Exceção da regra

Supremo nega questão de ordem em HC de Carreira Alvim

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11 de junho de 2007, 18h28

A ministra Ellen Gracie não extrapolou sua competência ao dar o voto de desempate no Habeas Corpus ajuizado pela defesa do desembargador federal Carreira Alvim. Ele é suspeito de participação no esquema de venda de sentenças para beneficiar a máfia dos jogos. A decisão foi firmada, nesta segunda-feira (11/6), na Questão de Ordem levada ao Plenário.

A questão foi levantada pela defesa do desembargador. Os advogados de Carreira Alvim sustentaram a nulidade da decisão porque o julgamento trataria de matéria infraconstitucional (Lei 9.296/96, que regula as interceptações telefônicas), o que não admite voto da presidente da Corte, conforme o artigo146 do Regimento Interno do STF.

A defesa mencionou a decisão do Supremo no julgamento do HC 85.529, no qual foi declarada a ineficácia de voto de desempate do presidente da Corte. O caso era referente a matéria infraconstitucional.

Antes de colocar a Questão de Ordem em julgamento, a ministra Ellen Gracie esclareceu que “o que se cogitava era a garantia constitucional do direito de defesa e a extensão dos meios necessários ao seu pleno exercício, daí aplicar-se a exceção prevista no artigo 146 do Regimento Interno”, razão pela qual teria votado.

O ministro Marco Aurélio, voto vencido, se pronunciou para afastar o prazo dado à defesa até que seja julgado o mérito do Habeas Corpus. Ele considerou que poderia se aplicar ao caso o princípio “in dubio pro reo” [na dúvida, julga-se em favor do réu], levando em consideração a legislação infraconstitucional que rege as interceptações telefônicas.

O Plenário considerou que o voto de desempate da presidente da Corte foi correto, por se tratar de matéria constitucional — direito de defesa e devido processo legal. Ou seja, quando foi violado dispositivos da lei de interceptação telefônica, não foi observado princípios constitucionais, o que garantiria o voto de desempate da ministra Ellen Gracie. Assim, ficou mantida a decisão do julgamento da liminar. O prazo para a apresentação da defesa é esta terça-feira (12/6).

O advogado Luis Guilherme Vieira, que defende o desembargador, diz acreditar que a posição do Supremo será modificada no julgamento do mérito do Habeas Corpus.

Decisão liminar

O pedido de liminar em Habeas Corpus protocolado pela defesa do desembargador foi negado no dia 6 de junho. Na ocasião, os ministros afirmaram a possibilidade de o Ministério Público apresentar denúncia sem as transcrições de conversas gravadas por escutas telefônicas. A decisão foi por cinco votos a quatro.

O advogado do desembargador, Luís Guilherme Vieira, alegou que seria impossível preparar a defesa sem a transcrição das escutas telefônicas, prova basilar da denúncia. “Se essa prova foi imprescindível para a acusação, também é imprescindível para a defesa”, disse o advogado.

Marco Aurélio defendeu que o conteúdo das gravações deveriam ser passados para o papel. Ele foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence. De acordo com ministro Celso de Mello, aparentemente, não há transcrição e sim interpretações policiais. "O meio de prova documental é a transcrição. Transcrição aparentemente não há. O que há são interpretações policiais de conversas telefônicas."

O ministro Gilmar Mendes afirmou que a Lei 9.296/96, que regula as interceptações telefônicas, tem servido para uma série de arbitrariedades, equívocos por parte do Ministério Público e denúncias ineptas, baseadas apenas em escutas. “A lei vem sendo sistematicamente violada”, disse.

Os ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Carlos Ayres Britto ressalvaram a gravidade do caso, que trata de garantias constitucionais fundamentais do acusado. Mas votaram contra a concessão do pedido. Essa corrente saiu vitoriosa depois do voto de desempate da presidente, ministra Ellen Gracie.

A denúncia

A denúncia contra José Eduardo Carreira Alvim foi oferecida ao Supremo no dia 21 de abril após a Operação Hurricane, da Polícia Federal. Também figuram na denúncia o ministro Paulo Medina (do STJ), o desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região José Ricardo de Siqueira Regueira, o juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região Ernesto da Luz Pinto Dória e o procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira. O relator da denúncia, ministro Cezar Peluso, determinou a notificação dos acusados e abriu prazo de 15 dias para defesa a partir de segunda-feira (23/4). O período foi estendido pelo menos duas vezes.

A Operação Hurricane da Polícia Federal foi deflagrada no dia 13 de abril nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e no Distrito Federal para deter supostos envolvidos em esquemas de exploração de jogo ilegal (caça-níqueis) e venda de sentenças, após cerca de um ano de investigações. Dos 25 presos na operação, 20 não possuem prerrogativa de foro e serão julgados pela 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro.


Leia a petição inicial

Excelentíssimo Senhor Ministro MARCO AURÉLIO

MD Relator do HC nº 91.207

LUÍS GUILHERME VIEIRA, AMILCAR SIQUEIRA e MARCIO GESTEIRA PALMA, impetrantes da mandamental em referência, ajuizada em favor do magistrado do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, doutor JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM, vêm a Vossa Excelência expor e requerer o que se segue.

OBJETO DA PETIÇÃO.

A presente se destina a apontar QUESTÃO DE ORDEM e requerer a Vossa Excelência que a submeta ao Plenário, em razão da URGÊNCIA, na sessão de segunda-feira próxima vindoura, dia 11.6.2007, eis que o prazo para a apresentação da resposta escrita a que alude o art. 4º, da lei 8.038/1990, expira na próxima terça-feira, dia 12.6.2007.

QUESTÃO DE ORDEM.

O voto da Presidente da Corte, na Sessão Plenária de 6.6.2007 (quarta-feira próxima passada), que denegou, por 5 (cinco) votos a 4 (quatro), medida liminar no HC nº 91.207, em matéria infraconstitucional, há de ser declarado inexistente e, sobretudo, ineficaz, por não ser admitido pelo Regimento Interno da Casa, devendo, ainda, em conseqüência, ser proclamada a concessão da medida liminar, pelo empate.

OS FATOS E O DIREITO.

No dia 6 último, ao julgar o pedido de medida liminar no HC nº 91.207, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, com o quorum de nove ministros, indeferiu a cautelar, por maioria de cinco a quatro, vencidos Vossa Excelência (relator), que a deferia integralmente, e os Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence, que a deferiam até o julgamento definitivo do habeas corpus (pedido alternativo que foi deduzido na parte final da petição de nº 79.815, de 28.5.2007). Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.

O primeiro e terceiro impetrantes, presentes ao julgamento e tendo, nele, o primeiro usado da palavra, se viram surpreendidos com a proclamação do resultado, com o voto da Presidente do Pleno, que desempatou a demanda em desfavor do paciente. Por respeito a Corte Máxima de Justiça, tiveram por bem não levantar qualquer questão de ordem naquele tempo final de sessão. Com um feriado de permeio, a matéria é trazida à apreciação de Vossa Excelência nesse dia subseqüente ao julgamento.

Com efeito, houve empate em decisão sobre a concessão de medida liminar em habeas corpus. Quatro votos negavam a liminar e quatro votos a concediam (Vossa Excelência, na forma do pedido inicial do writ, os outros três Ministros retro referidos, deferiam-na até o julgamento da mandamental, como consignado antes).

A discussão de fundo, sacudida na mandamental, é sobre a inteligência de artigo de lei federal que regula e disciplina as interceptações de comunicações telefônicas, portanto, de natureza infraconstitucional. E, naquela sessão, somente foi posto em julgamento a concessão da medida liminar. Ou seja: julgou-se se presentes se encontravam os pressupostos autorizadores da cautelar (periculum in mora e fumus boni juris). Nada mais foi submetido a julgamento do Pleno. Tout court.

Em situações em que tais, o voto do Presidente é vedado pelo parágrafo único, do art. 146, do Regimento Interno da Corte Suprema.

A solução para corrigir a injustiça que restou cometida é declarar a inexistência/ineficácia do voto de desempate da Presidente, prevalecendo, no empate, por ter acontecido em sede de habeas corpus, a decisão mais favorável ao beneficiário do writ. Vale dizer: a concessão da medida liminar até o julgamento definitivo da ordem impetrada.


PRECEDENTE.

Com toda a certeza, há de se recordar Vossa Excelência da discussão travada no Pleno, quando da votação da Questão de Ordem no HC nº 85.529-6, em 24.2.2005, paciente o senhor Ivo Noal, ocasião em que a Corte Plena, vencidos os Ministros Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Carlos Britto, decidiu:

EMENTA: RECURSO. Agravo Regimental em habeas corpus. Julgamento. Empate. Voto de desempate proferido pelo Presidente. Ineficácia. Matéria infraconstitucional. Caso em que não tinha voto o Presidente. Resultado que implica solução mais favorável ao paciente. Provimento do agravo nos termos do voto do Relator. Questão de ordem resolvida nesse sentido. Aplicação do art. 146, parágrafo único, do Regimento Interno. Votos vencidos. É ineficaz o voto de desempate do Presidente da Corte em matéria infraconstitucional, prevalecendo, no caso de julgamento de habeas corpus, a decisão mais favorável ao paciente.

(Questão de Ordem em Habeas Corpus 85.529-6; rel. originário a Min. Ellen Gracie, rel. para o acórdão o Min. Cezar Peluso. DJ de 15.9.2005).

Naquela votação, Vossa Excelência, que tinha sido o relator do agravo regimental desprovido pela maioria formada com o voto inexistente/ineficaz do então Presidente, o Ministro Nelson Jobim, votou no sentido de que o Tribunal deveria, como efetivamente fez, declarar a inexistência/ineficácia do voto presidencial inadmitido pelo Regimento, para proclamar o provimento do agravo, pelo empate, uma vez que era recurso em habeas corpus. No empate, prevalece a posição mais favorável ao paciente.

A história se repete no presente caso, que há de ser solucionado de mesma forma alvitrada naqueloutro.

PEDIDO.

É, portanto, a presente, para pedir a Vossa Excelência que, demonstrado, como se encontra, a grave balda que prejudica o paciente, leve a matéria, como questão de ordem, ainda na sessão prevista para a próxima segunda-feira, dia 11.6.2007, em razão de que, na verdade, fora concedida a liminar de suspensão do prazo para a defesa prévia até final julgamento do writ (nesse sentido votaram os Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence), não sendo desimportante repicar que o prazo para a apresentação da resposta escrita a que alude o art. 4º, da lei 8.038/1990, finda na terça-feira vindoura, 12.6.2007.

PEDIDO ALTERNATIVO.

Porventura não entenda Vossa Excelência ser a matéria objeto de apreciação como questão de ordem, requer-se, alternativamente, seja a presente tomada como novo pedido de habeas corpus (os requerentes, já qualificados na prefacial do remédio heróico de nº 91.207, passarão a figurar, novamente, como impetrantes e, José Eduardo Carreira Alvim, também devidamente qualificado naquela petição prefacial, passa a ser, mais uma vez, o paciente), com o objeto de ser declarada a inexistência/ineficácia do voto presidencial na votação já mencionada, apontando-se, para atender à exigência legal, como autoridade impetrada, o Supremo Tribunal Federal, preventa a relatoria de Vossa Excelência, com pedido de medida liminar de suspensão do prazo da resposta escrita já aberto ao paciente, até o julgamento final do HC nº 91.207, porque presentes os pressupostos que estão a autorizá-la.

O periculum in mora consubistancia-se na circunstância de que, como patenteado, em 12.6.2006 se esgota o prazo para que a defesa técnica do paciente apresente a resposta a que alude o art. 4º, da lei 8.038/1990. E o fumus boni juris está demonstrado, à saciedade, no corpo do presente petitório.

Pedem deferimento.

Brasília, 8 de junho de 2007.

LUÍS GUILHERME VIEIRA

OAB/RJ 49.265

AMILCAR SIQUEIRA

OAB/RJ 26.184

MARCIO GESTEIRA PALMA

OAB/DF 21.878

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