Caça-níqueis

Grampos da PF mostram que advogado subornava policiais

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13 de junho de 2007, 11h25

Escutas da Polícia Federal confirmam que o advogado Jamil Chokr levava dinheiro para pagar propina a policiais civis de São Paulo quando sofreu um acidente na Marginal do Tietê, no dia 25 de maio. As conversas foram gravadas pelos agentes durante as investigações que resultaram na Operação Xeque-Mate, no dia 4 de junho, e flagraram advogados e empresários de São Paulo ligados à máfia dos caça-níqueis comentando a descoberta de dinheiro e documentos no carro do advogado.

Entre os papéis havia uma lista de propina que parte da cúpula da Polícia Civil tentou desqualificar, levantando a suspeita de fraude contra os policiais militares que a apreenderam. A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.

Antes das escutas da PF, a apreensão de documentos no escritório e na casa do advogado já tinham reforçado os indícios de que a lista discriminava propinas. Apesar disso, a Corregedoria da Polícia Civil, responsável pelas investigações, só ouviu quatro pessoas até agora — além do advogado, justamente os PMs e a delegada que apreenderam o material.

Nos grampos da PF, surgem novos nomes, como o do empresário Raimondo Romano. Dono da Multiplay, fornecedora de peças para caça-níqueis, Romano está há quase 20 anos no ramo de diversões eletrônicas. Começou com fliperamas. Uma de suas conversas com um homem identificado como Xuli ocorre minutos depois de a notícia sobre o caso Chokr ter sido divulgada nos telejornais.

No dia 25 de maio, um motociclista tentou roubar o advogado. Ao fugir, Chokr bateu seu Vectra blindado. Quando o socorreram, PMs acharam a lista de propina e R$ 27 mil em envelopes endereçados a 29 distritos e delegacias seccionais de São Paulo. Havia até bilhetes com pedidos aos policiais de cada delegacia, como “por enquanto, parem de bater”, endereçado à 6ª Seccional (Santo Amaro).

Enquanto conversavam sobre a lista, fazendo comentários sobre os problemas que a máfia iria enfrentar, Romano e Xuli não sabiam que estavam sendo gravados pela PF na Xeque-Mate — a mesma que provocou o indiciamento de Genival Inácio da Silva, o Vavá, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exploração de prestígio e tráfico de influência.

Pouco depois, a PF registrou novo diálogo. Dessa vez é Romano quem explica a um homem chamado Emílio por que Chokr levava dinheiro e a lista no carro, em vez de mandar um portador fazer esse serviço. “Ele toma 30 e repassa 1. Você vai delegar o quê?” E Emílio responde: “O 1.” E os dois riem.

Romano conta que, possivelmente, Chokr ia para casa guardar a sua parte quando foi abordado pelo ladrão. Ou seja, o advogado aplicava um “chapéu” nos policiais: pegava com os clientes mais dinheiro do que repassava como propina.

O dinheiro viria de bingos e bares que têm caça-níqueis. Eles recolheriam uma parte dos lucros toda semana, entregue ao “recolhe”, encarregado de reunir a propina e repassá-la ao “emissário”, que a levava às delegacias. Seria esse o papel de Chokr. O Ministério Público suspeita que ele levava para os distritos toda sexta-feira os envelopes com dinheiro — entregue a investigadores.

Chokr, que deixou o hospital há uma semana, negou tudo. Disse que o dinheiro era de honorários. Ele tem se recusado a falar sobre o episódio. Até agora, o advogado só é considerado suspeito. Ninguém foi indiciado no caso.

A Secretaria da Segurança informou que a Corregedoria deve pedir cópia das escutas à PF e os corregedores não tinham conhecimento sobre as gravações.

Escutas

Diálogo entre Raimondo Romano, proprietário da empresa de caça-níqueis Multiplay, e um homem identificado só como Xuli. Conversa gravada no dia 26, às 10h24.

Xuli — O que aconteceu?

Romano — O que aconteceu ontem foi o Jamil (Chokr). Jamil, advogado das empresas. Você sabe quem é, não sabe?

Xuli — Sei, e daí?

Romano — Sofreu um acidente de carro e dentro encontraram um monte de coisas erradas. Anotações, dinheiro etc e tal.

Xuli — Sofreu um acidente de carro, tá. Aí?

Romano — E aí abriram o porta-malas dele e encontraram peças de máquinas, dinheiro, relatórios de pagamentos e tudo mais que ele estaria fazendo. Isso já deu manchete no Jornal Nacional.

Xuli — E o resto, está tudo bem?

Romano — Sim, tudo bem. A Prefeitura continua fechando. Mas saiu a súmula vinculante do Supremo que, teoricamente, se respeitada, proíbe a Prefeitura de fazer qualquer coisa contra bingos.

Xuli — Mas você não acha que vai voltar a trabalhar?

Romano — Eu tô trabalhando normal.

Xuli — Mas nos bingos?

Romano — Não só nos bingos, tem outras opções de trabalho. Alguns bingos pediram pra gente transformar tudo em área de lazer, com máquinas sem jogo de azar. Estamos trabalhando normal.

Diálogo entre Raimondo Romano e um homem identificado apenas como Emílio. Conversa também gravada no dia 26, às 11h37.

Emílio — Deixa eu te fazer uma pergunta; tudo bem?

Romano — (risos) Tá sim, tudo bem.

Emílio — O que você acha dessa m**** aí?

Romano — O Jamil?

Emílio — É.

Romano — Precisa encontrar uma desculpa plausível, né?

Emílio — Era o que faltava, meu.

Romano — Era o que faltava mesmo. Eu vou ter que encontrar uma desculpa para o coitado. Agora, o Ministério Público vai cair de pau, isso é um prato cheio. Ai, meu Deus do céu. Já leu no Estadão?

Emílio — Tô pasmo, meu. Que uruca. Deixasse a notícia para o Renan Calheiros, poxa.

Romano — Não vai acontecer p**** nenhuma. Tirando a fofocaiada, o diz-que-diz-que, não vai acontecer b**** nenhuma. Teoricamente o Jamil, que tinha que dar alguma coisa para alguém, não vai reconhecer que ia dar. Quem ia receber não vai reconhecer que ia receber. Como é que faz? Eu não posso escrever num pedaço de papel “Lua” e colocar R$ 50 mil lá?

Emílio — Pode, pode tudo. Mas que mau momento…

Outro trecho do diálogo:

Emílio — Sinceramente, eu não sabia que se fazia mais isso. Isso é um serviço que se delega.

Romano — Pára de ser babaca, vai? Deixa de ser babaca. Ele toma 30 e repassa 1. Você vai delegar o que?

Emílio — O 1 (risos).

Romano — Mas você sabe se ele estava indo para entregar o 1? Ou estava indo pra casa dele guardar os 30? Ou 29?

Emílio — Não, evidente que era 36 para 30. Uma m**** assim.

Romano — Então, ele estava indo para a casa dele guardar. Foi abordado no meio do caminho.

Emílio — Bom, só o outro lá é que vai poder te contar a verdadeira história. Vai demorar um pouco.

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