Regras do jogo

Entrevista: Sérgio Tostes, advogado

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10 de junho de 2007, 0h00

Sérgio Tostes - por SpaccaSpacca" data-GUID="sergio_tostes.jpeg">Ir até o juiz para conversar sobre um processo sem procuração ou abordar pontos que não estão nos autos, não é exercer advocacia. É fazer lobby — que pode ser chamado no Brasil de tráfico de influência. “Quem é advogado conhece o velho brocardo de que o que não está nos autos não está no mundo”, ensina o advogado Sergio Tostes, especialista em Direito Empresarial.

Tostes é mestre em Jurisprudência Comparada pela Universidade de Nova York. Ele explica que lobby, em inglês, é o nome dado à recepção dos hotéis. Na história americana, quando a capital dos Estados Unidos da América foi transferida para Washington, como quase não havia residências, os parlamentares eram obrigados a passar parte do tempo nos hotéis. As pessoas que tivessem alguma reivindicação a fazer ou uma sugestão para apresentar, teriam acesso mais fácil aos legisladores se os encontrasse fora das salas de sessão — no lobby dos hotéis.

O lobby, então, foi regulamentado pela legislação norte-americana. O lobista só pode atuar junto ao Congresso e deve ser devidamente registrado. “O lobista atua exclusivamente no Congresso americano. Aborda situações especificas que merecem tratamento legislativo”, explica Tostes.

Na entrevista que deu à revista Consultor Jurídico, o advogado Sérgio Tostes afirmou que é comum no Brasil a prática de lobby no Poder Judiciário. “Lobby no Poder Judiciário é uma forma suave classificar o tráfico de influência.”

Sérgio Tostes também falou sobre o mercado para os escritórios de advocacia e a dificuldade do empresário em se firmar num país com tamanha insegurança jurídica na área tributária e uma burocracia insana, que alimenta a corrupção. Sócio do Tostes & Associados Advogados, mestre em Jurisprudência Comparada pela Universidade de Nova York e em Direito pela Harvard Law School, o advogado foi associado estrangeiro de Arnold & Porter, escritório de advocacia de Washington.

Também participaram da entrevista os jornalista Daniel Roncaglia e Rodrigo Haidar.

Leia a entrevista

ConJur — Qual a diferença entre ser lobista nos Estados Unidos e ser lobista no Brasil?

Sérgio Tostes — Nos Estados Unidos, o lobista atua exclusivamente no Congresso. Lá, ele faz uma exposição para os parlamentares sobre as conseqüências de projetos que estejam em processo de votação ou que possam ser aprovados. Aborda situações especificas que merecem tratamento legislativo. A profissão de lobista é regulamentada.

ConJur — Não existe lobby no Poder Judiciário nos Estados Unidos?

Sérgio Tostes — Qualquer atividade dessa natureza no Judiciário nos Estados Unidos é crime federal e, na maioria das vezes, imediatamente punido.

ConJur — E no Brasil? Lobby no Congresso todos sabemos que existe. Como identificamos, então, o lobista no Poder Judiciário?

Sérgio Tostes — O lobby no Poder Judiciário é uma forma suave classificar o tráfico de influência. O traficante de influência vai perante um juiz sugerir que determinada decisão seja tomada de uma forma ou de outra. Quem é advogado conhece o velho brocardo de que, o que não está nos autos, não está no mundo. Quem vai falar com algum representante do Judiciário pedindo um determinado posicionamento, se não é o advogado, está fazendo tráfico de influencia. E o tráfico de influencia tem naturalmente uma conotação ilícita.

ConJur — Isso é comum no Brasil?

Sérgio Tostes — Infelizmente, é muito comum. É comum encontrar pessoas que se identifiquem como lobistas do Poder Judiciário. E isso é muito grave.

ConJur — Existe um estado que sofra mais com esse tipo de problema?

Sérgio Tostes — Em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, o lobby existe, mas em escala menor. Nos estados menores, com famílias muito influentes, a tentativa de interferência nas decisões do Judiciário é bem mais significativa.

ConJur — Como solucionar esta situação?

Sérgio Tostes — É preciso definir logo, por lei, o que é o lobista. A partir da definição clara, tudo aquilo que não estiver inserido nas atribuições é ilegítimo.

ConJur — Muitos reclamaram que, às vésperas do julgamento sobre a incidência da Cofins para as sociedades prestadoras de serviços, o ministro da Fazenda foi ao STF defender a posição do governo. Esse tipo de comportamento é válido?

Sérgio Tostes — Se o ministro da Fazenda realmente fez isso, agiu mal. Ele não tem autoridade para tomar essa atitude. Isso se chama pressão. Porque é público e notório que o Poder Judiciário depende do Executivo para fixar remuneração. Então, se o ministro da Fazenda se dirige a qualquer órgão em nome próprio para fazer qualquer sugestão ou reivindicação, ou mesmo dar opinião, ele está exercendo pura e simplesmente um delito de natureza criminal que é pressionar indevidamente um Poder constituído. O ministro da Fazenda tem seu organismo específico para isso que é a Procuradoria da Fazenda Nacional.

ConJur — Se existe tráfico de influência no Judiciário, é porque se permite isso.

Sérgio Tostes — Os juízes são seres humanos como outros quaisquer, mas precisam estar conscientes das suas limitações. Se alguém vai conversar com um juiz sobre um caso pendente de julgamento, quando não tem procuração, deve ser barrado imediatamente. Mas é claro que não se pode confundir o Poder Judiciário com mau exercício da função por algumas pessoas que pertencem ao Judiciário.

ConJur — Com o escritório baseado no Rio de janeiro, o senhor enxerga uma tendência de as empresas recorrerem mais à Justiça do Rio porque é mais célere do que a de São Paulo?

Sérgio Tostes — Claramente. Enquanto no Rio de Janeiro um processo em segundo grau é julgado em 120 dias, em São Paulo é preciso esperar quatro anos para que o recurso seja distribuído. É claro que decidir rápido não é necessariamente decidir bem, mas até uma decisão desfavorável é melhor que uma não decisão.

ConJur — Por que a Justiça do Rio de Janeiro é mais rápida?

Sérgio Tostes — Primeiro porque houve uma sucessão de presidentes totalmente comprometidos com a celeridade no Tribunal de Justiça fluminense. Outro ponto é a questão financeira. No Rio, taxas e emolumentos cobrados pela Justiça são aplicados na própria Justiça. Isso permitiu a modernização de todos os foros das cidades do estado.

ConJur — Isso é uma característica só do Rio?

Sérgio Tostes — A questão do fundo para o Judiciário começou no Rio. Alguns outros estados estão criando o mesmo mecanismo, mas o Rio de Janeiro é quem está mais avançado na administração dos recursos.

ConJur — O senhor acha que a celeridade da Justiça fluminense ajudou no crescimento dos escritórios no Rio de Janeiro?

Sérgio Tostes — Sem dúvida nenhuma. É um dos fatores mais importantes. É evidente também que, do ponto de vista econômico, o Rio está crescendo. E cresce não por causa de coisas novas, mas porque existe um progresso reprimido. O fator petróleo é o grande motor do Rio. E há algumas peculiaridades que ajudam. O Rio de Janeiro é uma das poucas cidades do mundo que você cita a cidade, sem precisar dizer o país.

ConJur — Como o senhor vê o mercado de fusões e aquisições para os escritórios de advocacia?

Sérgio Tostes — O Brasil está em ebulição. A economia nunca esteve em uma época tão boa como agora. Estamos na fase de abertura do mercado. Há cada vez mais empresas de consumo, supermercados, lojas de departamento, de material de construção recebendo investimento estrangeiro. Isso leva a novas relações comerciais e é uma excelente fonte de trabalho para os escritórios. Mas talvez esta seja uma onda passageira. E as conseqüências eu não sei quais serão.

ConJur — O senhor acha que o Cade tem exercido adequadamente seu papel?

Sérgio Tostes — Não. O Conselho precisaria ser reformulado, para acompanhar a evolução das atividades comerciais. Há quantos anos a Nestlé adquiriu a Garoto? E ainda se discute agora na Justiça, se a operação será confirmada ou não. A demora na decisão administrativa cria absoluta insegurança.

ConJur — Qual a receita de crescimento para um escritório de advocacia?

Sérgio Tostes — O escritório virou hoje um empreendimento comercial. E um empreendimento, quando vê que determinada área está esgotada, precisa se qualificar para outro mercado. Hoje, por exemplo, escritórios de advocacia precisam se preparar para atender os setores de etanol, biocombustível e agro-negócio que representam novas demandas de serviços.

ConJur — E qual foi a receita de crescimento do seu escritório?

Sérgio Tostes — Nos especializamos em um nicho duradouro. Somos advogados da Petrobrás e atuávamos em causas específicas. Fomos chamados, então, para viabilizar o projeto de construção de navios pela Transpetro, que era um projeto altamente inovador, porque para ele ser viável não bastava só ter os estaleiros do Brasil, era preciso criar novos lugares. Uma empresa foi contratada para fazer análise do mercado e percebeu que fazer simplesmente a modernização dos estaleiros não seria econômico. Então, foram construídos navios-estaleiros. Neste ponto entrou o departamento jurídico para fazer os contratos, viabilizar as licitações. Quando acabou nosso trabalho, o escritório estava especializado em Direito Marítimo. Não procuramos essa área. Ela decorreu do trabalho que estávamos fazendo. E fomos crescendo a partir daí.

ConJur — O petróleo ainda é um fator de crescimento para os escritórios que atuam nessa aérea?

Sérgio Tostes — Claro. Mesmo com o biocombustível. O mercado de petróleo não vai deixar de existir do dia para noite e ainda é grande fonte de riqueza e de distribuição.

ConJur — Algumas discussões judiciais levam anos até que se definam, o que gera dificuldades para as empresas. Isto é visto com mais intensidade em qual área do Direito?

Sérgio Tostes — Tributária, principalmente. Com tanta insegurança, fica difícil fazer planejamento tributário. E a falta de planejamento é que leva muitas empresas à informalidade. A empresa pequena não tem capacidade de se planejar tributariamente. A empresa grande até consegue, mas os cenários que vão se desenhando prejudicam o trabalho.

ConJur — A carga burocrática é tão insana quanto a carga tributária?

Sérgio Tostes — Sim. E digo mais: a burocracia é a irmã gêmea da corrupção. Quanto mais se burocracia há nos procedimentos, mais se facilita a corrupção.

ConJur — O senhor diria que o Supremo Tribunal Federal é quem hoje faz o planejamento tributário das empresas?

Sérgio Tostes — É muito grave admitir que isso seja possível. O que vemos é que o STF tem entrado em detalhes operacionais, que não são de matéria constitucional. A questão da Cofins para as sociedades prestadoras de serviços é um exemplo marcante. O Superior Tribunal de Justiça já tinha decidido a questão e dado certo conforto em termos de planejamento fiscal para os escritórios de advocacia, por exemplo. Veio um Recurso Extraordinário para reabrir a questão. Não vou dizer que há ilegalidade nisso, porque o Supremo está dentro do seu campo de atuação e precisa definir se a matéria é constitucional ou não. Mas isto criou uma grave situação de insegurança jurídica. Pessoalmente não concordo que houvesse matéria constitucional a justificar a apreciação pelo Supremo.

ConJur — O senhor vê abusos nas ações deflagradas pela Polícia Federal?

Sérgio Tostes — Não. Defendo a prisão preventiva. No Brasil, se não houvesse a prisão preventiva, todos os acusados no dia seguinte estariam conversando para combinar defesa conjunta. A prisão é decretada pela Justiça, que achou indícios suficientes para a detenção. E os indícios são de várias naturezas.

ConJur — E o uso de algemas?

Sérgio Tostes — Está correto. O preso pego de surpresa pode ter uma reação agressiva. No momento em que se coloca a algema, se define que existe um processo policial em andamento, com respaldo judicial. Pode até ser humilhante, mas é necessário. Imagine se um dos presos se indigna, se revolta, sai correndo, dá um tapa no policial? E se esse policial reage? Em todas essas prisões da PF, não houve nenhuma agressão ao preso ou vice-versa. Não é à toa.

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