Origem do julgador

Antigamente, juiz era boca que pronunciava vontade da lei

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10 de junho de 2007, 0h00

Nas proximidades dos festejos dos 200 anos da chegada de D. João VI ao Brasil e da instalação do primeiro tribunal no país vale relembrar alguns fatos relacionados com o Poder Judiciário daqueles tempos. Antes da chegada de D. João VI o quadro educacional do país era grave, porque faltavam escolas técnicas e não tinha imprensa. Não se solucionou o problema educacional, mas diminuíram as faltas de técnicos no Brasil português, porque se demonstrou interesse na formação de engenheiros e médicos.

O Rio de Janeiro, no ano de 1808, foi agraciado com a fundação da Academia de Belas Artes e a elevação da Casa de Relação à categoria de Casa de Suplicação, com a função de tribunal superior semelhante ao de Lisboa; anteriormente, durante a estada de D. João VI na Bahia, foi criada a Escola de Medicina, em Salvador.

Até o século XVII, o conceito de justiça comportava acepção diversa da que se empresta ao termo na atualidade. A jurisdição era ato privativo dos reis e dos senhores feudais; afirmava-se então que “o rei foi colocado no reino para administrar a justiça com imparcialidade”. Sabe-se que D. Afonso II declarara que a ele cabia a “suprema magistratura judicial e que os juizes não eram mais que seus representantes”.

As causas eram julgadas pelos reis, que exerciam a função de juiz, apesar de contar com a oposição do povo e das classes privilegiadas. Os reis passaram a contar com um conselho composto por parentes e amigos; posteriormente, com conselheiros.

Os interesses da magistratura de então se voltavam para atender aos desígnios da coroa e da nobreza, pagamento de impostos, sem preocupação alguma com os direitos da população. Estes princípios prevalecem até a instituição do império, em 1822.

Os humanistas recomendaram aos reis o desprezo à opulência e preocupação maior com o reinado e com a justiça. Na formação do Judiciário brasileiro, não havia divisão de poderes, (Montesquieu, “O Espírito das Leis” (1748), porque o rei ou os governadores enfeixavam todos os poderes; o governador da capitania do Rio de Janeiro, por exemplo, era o presidente do Tribunal da Relação.

Posteriormente, a atribuição de julgar passou para funcionários que se obrigavam a respeitar normas especiais, a exemplo do sigilo dos atos da justiça, do rito e do estilo até mesmo no uso de roupas especiais com ausência de cores.

A função policial e judiciária se confundia numa só pessoa; D. João VI, no Rio de Janeiro, em 1808, nomeou o desembargador e ouvidor da Corte, Paulo Fernandes Viana, para o cargo de Intendente Geral de Polícia da Corte.

Havia discriminação étnica e religiosa na formação dos tribunais. Mulatos, ciganos, cristão-novos não podiam ingressar na magistratura de então.

Os desembargadores chegados ao Brasil atravessavam grandes dificuldades, além da imprecisa delimitação de competência, causadora de desentendimentos com o clero e com outras autoridades.

O magistrado distanciava-se da vida social local e o acesso ao cargo dependia da origem social, além da procedência na indicação, ingrediente fundamental. Magistrados e professores vinham de Coimbra, onde se formavam os intelectuais portugueses. Era muito buscada a graduação na Universidade de Coimbra, juntamente com o exercício da profissão por dois anos e aprovação na seleção para o serviço público.

Os desembargadores que primeiro chegaram ao Brasil deixavam seus costumes, sua família, desvinculavam de todos os laços com Portugal e ficavam na Relação por mais de três anos.

Classe formada por grupo eminentemente técnico, ocupava o terceiro lugar na hierarquia da Relação e eram recrutados entre os letrados com a comprovação de estudos de doze anos numa das Faculdades de Cânones de Coimbra; além disto, necessário o exercício por quatro anos como juiz de fora, ouvidor, corregedor, provedor ou advogado na Casa de Suplicação.

Antes de 1609, os julgamentos eram de competência dos ouvidores e suas decisões comportavam recursos para a Casa de Suplicação, em Lisboa, ou, em certos casos, ao governador-geral.

Regimento de 1609 conferia aos desembargadores amplos poderes, mas eram obrigados a obedecer a rígidos procedimentos, semelhantes à disciplina escolar. Antes da posse no cargo tinham de apresentar inventário de seus bens móveis e imóveis. Os desembargadores eram proibidos de freqüentar casas de jogo. Quando andassem a cavalo “deviam trazer bem arvorada a sua vara – símbolo do poder e da função”

Nos “Estilos da Relação do Porto”, consta a proibição de falar em voz alta, mudar de uma mesa para outra durante os despachos, permitida somente com autorização do governador e com as continências de estilo, “ainda que seja em casos lícitos”.

Obrigavam-se a usar becas compridas e garnachas, barbas largas, etc. Outras censuras ao comportamento dos desembargadores eram anotadas em recomendações avulsas, a exemplo, de proibi-los de freqüentar casas de outras pessoas, salvo em visita “uns aos outros, e aos Presidentes dos ditos Tribunais”.

O primeiro ato público, anterior ao início da tarefa do dia, consistia em assistir à missa, juntamente com o governador, celebrada na capela do Tribunal; pediam, neste ato ecumênico, luzes a Deus para que as decisões fossem presididas pelo senso de justiça; começavam a trabalhar às 7:00 horas da manhã, sob a fiscalização do regedor da Casa da Suplicação, encarregado de cuidar da disciplina.

Ato datado de 1610 proibiu aos desembargadores casarem no Brasil, buscando evitar a criação de vínculos com a sociedade colonial; eram impedidos também de ter afilhados nos limites de sua jurisdição. No direito português de então os foros eram as imunidades e privilégios de determinada classe; as façanhas constituíam das decisões dos juizes municipais; as respostas, os pareceres de jurisconsultos, os estilos, as regras sobre a ordem dos processos na Casa de Suplicação de Lisboa e os assentos eram a jurisprudência originada da Casa de Suplicação.

Só depois da revolução francesa é que surge um Judiciário autônomo, porque renegada a origem divina invocada pelo Estado Monárquico; separados os poderes, a lei passou a ser a única fonte do direito do cidadão. Nesse período, o juiz era “a boca que pronuncia a vontade da lei”, ou seja, tornava-se mero intérprete do que o legislador real expressava. Era tomada a lei na sua literalidade.

Com o passar do tempo e com as complexidades da sociedade, o julgador recebeu maiores atribuições consistentes na necessidade de muitas operações para descobrir o verdadeiro sentido da lei.

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