Na condição de advogado militante na área criminal, gostaria de compartilhar com os demais colegas uma experiência interessante que vivi no último dia 29 de maio e que me fez raciocinar sobre sua conveniência (ou não) para a defesa de nossos clientes: a realização de audiência de interrogatório por videoconferência (ou tele-audiência). O ato se deu em uma ação penal a que responde um boliviano preso e acusado da prática do crime de porte ilegal de arma, em audiência perante a 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Guarulhos (SP).
Apesar da manifestação de repúdio e discordância em relação à tele-audiência formulado pela defesa - em razão do direito do contato pessoal entre juiz e acusado e, no caso específico, por se tratar de estrangeiro com dificuldade em compreender o idioma português - ter sido indeferido pelo juiz oficiante naquela Vara um dia antes, acompanhei o interrogatório mesmo assim.
O ato se desenrolou da seguinte forma: assim que o advogado chegou à sala especial do prédio da Justiça Federal, o funcionário já mostrou os equipamentos e indagou se o defensor gostaria de falar privativamente com o cliente (que, na hipótese em questão, estava no presídio de Itaí (SP), destinado a estrangeiros, distante 300 quilômetros da capital paulista.
Então, havia uma sala fechada contígua à da audiência, com um telefone. Era só discar um número e se podia conversar o tempo que for preciso com o cliente (que, no presídio, fica na sala sem a presença de policiais ou agentes). Aqui o primeiro detalhe: muito embora não se tenha nenhuma garantia de que o conteúdo dessa conversa esteja sendo gravado, não deixa de ser uma forma de possibilitar a ampla defesa. E convenhamos que o bom advogado já foi se entrevistar anteriormente com o cliente pessoalmente, ficando esta conversa como uma forma de tranqüilizá-lo e explicar como se dará o ato, bem como, para prestar algum último esclarecimento. Seja como for, a interceptação de tal conversa é ilícita.
Depois, disso, entrou o juiz e começou a audiência propriamente dita. A partir desse momento, tudo começou a ser gravado (vídeo e áudio). O juiz alertou sobre a possibilidade de, a qualquer tempo, o acusado falar com o advogado sem que o áudio fique ligado. Ao fazer as perguntas, o intérprete as repetia no idioma do acusado (no caso, espanhol). Ficou ligado um microfone (auto-falante para viva-voz) e também havia um telefone na mesa para facilitar a compreensão. Existiam duas telas: uma que filmava a sala de audiência e outra que filmava a sala do presídio. Tudo era digital e a qualidade de som e imagens muito boa. Era como se o acusado realmente estivesse presente.
Ao final, o juiz determinou a impressão do termo de interrogatório e fez questão que a intérprete lesse ao acusado tudo o que ficou consignado, para eventuais correções. Após feitas, a Vara Federal de Guarulhos (SP) enviou um e-mail para Itaí (SP). Lá, foi impresso o termo e, neste momento, outra câmera focalizava o acusado lendo e assinando o documento. Assinado, o termo foi digitalizado e enviado novamente para Guarulhos. Com a impressão, advogado, juiz e procurador da República também assinaram. Toda a operação demora não mais que alguns minutos.
Acabada a audiência, mais uma vez, foi dada a oportunidade de conversa privativa entre advogado e cliente. Todo o ato foi gravado, as informações foram transmitidas para um CD, o qual foi anexado aos autos, tudo para garantir à defesa - e, por que não, à acusação - eventual impugnação.
Com isso, busca-se preservar, com fidelidade, o conteúdo do que foi realmente informado pelo acusado em seu interrogatório, evitando-se manipulação ou alterações dos depoimentos como, às vezes, ocorrem em audiências ditas "reais", quando o juiz faz constar apenas o que é interessante para a versão acusatória. O melhor de tudo é que, até pela novidade do meio, o juiz presta uma atenção a tudo. Não se tem aquela sensação de desinteresse de quem colhe a prova.
Feito esse breve e despretensioso relato, ainda tenho dúvidas sobre o impacto da tecnologia no campo do processo penal. Repetindo, muito embora nada se compare com a presença física e o contato pessoal entre juiz e acusado, a tele-audiência, pelo menos da forma como é feita, tenta reproduzir com a máxima fidelidade uma audiência real.
Tenho a impressão que será difícil escapar a esse tipo de evolução tecnológica. Fica o questionamento: se a enorme economia de dinheiro público despendido nas audiências tradicionais (gasto com gasolina, escolta etc.) compensa a flexibilização das garantias previstas no Código de Processo Penal.
Comentários de leitores
1 comentário
Kehdi (Advogado Sócio de Escritório - Criminal)
Caro Leopoldo, colega de trincheira do IBCCrim, ex-colega de escritório, ex-colega de faculdade, grande amigo. Parabéns pelo artigo. Gostei muito, principalmente pela sua coragem de abordar tão delicado tema e, enquanto advogado, elogiar a iniciativa, tendo em vista a sua experiência pessoal. Discordo, contudo, frontalmente da legalidade da comunicação por telefone com o réu, mesmo porque o EOAB e a LEP são expressos sobre o assunto. A comunicação só pode ser pessoal e reservada, o que significa que não presta o que fizeram no seu caso... Embora a prova decorrente de interceptação seja obviamente ilícita (o que você mesmo mencionou), o problema, a meu ver, é ainda anterior. Réu e defensor, falando por telefone, não se sentirão seguros para trocar as informações necessárias à ampla defesa. Em nem se diga que o bom advogado teve antes uma reunião... Os bons são poucos, mas os ruins, que, infelizmente, são a imensa maioria, sucumbirão à prática e, quando forem falar pelo telefone, já será tarde demais... Sobre o tema, aliás, já se manifestou recentemente o Min. Celso de Mello: garantiu que o contato entre acusado e defensor não seja feito por interfone, como tem sido comum nos nossos estabelecimentos penitenciários (Extradição n. 1085). No mais, quanto à video-conferência em si, sou desfavorável. O que te garantiu que o seu cliente não poderia ser ameaçado do outro lado? Deveria o réu, no mínimo, ter um advogado aqui e um lá... E aí, fica barato o sistema? Para quem? Como disse recentemente o Min. Carlos Britto sobre tema também caro aos acusados (o tempo razoável para que seja julgado um habeas corpus), "Mas o que importa considerar, em termos de decidibilidade, é que os jurisdicionados não podem pagar por um débito a que não deram causa... O débito é da Justiça e a fatura tem que ser paga é pela Justiça mesma. Ela que procure e encontre − peça elementar que é da engrenagem estatal − a solução para esse brutal descompasso entre o número de processos que lhe são entregues para julgamento e o número de decisões afinal proferidas." (STF, HC 91.041) Isso, Leo, decididamente não é um custo que deva ser pago pelo imputado, muito menos com a flexibilização de garantias constitucionais. Abraço, Andre Kehdi - advogado criminalista e membro do IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa
Comentários encerrados em 20/06/2007.
A seção de comentários de cada texto é encerrada 7 dias após a data da sua publicação.