Mudança suspensa

Preso na Hurricane não será transferido para outro estado

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6 de junho de 2007, 17h39

Problemas em sistema penitenciário não justificam transferência de acusado para longe de sua cidade. O entendimento é da ministra Laurita Vaz, da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. A ministra acolheu o pedido de Habeas Corpus do inspetor da Polícia Civil, Marcos Antônio dos Santos Bretãs, preso na Operação Hurricane, da Polícia Federal.

O pedido de Habeas Corpus foi ajuizado contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que manteve a transferência de alguns presos para o Presídio Federal de Campo Grande (MS). A transferência foi determinada pela 6ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.

O inspetor é acusado de integrar uma organização criminosa que explorava ilegalmente bingo e máquinas caça-níqueis no estado do Rio de Janeiro. De acordo com o processo, o policial distribuía propinas oferecidas pelos bicheiros.

A primeira instância determinou a transferência do inspetor para o presídio federal sob a justificativa de que a quadrilha tem forte poder econômico para corromper policiais. Além disso, que o sistema penitenciário no Rio enfrenta notórias dificuldades.

A relatora do Habeas Corpus, ministra Laurita Vaz, considerou que as razões apresentadas pela juíza não justificam a transferência do preso para um presídio de segurança máxima, a mais de mil quilômetros de sua residência, mesmo local onde o delito foi praticado. Além disso, a ministra ressaltou que a transferência de presos deve ser precedida de procedimentos que não foram observados pela juíza, como oitiva do Ministério Público e da defesa, bem como do Departamento Penitenciário Nacional.

HC 84.431

Leia a decisão

HABEAS CORPUS Nº 84.431 – RJ (2007/0130133-9)

RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ

IMPETRANTE: FRANCISCO JOAQUIM NUNES DA ROCHA

IMPETRADO: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2A REGIÃO

PACIENTE: M A DOS S B (PRESO)

DECISÃO

Vistos, etc.

Trata-se de Habeas Corpus , com pedido de liminar, impetrado em favor de M. A. DOS S. B. em face de decisão do Desembargador Federal Relator do HC n.º 2007.02.01.006388-4, em trâmite perante o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, a qual indeferiu pedido de liminar formulado naquele writ, em que se busca a cassação da decisão do Juízo Federal da 6.ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, proferida nos autos da ação penal n.º 2007.51.01.802985-5, que determinou a transferência de alguns dos acusados, dentre eles o Paciente, para o Presídio Federal localizado na cidade de Campo Grande/MS.

O ora Paciente, Inspetor de Polícia Civil, foi objeto de investigação da Polícia Federal na apelidada "Operação Furacão", juntamente com outros, e está sendo acusado integrar organização criminosa voltada à exploração ilegal das atividades de bingos e máquinas caça-níqueis no Estado do Rio de Janeiro, valendo-se de vários crimes autônomos contra a administração pública, como corrupção de agentes públicos, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, dentre outros, para manter a atividade.

Segundo o Juízo processante, o Paciente seria uma espécie de "faz-tudo" da organização, sendo que "é mencionado em inúmeros episódios envolvendo o grupo, que vão desde a cooptação de novos policiais para ingressar na quadrilha até a atividade de interceptações telefônicas clandestinas, sem mencionar a imputação principal de operacionalização do esquema de propinas do bando" (fl. 51).

Argúi o Impetrante constrangimento ilegal decorrente da decisão de primeiro grau, convalidada pelo indeferimento da liminar no writ originário. Alega que o Paciente é primário, não possui antecedente criminal e tem domicílio no distrito da culpa, sendo a medida desproporcional.

Sustenta, em suma, que: (i) o Presídio Federal de Campo Grande/MS é para presos de reconhecida alta periculosidade, o que não é o caso do Paciente; (ii) não há o parecer do DEPEN, nos termos do art. 3.º da Resolução 557, de 8 de maio de 2007, do Conselho da Justiça Federal; (iii) o parecer ministerial oficiante na Vara de Execução Penal é contrário à transferência do Paciente; (iv) não possui o Paciente o aludido "poderio econômico" de outros co-réus; (v) e, por fim, a situação do Paciente "é idêntica à do co-réu a quem fora concedida a ordem, quando da apreciação do pedido de liminar no Habeas Corpus n.º 82.942/RJ, devendo por corolário ser aplicado o disposto no art. 580 do CPP" (fl. 05).


Pede, assim, que seja concedida a ordem, inclusive em sede liminar, para "impedir a transferência da custódia do paciente para outro estado da federação, principalmente Mato Grosso do Sul, destino esse determinado pela MM. Juíza monocrática da 6.ª Vara Federal Criminal – Seção Judiciária Estado do Rio de Janeiro, determinando a segregação do Paciente no Estado do Rio de Janeiro, em local apropriado à segregação de policiais civis, portadores de diploma de nível superior, sem condenação (preso provisório)" (fl. 07).

É o relatório inicial.

Decido.

De fato, a situação processual do ora Paciente se assemelha a dos co-réus por ora beneficiados com a concessão da medida liminar deferida para impedir a referida remoção, razão pela qual reproduzo seus fundamentos, in verbis :

"De início, cumpre ressaltar que, na esteira da jurisprudência predominante dos Tribunais Superiores, não se admite habeas corpus contra decisão proferida em sede liminar pelo relator do writ na instância de origem, sob pena de indevida supressão de instância, salvo situações absolutamente excepcionais, onde restar claramente evidenciada a ilegalidade do ato coator, o que autoriza o afastamento do verbete sumular n.º 691 do STF.

Na caso em apreço, ao que se me afigura, está evidenciada a referida excepcionalidade, ensejando o deferimento do pedido em caráter de urgência. Sobre a transferência dos acusados preventivamente custodiados do Rio de Janeiro para o Presídio Federal de Campo Grande/MS, a zelosa Magistrada de primeiro grau indicou as seguintes razões, in verbis:

"[…] a custódia cautelar dos acusados na Operação Furacão demanda cuidados diferenciados, haja vista os indícios de enorme poderio econômico-financeiro da quadrilha e as notórias dificuldades que enfrenta o sistema penitenciário no estado do Rio de Janeiro. Dentre estas, são dignos de relevo os inúmeros casos de fuga (cite-se como exemplo o policial civil do Departamento de Narcóticos de São Paulo, FRANCISCO MARCONDES ROMEIRO NETO, que fugiu da POLINTER em 2002, poucos dias após tomar ciência de sua condenação, por este Juízo, a nove anos e seis meses de reclusão por tráfico internacional de cocaína no Proc. 2002.5101526596-7) e corrupção de agentes encarregados da custódia, o que acentua a preocupação com a permanência destes réus no Estado.

Como se não bastasse, saliento ainda que os autos tratam de uma quadrilha em tese fortemente infiltrada no aparelho estatal e em especial na estrutura policial , quadrilha esta que, segundo o relatório policial federal, realizava pagamentos de milhares de reais mensais a dezenas de agentes encarregados da segurança pública, quais sejam Delegados Federais e policiais civis lotados no Rio de Janeiro, o que, em meu sentir, deixa clara a total inadequação da permanência dos réus neste Estado."

Ao prestar as informações solicitadas pela Corte Regional, enfatizou a MM. Juíza Federal, in verbis: "[…] há nos autos notícia de alto grau de infiltração da quadrilha no aparelho policial, com distribuição de propinas a várias dezenas de autoridades na esfera estadual. O resultado das interceptações telefônicas de inúmeros policiais e o acompanhamento da movimentação na residência na Tijuca chamada de ‘preta’ – suposto quartel-general do pagamento de propina a agentes públicos, onde foram apreendidos cerca de cinco milhões de reais – aponta para uma possível contaminação, pelo esquema, de incontáveis policiais civis e militares, além de federais.

Seria, pois, salvo melhor juízo de V. Exa., absolutamente temerário permitir que estes réus, com tal poderio econômico-financeiro e aproximação do aparelho policial, permanecessem custodiados justamente neste Estado da Federação, em estabelecimentos como a POLINTER, cuja segurança é sabidamente frágil, para dizer o mínimo, como apontei na decisão transcrita."


Compulsando as razões lançadas na decisão da MM. Juíza Federal processante para a transferência dos acusados – as quais foram, em caráter provisório, ratificadas pelo eminente Desembargador Federal Relator do writ originário ao denegar o pedido de liminar –, convenci-me da existência de excesso de zelo, data vênia, com inegável desproporcionalidade na exasperação das condições do cumprimento da segregação provisória.

Com efeito, é importante ressaltar que a prisão determinada é de caráter eminentemente cautelar, e não de pena. E a medida extrema tem como pressuposto a necessidade de se resguardar o meio social e o regular processamento da ação penal, em detrimento da liberdade de acusados ainda não definitivamente julgados. Com essa perspectiva, a prisão preventiva deve ser cumprida em condições consentâneas com a situação processual dos réus.

No caso em tela, os motivos erigidos pelo Juízo para a referida troca de lugar da custódia para mais de mil quilômetros de distância do distrito da culpa, como se vê, dizem respeito, primeiro, à situação econômica privilegiada dos acusados em contraponto com a corrupção de autoridades públicas; e, segundo, à inadequação da carceragem em que hoje se encontram em face da apontada fragilidade de segurança.

Sem embargo da evidente gravidade das acusações que pesam sobre o Paciente e co-réus, cuja ação delituosa deve mesmo ser firmemente estancada ainda em sede cautelar, não me parece razoável nem legítimo submetê-los ao regime carcerário de uma penitenciária de segurança máxima, em lugar bastante distante daquele em que têm residência, que é o mesmo onde respondem à ação penal, sem uma concreta fundamentação da decisão.

Cumpre anotar que, nos termos do art. 2.º da Resolução n.º 557, de 08 de maio de 2007, do Conselho da Justiça Federal (que veio a substituir a de n.º 502, de 05 de maio de 2006) – que regulamenta os procedimentos de inclusão e de transferência de pessoas presas para unidades do Sistema Penitenciário Federal – o referido estabelecimento prisional é para abrigar presos de reconhecida alta periculosidade. Além disso, a transferência de custodiados deve ser precedida de certos procedimentos, ao que consta, não observados pela MM. Juíza Federal da causa, como, por exemplo, a oitiva do Ministério Público e da defesa, bem como do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), a teor do § 2.º do art. 3.º da mesma Resolução.

Com efeito, embora tenham os acusados, em tese, se infiltrado na instituição policial e corrompido agentes e delegados do Rio de Janeiro, essa ingerência, ao que consta, não pode ser estendida para toda a corporação. De fato, não foi apontado nenhum policial atualmente responsável pela custódia dos Pacientes que estivesse envolvido no esquema de corrupção ou sob suspeita. Aliás, esses pretensos envolvidos, a depender dos indícios e das provas arrecadadas, sequer deveriam estar sendo utilizados em atividades sensíveis, como a de guarda de presos.

Outrossim, a noticiada fuga de preso condenado da POLINTER, ocorrida há cinco anos atrás – que, é claro, merece apropriada investigação e, se for o caso, punição daqueles que porventura tenham facilitado o escape –, não se constitui em motivo bastante para rejeitar a entrega de todo e qualquer preso àquela unidade prisional, na medida em que, se prevalecesse essa premissa impeditiva, restariam pouquíssimos estabelecimentos prisionais aptos a continuar funcionando no país.

Nesse contexto, não se mostra razoável a concepção prévia de que a custódia feita pela polícia civil fluminense seja “temerária”. Vale ressaltar que a notória falta de condições ideais dos estabelecimentos estaduais de custódia – precariedade, como se sabe, que não é exclusividade do Rio de Janeiro, mas de praticamente todos os Estados – não é motivo suficiente, por si só, para transferir presos para os recém construídos presídios federais, que ainda não existem em quantidade suficiente para atender as necessidades da Justiça Federal em cada unidade da federação.

Também não serve como fundamento idôneo para a imposição de tamanha restrição aos provisoriamente custodiados o fato de deterem poderio econômico. Pelo que se sabe, a perniciosa ação delinqüente dos acusados foi desmontada com a operação policial, com enorme numerário e bens apreendidos. E ainda que disponham de dinheiro suficiente para pensarem em usá-lo na corrupção, não é o fato de estarem presos aqui ou ali que pode impedi-los, mas a lisura dos integrantes do poder constituído e a vigilância de suas instituições."

Por essas mesmas razões, DEFIRO o pedido de liminar, para determinar que seja o ora Paciente mantido em estabelecimento de custódia no Rio de Janeiro, até o julgamento deste habeas corpus , observadas suas condições pessoais.

Oficie-se, com urgência, ao Tribunal a quo e ao Juízo de primeiro grau.

Após, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal para o parecer.

Publique-se.

Brasília – DF, 31 de maio de 2007.

MINISTRA LAURITA VAZ

Relatora

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