistério e questionou as pessoas que estariam ligadas ao ‘esquema’ e que teriam se beneficiado dele. Nada concluiu em consideração ao autor.

Depois, existiram menções ao nome do autor, mas consubstanciadas em declarações prestadas por terceiros: a empresária Rosângela Gabrilli (fls. 44, da revista, documento encartado à fls. 10, destes autos); a testemunha não identificada por pedido feito diretamente ao Ministério Público, órgão responsável por apurar indícios de materialidade delitiva e de autoria (fls. 47, da revista, documento encartado à fls. 10, destes autos); os irmãos do Prefeito morto, Celso Daniel (fls. 48, da revista, documento encartado à fls. 10, destes autos), ou, ainda, em dados obtidos em razão de processo judicial, público, inclusive (fls. 51, da revista, documento encartado à fls. 10, destes autos). Portanto, menções desprovidas de juízo realizado por parte da ré, que não pode responder por declarações de terceiros.

Embora se ressinta o autor em ver-se ligado a matéria cujo teor se refere a homicídio e corrupção, certo é que a ré, em nenhum momento, por si e deliberadamente, imputou qualquer conduta criminosa ao autor. Diante da realidade do momento, da divulgação dos fatos em âmbito nacional, isto é, da notoriedade, tão-só, relatou as investigações e as denúncias.

Investigações que, inclusive, culminaram em ação, proposta pelo Ministério Público como dá conta o documento de fls. 204/207, o que se aponta apenas como elemento justificador da informação, já que análise de adequação, ou não, da medida não cabe a este Juízo realizar.

As expressões “escaparam por pouco”, “quase foram condenados” e “se salvaram” (cf. fls. 51, da revista, documento encartado à fls. 10, destes autos) empregadas em trecho da reportagem, conquanto pouco técnicas, dentro do contexto da matéria, não há como serem tomadas por pejorativas, injuriosas, inidôneas, dessa maneira, a causarem prejuízo moral e ensejarem indenização. Decisões proferidas em processo judicial, de caráter público, fundaram as afirmações, embora desvinculadas da linguagem técnica tanto jornalística quanto jurídica.

Não obstante a má técnica, não houve referência a prisões, como atestou a inicial.

De tudo, a divulgação dos fatos e a menção ao nome do autor, como homem público que era, não se mostrou desproporcional e abusiva.

Por fim, sempre considerado o contexto jornalístico do caso concreto, aponto que a imagem utilizada para ilustrar a reportagem foi captada em cenário público, como deu nota a ré (fls. 98/99) e, quanto a isso, não negou o autor (fls. 162), motivo pelo qual legal a utilização.

Por todo o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.

Sucumbente o autor, condeno-o ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios fixados, por eqüidade, em R$ 800,00 (oitocentos) reais.

P.R.I.

Oportunamente, considerado o teor do artigo 475-J, do Código de Processo civil, arquivem-se os autos.

São Paulo, 25 de abril de 2007.

JOÃO CARLOS SÁ MOREIRA DE OLIVEIRA

Juiz de Direito

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