Vício no procedimento

Embargo não pode servir como novo julgamento da causa

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11 de junho de 2007, 14h27

Na advocacia pública, com a pletora de trabalho peculiar da atividade, deparo-me, amiúde, com decisões, notadamente de regionais federais e trabalhistas, proferidas sem a devida acuidade.

Sou cônscio de que o Judiciário encontra-se deveras assoberbado, mas isso não justifica falta de compromisso com o dever de julgar argutamente.

A tendência, com efeito, diante da grande quantidade de processos pendentes, é a de haver a padronização de despachos e votos. Entrementes, tal mecanismo não pode vir a prejudicar as partes, porquanto devem ser analisados os pontos peculiares de cada caso submetido a julgamento.

Não é raro encontrarem-se hipóteses em que o despacho ou voto, modelo escolhido, não tem a especificidade que o tornaria afinado com a causa em análise.

Destarte, não resta outra saída, no caso, senão a oposição de embargos de declaração, na tentativa de alertar o julgador, sob o fundamento da existência de omissão, obscuridade ou contradição, do equívoco presente no decisum.

E é assim que normalmente se age. No entanto, a quase totalidade dos julgamentos, em situações como a referida acima, é no sentido de invocar a decantada jurisprudência segundo a qual não está obrigado o juiz a se manifestar sobre todos os pontos apontados pelas partes. Tal situação configura manifesto destrato aos princípios constitucionais, que se revela em falta de motivação adequada, substituída por comandos sumários e geradores de conseqüências sem o formato do devido processo legal.

Nesse caso, ou a parte opõe novos aclaratórios ou interpõe recurso especial (quando o processo estiver em sede de tribunal), alegando a ofensa ao artigo 535 do CPC (negativa de prestação jurisdicional). Isso só faz atolar ainda mais as cortes superiores, indo de encontro com o princípio da celeridade processual, demandando tempo e custos desnecessários.

Seria bem simples se os tribunais ordinários deixassem o orgulho ao largo e sanassem o vício indigitado pelo embargante. Tal atitude, sem dúvida, daria maior credibilidade às suas decisões e homenagearia o princípio da duração razoável do processo, plasmado no artigo 5º, da nossa Lei Maior.

É de conhecimento geral que, não raramente, os embargos de declaração são utilizados de forma inadequada, buscando, na verdade, o rejulgamento da causa, configurando, portanto, ontologicamente autêntico pedido de reconsideração. Mas para essas situações, existe uma solução sobremodo razoável, que vem sendo timidamente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça: não aplicação da interrupção de prazo prevista no artigo 538 do CPC, quando restar demonstrado que o pleito presente nos embargos declaratórios tem natureza de pedido de reconsideração.

De fato, não se pode rotular qualquer papelucho de embargos de declaração para ver interrompido o prazo para interposição de outros recursos.

A título elucidativo, cumpre transcrever excerto da seguinte ementa oriunda daquela egrégia corte: “Não se aplica o consignado no artigo 538 do CPC (interrupção do prazo pela interposição de embargos de declaração) quando na oposição de qualquer outro recurso apenas se renovam os argumentos já anteriormente trazidos aos autos. Não podem os embargos declaratórios serem objeto de eterna interrupção do prazo recursal quando a matéria dos autos é devidamente apreciada, dentro do que foi visado pelas partes e em consonância com o que foi decidido nas instâncias ordinárias e pleiteado no recurso especial.” (EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 641617/SC – Ministro JOSÉ DELGADO – DJ 02.05.2005)

Dessarte, se as cortes pátrias começassem a adotar uma postura mais austera nos julgamentos de embargos de declaração, como a referida acima, a parte certamente teria mais desvelo no momento de agitar referido recurso.

Aqui, uma vez mais, impende deixa claro que o magistrado deverá ter redobrada cautela para identificar os aclaratórios que visam à reapreciação da causa, tendo em vista que a parte, quando formular o pedido de reconsideração camuflado, poderá perder a oportunidade de interpor outro recurso.

Considero que, assim, poderia surgir uma consciência geral, decorrente do receio de se perder o prazo para interposição de outros recursos, de que os aclaratórios só podem ser manejados estritamente nas hipóteses previstas em lei ou aceitas pela jurisprudência (verbi gratia.¸em caso de erro material), e não para provocar o rejulgamento da causa, com a reiteração de argumentos ou invocação de recentes julgados favoráveis à tese defendida. Para veicular tal pretensão, como se sabe, existe recurso próprio.

O que não se pode é, sob o pseudofundamento de que a parte pretende rediscutir a causa ou de que não está o magistrado obrigado a se pronunciar sobre todas as questões que lhes são submetidas, deixar de sanar um vício quando efetivamente ele existe.

Em arremate, insta esclarecer que não se trata aqui de uma crítica, mas de uma modesta sugestão, a fim de que seja, pelo menos, mitigada a problemática aqui tratada, apenando-se somente aqueles que buscam desvirtuar a utilização do profícuo recurso de embargos de declaração e não os que deles realmente necessitam.

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