Suspeita infundada

Shopping e loja são condenados por acusar cliente de furto

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8 de junho de 2007, 14h29

A loja Dalcellis e o shopping Goiabeiras, de Cuiabá, foram condenados a pagar, solidariamente, R$ 8 mil por danos morais a uma cliente acusada injustamente de furto. A decisão foi baseada em dispositivo do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a responsabilização dos prestadores por falha ou risco no fornecimento de seus serviços. Cabe recurso.

Segundo os autos, a cliente e duas amigas foram trancadas em sala de monitoramento durante 30 minutos. No período, tiveram sacolas revistadas por segurança do shopping.

“Houve violação a sua liberdade e cerceamento em seu direito, garantia constitucional, pois foi mantida encarcerada por cerca de meia hora e teve suas sacolas revistas, em razão de uma suspeita infundada, com o fim de proteger interesse comercial dos reclamados em detrimento do princípio constitucional de presunção de inocência”, entendeu a juíza Olinda de Quadros Altomare Castrillon, do Juizado Especial do Consumidor.

Para a juíza, não se pode admitir que os comerciantes tornem esse tipo de conduta uma prática comum. “Já se encontra consolidado o entendimento jurisprudencial de que a detenção indevida de pessoa suspeita de furto causa danos morais”.

A decisão foi tomada com base no dispositivo do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Processo 1.420/04

Leia a decisão:

Comarca : Cuiabá-Juizado Especial do Consumidor – Lotação : JUIZADO ESPECIAL DO CONSUMIDOR

Juiz : Olinda de Quadros Altomare Castrillon

Vistos, etc…

Dispensado o relatório, na forma do artigo 38 da Lei nº 9.099/95.

Trata-se de pedido de indenização por dano moral, em que a reclamante alega que foi acusada por uma funcionária da primeira requerida de ter cometido o crime de furto e foi conduzida pelo segurança do segundo requerido à sala de monitoramento pra esclarecimento dos fatos, tendo sido constatado que não havia cometido nenhum delito.

Audiência de conciliação às fls. 44.

O reclamado Condomínio Goiabeiras Shopping Center ofertou contestação às fls. 116/127. Em preliminar, argüiu sua ilegitimidade, sob afirmação de que foram as funcionárias da co-ré que acusaram a reclamante de furto e o que fez não passou de exercício regular de direito. No mérito, insurgiu-se contra os argumentos da reclamante e pugnou pela improcedência do pedido.

A segunda reclamada apresentou contestação às fls. 128/145. Sustentou que formulou pedido de desculpas pelo lamentável fato ocorrido, procedendo à retratação, restando comprovado que não ocorreu o fato imputado. No mais, sustentou a inexistência de dano moral e requereu a improcedência do pedido.

Réplica às fls. 147/160.

Audiência de instrução às fls. 161/166.

É a síntese do necessário.

Fundamento e decido.

A preliminar de ilegitimidade argüida pelo Shopping se trata de matéria de mérito, que passo à apreciação.

É fato incontroverso que a reclamante foi acusada de crime de furto por funcionária da primeira reclamada e foi conduzida por segurança do Shopping reclamado à sala de monitoramento para esclarecimento dos fatos, tendo sido constatado que não tinha havido a prática do aventado crime. Tendo a loja reclamada expedido pedido de desculpas de forma escrita.

Diante disso, de qualquer ângulo que se analise a presente lide, imperioso é reconhecer que ocorreram os fatos narrados na inicial. Todavia, resta averiguar se a conduta dos reclamados gerou dano moral à reclamante.

Vejamos a prova testemunhal:

“Que quando ocorre uma suspeita de furto na loja do Shopping, o lojista aciona o alarme, após o segurança vai até a loja verificar o corrido e aciona a polícia pelo telefone 190. Que os seguranças não têm poder de efetuar a detenção das pessoas suspeitas de praticarem furtos. (…)” – depoimento do preposto do Shopping, fls. 163.

“ (…) Que foi efetuada a revista a revista nas sacolas das três clientes. (…) Que o depoente convidou as três para comparecerem na sala de monitoramento. (…) Que a porta da sala de monitoramento permaneceu trancada. Que as reclamantes permaneceram cerca de meia hora no interior da sala de monitoramento.(…)” – depoimento do inspetor de segurança JOÃO BATISTA DA SILVA, fls. 164/165.

Está evidente que a reclamante foi mantida na sala de monitoramento para averiguações por cerca de meia hora, tendo o segurança revistado suas sacolas e a porta da sala foi mantida trancada, conforme declarou o inspetor de segurança Sr. João Batista da Silva.

Portanto, houve violação à sua liberdade e cerceamento em seu direito, garantia Constitucional, pois foi mantida encarcerada por cerca de meia hora e teve suas sacolas revistas, em razão de uma suspeita infundada, com o fim de proteger interesse comercial dos reclamados em detrimento do princípio constitucional de presunção de inocência. Inclusive, o E. STJ tem decidido nesse sentido:


“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DANO MORAL. LOJAS DE DEPARTAMENTOS.

CONTRANGIMENTO ILEGAL E CÁRCERE PRIVADO. INDENIZAÇÃO. QUANTUM.

RAZOABILIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA.

INTERESSE RECURSAL ALTERAÇÃO DO PEDIDO. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESACOLHIDO.

I – Inconcebível que empresas comerciais, na proteção aos seus interesses comerciais, violentem a ordem jurídica, inclusive encarcerando pessoas em suas dependências sob a suspeita de furto de suas mercadorias.

II – Diante dos fatos assentados pelas instâncias ordinárias, razoável a indenização arbitrada pelo Tribunal de origem, levando-se em consideração não só a desproporcionalidade das agressões pelos seguranças como também a circunstância relevante de que as lojas de departamentos são locais freqüentados diariamente por milhares de pessoas e famílias.

III – A indenização por danos morais deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento sem causa, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. Ademais, deve ela contribuir para desestimular o ofensor a repetir o ato, inibindo sua conduta antijurídica.

IV – Em face dos manifestos e freqüentes abusos na fixação do quantum indenizatório, no campo da responsabilidade civil, com maior ênfase em se tratando de danos morais, lícito é ao Superior Tribunal de Justiça exercer o respectivo controle. (…”)

(REsp 265.133/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 19.09.2000, DJ 23.10.2000 p. 145)

Ora, não se pode admitir que comerciantes tornem esse tipo de conduta uma prática comum, pois no Estado Democrático de Direito em que vivemos esse tipo de conduta é inadmissível.

Inclusive, a jurisprudência também já se encontra consolidado o entendimento jurisprudencial de que a detenção indevida de pessoa suspeita de furto causa danos morais:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. Dano moral. Lojas Americanas. Detenção indevida.

A detenção indevida de três pessoas, sendo duas menores, por suspeita de furto em estabelecimento comercial, causa dano moral que é arbitrado, nas circunstâncias, de acordo com o voto médio, em valor equivalente a 300 salários mínimos.

Recurso conhecido em parte e parcialmente provido.”

(REsp 298.773/PA, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 03.04.2001, DJ 04.02.2002 p. 380)

Ademais, os reclamados, na condição de prestadores de serviços, são responsáveis pelos danos que, nessa condição causarem aos seus clientes. Inclusive, esse tipo de responsabilidade está expressamente prevista no Código de Defesa do Consumidor:

“ Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Relativamente ao valor a ser arbitrado, importante frisar que inexistem critérios objetivos para o cálculo da expiação pecuniária em dano moral, o qual não tem uma repercussão econômica devida, daí a razão de ser arbitrada com a finalidade de compensar a sensação de dor da vítima com a sensação agradável ao contrário.

O montante da condenação a título de dano moral deve ter relação com o alcance estimado do sofrimento provocado pelo ato injusto e a condição econômica das partes, de forma a não gerar o enriquecimento sem causa, bem como não provocar abalo financeiro do ofensor.

Os Tribunais têm decidido que: “O ressarcimento pelo dano moral decorrente de ato ilícito é uma forma de compensar o mal causado, e não deve ser usado como fonte de enriquecimento ou abusos, dessa forma a sua fixação deve levar em conta o estado de quem recebe e as condições de quem paga TACIV SP RT vol. 744/255”, e ainda no corpo do julgado constante do mesmo Tribunal, na RT vol. 745/287, colhem-se os seguintes destaques, acerca do dano moral: “deve ser fixado, prudentemente pelo Juiz considerando a personalidade da vítima (situação familiar e social, reputação) gravidade da falta, dolo e culpa e personalidade do ofensor”.

Conforme acórdão publicado em RT 706/68, a paga em dinheiro deve representar uma satisfação para a vítima, moral ou psicológica, de modo capaz de neutralizar ou amenizar em alguma parte o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar a satisfação em justa medida, de modo a não significar um enriquecimento sem causa da vítima, mas deve produzir no causador do mal um impacto a dissuadi-lo de práticas iguais.


A indenização por dano moral não caracteriza o pagamento de um preço pela dor ou humilhação, mas meio de mitigar o sofrimento, sob forma de conforto, não se lhe podendo atribuir a finalidade de enriquecimento, sob pena de transformar em vantagem a desventura ocorrida.

Não há em nossos Sodalícios um critério de fixação dos danos morais pacífico, imperando, quase sempre, o bom senso e o subjetivismo do julgador, a quem incumbe a árdua tarefa de mensurar a dor e o sofrimento retratado nos autos por uma das partes.

De toda forma, quem deve fixar o valor da indenização dos danos morais é o Juiz, não estando obrigado a deferir o valor pedido pelo reclamante, caso contrário este seria o juiz de sua própria causa, o que é inconcebível.

Cabe aqui invocar o magistério de MARIA HELENA DINIZ:

“Na reparação do dano moral, o magistrado deverá apelar para o que lhe parecer eqüitativo ou justo, agindo sempre com um prudente arbítrio, ouvindo as razões das partes, verificando os elementos probatórios, fixando moderadamente uma indenização. O valor do dano moral deve ser estabelecido com base em parâmetros razoáveis, não podendo ensejar uma fonte de enriquecimento nem mesmo se irrisório ou simbólico. A reparação deve ser justa e digna. Portanto, ao fixar o quantum da indenização, o juiz não procederá a seu bel prazer, mas como um homem de responsabilidade, examinando as circunstâncias de cada caso, decidindo com fundamento e moderação”.(Revista Jurídica Consulex, n. 3, de 31.03.97)

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido e, em conseqüência, condeno os reclamados, de forma solidária, ao pagamento do valor de R$-8.000,00 (oito mil reais) à reclamante, devidamente corrigido pelos índices do INPC e acrescido de juros de mora legais, ambos a partir desta sentença.

A Reclamada fica advertida que na hipótese de não ser efetuado o pagamento do valor da condenação supra, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar do trânsito em julgado da sentença, será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento), independentemente de nova intimação, consoante o disposto no art. 475-J caput, do CPC e Enunciado nº 105 do FONAJE, podendo efetuar o depósito em Juízo a fim de evitar a multa, Enunciado nº 106 do FONAJE, in verbis:

– ENUNCIADO Nº 105 – “Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não o efetue no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado, independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10%.” (Aprovado no XIX Encontro – Aracaju/SE)

– ENUNCIADO 106 – “Havendo dificuldade de pagamento direto ao credor, ou resistência deste, o devedor, a fim de evitar a multa de 10%, deverá efetuar depósito perante o juízo singular de origem, ainda que os autos estejam na instância recursal”. (aprovado no XIX Encontro – Aracaju/SE)

Sem custas e sem honorários advocatícios, conforme artigo 55 da Lei nº 9.099/95.

P.R.I.C.

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