Não é admitido o tráfico de influência para ter acesso privilegiado a serviços públicos, ainda que na defesa do patrimônio pessoal. O entendimento é da juíza Tamara Gil Alves Portugal, da 9ª Vara de Trabalho de Brasília, e foi aplicado para condenar um empreiteiro a pagar R$ 8 mil de indenização para uma ex-empregada doméstica. Cabe recurso.
Marlúcia Gonçalves de Souza acusa os patrões Thereza Cristina Salomão Gonçalves e Fernando Márcio Queiroz, donos da Via Engenharia, de a terem submetido a constrangimento em investigação de furto. Segundo Marlúcia, para investigar o sumiço de jóias e relógios em sua residência, o casal acionou todo um aparato policial.
Consta dos autos que até mesmo o Departamento de Combate a Crimes Organizados e a Divisão de Inteligência, ambos serviços especiais, foram destacados para a investigação. O inquérito teria acontecido de forma rápida e com toda a estrutura policial disponível.
Os funcionários da casa suspeitos teriam sido submetidos a detector de mentiras e dois deles, incluindo Marlúcia, sofreram busca e apreensão em suas casas.
“Tudo de forma rápida e diligente, cuja presteza e desproporção saltam aos olhos de qualquer cidadão brasileiro, ante certa lentidão e falta de empenho que comumente se observa na apuração e punição de crimes de tal natureza”, observou a juíza Tamara.
O empreiteiro Fernando Márcio Queiroz negou que tenha feito uso de sua influência junto a políticos do Distrito Federal, como a governadora à época, para agilizar a investigação do furto.
Nos autos, o delegado do departamento de crimes organizados reconheceu que este seria o primeiro caso em que um furto em uma residência foi apurado pelo seu setor.
“Não há como negar que o reclamado (Fernando) utilizou do poder econômico, amizade e influência política com objetivo de obter a atenção especial, não disponível aos cidadãos em geral, para a apuração do delito que o vitimou”, entendeu a juíza.
Para ela, é inegável a gravidade do fato e o direito dos patrões de buscarem apuração e punição a quem os dilapidou. No entanto, eles deveriam ter se utilizado da estrutura disponível a todos.
A juíza aplicou a tese de que "no exercício de um direito, o sujeito deve manter-se nos limites do razoável, sob pena de praticar ato ilícito" e assim, se ver obrigado a indenizar.
O ato ilícito, segundo entendeu, é a conduta abusiva do reclamado ao utilizar de poder econômico e amizade com políticos para induzir uma apuração privilegiada do furto que o vitimou.
A juíza considerou que a empregada sofreu “um constrangimento extraordinário em relação ao que era de se esperar em situação semelhante, sequer havendo nos autos prova de qualquer suspeita fundada de que a reclamante teria sido autora ou co-autora do furto”.
Para ela, a conduta da Polícia foi proveniente de influência abusiva presumidamente exercida pelo empreiteiro, o que caracteriza também a sua culpa.
Leia a decisão
RECLAMANTE: MARLÚCIA GONÇALVES DE SOUZA
1ª RECLAMADA: THEREZA CRISTINA SALOMÃO GONÇALVES
2ª RECLAMADO: FERNANDO MÁRCIO QUEIROZ
A T A D E A U D I Ê N C I A
Aos 21 dias do mês de março do ano 2007, às 17:57 horas, na sala de audiências da 9ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA - DF, com a presença da Exma. Juíza do Trabalho DRa TAMARA GIL ALVES PORTUGAL, realizou-se a sessão de julgamento da RECLAMAÇÃO TRABALHISTA onde são litigantes as partes em epígrafe. Aberta a audiência, por ordem da MM. juíza, foram apregoadas as partes, que se encontravam ausentes, sendo proferida a seguinte:
S E N T E N Ç A
MARLÚCIA GONÇALVES DE SOUZA ajuizou reclamação trabalhista em face de THEREZA CRISTINA SALOMÃO GONÇALVES e FERNANDO MÁRCIO QUEIROZ, postulando o exposto na petição inicial. Atribuiu à causa o valor de R$ 89.639,00. Juntou documentos.
Regularmente notificados, os reclamados compareceram na audiência apresentando a peça contestatória de fls. 26/28 dos autos, acompanhada de documentos.
Manifestação da reclamante às fls. 42/43.
Na sessão em prosseguimento ouviram-se as partes e testemunhas.
Sem mais provas, encerrou-se a instrução.
Razões finais remissivas.
Impossível a conciliação.
É o relatório.
DECIDO.
F U N D A M E N T A Ç Ã O
1. DOS DANOS MORAIS
A reclamante narra episódio danoso à sua honra ocorrido no ambiente de trabalho. Pede a condenação dos reclamados em indenização por danos morais.
Os reclamados se opõem ao deferimento do pleito negando a prática de qualquer ato ilícito, ressaltando que a reclamante sempre foi tratada com respeito e cordialidade e que foi ela que abandonou o emprego.
Restou comprovado nos autos que após o crime de furto de jóias e relógios ocorrido no interior da residência dos reclamados se seguiram episódios de apuração exemplar do delito pela Polícia Civil do DF. O i. delegado Érico Vinícius Mendes, que depôs perante este juízo na qualidade de testemunha, esclareceu que a DERCO – Departamento de Combate a Crimes Organizados e a DIRCO – Divisão de Inteligência, ambas componentes do Departamento de Atividades Especiais foram destacadas para o inquérito policial, cuja presteza e desproporção saltam aos olhos de qualquer cidadão brasileiro, ante certa lentidão e falta de empenho que comumente se observa na apuração e punição de crimes de tal natureza. Ressalte-se a presença de várias viaturas policiais na residência dos reclamados no dia seguinte ao crime (fato reconhecido no depoimento pessoal do 2º reclamado), a utilização de detector de mentiras instalado na cozinha da residência e a busca e apreensão realizada de forma rápida e diligente na residência da reclamante e outra empregada.
Comentários de leitores
4 comentários
Sri Mhaza Aum (Advogado Assalariado)
Alvissaras ! Será que ainda dá prá acreditar que um dia todos terão vergonha na cara e tudo vai mudar ?
Band (Médico)
Caro José Henrique (Funcionário público Você conhece maior furador de fila de transplante, de UTI, de farmácia pública do que o judiciário? Daí pode!!!!
Band (Médico)
Na verdade ele recebeu o que nenhum cidadão receberia: atenção a sua queixa. Quero ver quando a polícia daria atenção em caso semelhante! Geralmente se deixa no prejuízo por já se contar com a ineficiência dos agentes públicos para investigar e deter bandidos e furtadores! O que a juíza reclama é na verdade o que a poder público deveria fazer para todos. Ela inverteu a lógica e condenou o mesmo por ter sido atendido no que teria direito! Assim, furtos devem contar com a morosidade normal dos poderes públicos para poder gozarem da impunidade no país! Parece que a meritíssima não gostou que o cidadão exigiu o cumprimento do dever! Se houve constrangimento ilegal ou abuso de poder este só pode ter sido praticado pelos que detém o mesmo para tal! Se autoridade pública determinou algo fora do cabível, ela que é a responsável e não o cidadão que pediu o que deve ser dado a todos. Alegar que as coisas não funcionam mesmo e que os mal feitores devem contar com isto para praticar crimes não é razoável!
Comentários encerrados em 21/06/2007.
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