Clamor social

Clamor social faz Justiça afastar vereadores e bloquear bens

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5 de junho de 2007, 18h19

Para garantir o ressarcimento aos cofres públicos e evitar a interferência na instrução do processo, cinco vereadores e dez servidores da Câmara Municipal de Sapucaia do Sul (RS) foram afastados e tiveram os bens bloqueados por determinação judicial. Eles são acusados de improbidade administrativa.

De acordo com o juiz Fábio Vieira Heerdt, os elementos coletados permitem concluir “que os requeridos tenham se havido em completo desprezo ao princípio da moralidade administrativa”. Documentos e depoimentos demonstram que o horário na repartição da Câmara não era cumprido. O juiz destacou, ainda, que além da aquisição e confecção fraudulenta de livros-ponto, chegou-se até a registrar ocorrência de extravio de documentos.

O juiz esclareceu que o bloqueio de bens destina-se a garantir o ressarcimento, no caso de a ação ser julgada procedente, visto que a extensão do dano é elevada. E justificou a necessidade de afastamento para evitar influências na coleta da prova processual. Também fundamentou a medida diante do clamor social, com registros de apedrejamento das dependências da Câmara, além de ameaças aos vereadores e servidores. “A ordem pública – é público e notório – está subvertida desde a data da revelação, na mídia jornalística, do escândalo”, afirmou.

Segundo o Ministério Público, que move a Ação Civil Pública, os réus agiram de forma a permitir que servidores recebessem seus vencimentos sem a devida contraprestação, ou seja, sem exercer o cargo efetivamente.

Leia íntegra da decisão

Processo 1.07.0002.941-4

Recebi dia 1º/6/2007, às 18h, primeiro dia de substituição nesta Vara.

Vistos,

Trata-se de pedidos de liminares formulados pelo Ministério Público, no bojo de ação civil pública decorrente de atos de improbidade administrativa supostamente praticados por edis e servidores da Câmara de Vereadores do Município de Sapucaia do Sul. Em suma, quer o Parquet que sejam seqüestrados bens de propriedade do Requerido, a fim de garantir-se eventual ressarcimento ao erário, a final. Pretende, outrossim, que sejam os Requeridos afastados de seus cargos, em nome do princípio da moralidade e de forma a que não interfiram na instrução do feito.

Dispõe a Lei nº 8.429/92 que constitui ato de improbidade administrativa, importando enriquecimento ilícito, auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade (art. 9º, caput).

Reza a Lei de Improbidade, outrossim, que é ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres, bem como permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente (art. 10, caput e inciso XII).

Alfim, disciplina a Lei nº 8.429/92 que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente.

Os elementos até aqui coletados permitem concluir pela verossimilhança das alegações da inicial, no sentido de que os Requeridos tenham se havido em completo desprezo ao princípio da moralidade administrativa.

De fato, os autos são copiosos em documentos e depoimentos. Esses elementos descrevem que os Réus, na condição de edis e servidores do Poder Legislativo Sapucaiense, agiram, omitiram-se e influíram para que os últimos recebessem seus vencimentos sem prestar devida contraprestação, porquanto não exerciam seu cargo efetivamente; ao revés, não cumpriam horário na repartição da Câmara Legislativa e, além disso, à custa do erário, tratavam de cuidar dos negócios particulares dos edis, em pleno horário de expediente.

Tais ações e omissões por certo que possuem potencial lesivo à probidade administrativa e devem estar sujeitos a controle judicial.

“Embora não se identifique com a legalidade (porque a lei pode ser imoral e a moral pode ultrapassar o âmbito da lei), a imoralidade administrativa produz efeitos jurídicos, porque acarreta a invalidade do ato, que pode ser decretada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário.” (DI PIETRO; Maria Sylvia Zanella: Direito Administrativo, Ed. Atlas, 17ª Edição, p. 79/80)

Vejam-se excertos de alguns depoimentos coletados pela Autoridade Policial e pelo Ministério Público.

A Ré Rosa Maria Lopes Araújo concede que “(…) suas atribuições são exercidas muito mais fora da Câmara, principalmente na sua residência.” (fl. 57).

Diego de Oliveira de Moraes, também Réu, admite que “No turno da manhã trabalha na Loja Luiz Automóveis, situada no endereço supra (…) Na parte da tarde, algumas vezes ficava na Loja, onde também existe um Gabinete (…)” (fl. 61).


Claudia da Silveira Lopes relata que “Para os funcionários dos Gabinetes não há controle de horário de entrada e saída do expediente (…) Na efetividade do servidor só é informada eventual falta, não sendo atestadas as presenças, não havendo controle de horário (…) DIEGO DE OLIVEIRA DE MORAES, filho e Assessor do Vereador LUIZINHO DO SETE faz expediente, na maioria das vezes, na Loja da venda de veículos do Vereador (…) LEONEL BATISTA TAVARES, irmão e Assessor Parlamentar do Vereador BOZO, foi visto pela declarante algumas vezes na Câmara de Vereadores (…) Soube que LEONEL era caseiro de uma residência do Vereador na Praia pelos veículos de comunicação (…) IRENE VIEIRA DOS SANTOS, esposa e Chefe de Gabinete do Vereador NILTON SANTOS, foi vista poucas vezes na Câmara de Vereadores (…) GILNEI FARIAS DE LIMA, Assessor do Vereador IVAN SANTANA, trabalha em uma Farmácia e foi visto pela declarante algumas vezes na Câmara de Vereadores, assim como a senhora IRENE. Há semanas em que ele não comparece à Câmara e em outras, comparece mais de uma vez (…) RENATA LEMES DA SILVA, esposa do Vereador LUIZINHO DO SETE (…) comparecia à Câmara com mais freqüência do que os outros citados anteriormente, mas não todos os dias (…) ISAURA LEMES DA SILVA, sogra e Assessora do Vereador LUIZINHO DO SETE, comparecia à Câmara mais freqüentemente, mas não todos os dias (…) ADEMIR JOSÉ FELIPE GONÇALVES, Assessor de Gabinete do Vereador LUIZINHO DO SETE, havia semanas em que não freqüentava o prédio da Câmara, sendo de conhecimento da declarante que ADEMIR trabalhava na Loja do Vereador (…) ROSA MARIA LOPES DE ARAÚJO, esposa e Chefe de Gabinete do Vereador NERI ARAÚJO, comparecia esporadicamente na Câmara de Vereadores, havendo semanas em que ela não comparecia à Câmara (…) DAYANE LOPES ARAÚJO, filha e Assessora de Gabinete do Vereador NERI ARAÚJO, passava por vezes a semana sem comparecer na Câmara de Vereadores (…) ADINARA LUÍZA DE ARAÚJO DOS SANTOS, sobrinha e Assessora de Gabinete do Vereador NERI ARAÚJO, tal como as demais pessoas investigadas, passa, por vezes, a semana sem comparecer na Câmara de Vereadores (…)” (fls. 63/4).

ISAURA LEMES DA SILVA, sogra do Vereador Luiz Alfredo de Moraes – o Luizinho do Sete – , concede que não tinha horário de trabalho fixo. “O trabalho desenvolvido se dava quase sempre fora do horário do recinto da Câmara, por isso desconhece o tipo de controle da efetividade dos funcionários (…)” (fl. 65).

ADEMIR JOSÉ FELIPE GONÇALVES diz que trabalhava na Loja de Luizinho do Sete, de quem era Assessor (fl. 69).

GILNEI FARIAS DE LIMA, assessor, afirma que cada gabinete possui um livre-ponto e que seu chefe não via problemas em assinar o livro em data posterior (fl. 71).

IRENE VIEIRA DOS SANTOS, esposa do vereador Nilton, disse que “não tem carga horária, mas sabe que o certo é das 12:15 às 18:15 diariamente (…)” (fl. 73).

LEONEL BATISTA TAVARES, irmão e assessor do Vereador Claudionor Batista Tavares – o Bozo – , diz que foi entrevistado em dia de expediente por estar cuidando de imóvel de seu irmão, no litoral norte, por estar afastado em razão de problemas de saúde. Afirma que “Nunca houve livro ponto na Câmara. Na última segunda feira assinou um livro ponto retroativo.” (fl. 74).

RENATA LEMES DA SILVA, companheira do Vereador Luizinho do Sete, diz que “somente a partir de maio do corrente ano passou a existir controle de freqüência dos servidores nos respectivos gabinetes, através do livro ponto (…) Antes de maio, nenhum dos gabinetes mantinha controle formal da efetividade.” (fl. 76).

Como se viu, os assessores e edis compactuam para que os primeiros cuidassem dos interesses particulares dos segundos, em pleno horário de expediente. Os vereadores não exerciam controle da efetividade de seus subordinados.

Essa forma de agir e de omitir-se fulminou o princípio da probidade administrativa.

Consentâneo dessa compreensão, o afastamento dos Srs. edis é de rigor. Veja-se que os livros-pontos – até então inexistentes na Casa do Povo – foram adquiridos, curiosamente, um dia depois de estourar o “escândalo dos servidores fantasmas” (fl. 113).

Ademais, tais livros-pontos foram preenchidos com data retroativa, em canhestra tentativa de maquiar a verdade dos fatos.

Portanto, necessário o afastamento liminar dos agentes públicos de seus cargos:

“A expressão instrução processual há de ser interpretada com o máximo rigor.

“Em primeiro lugar, se existem indícios de que o Administrador Público, ficando em seu cargo, poderá perturbar, de algum modo, a coleta de provas do processo, o afastamento liminar se impõe imediatamente, inexistindo poder discricionário da autoridade judiciária.” (OSÓRIO; Fábio Medina: Improbidade Administrativa, Ed. Síntese, 2ª Edição, p. 242).


No caso, além da aquisição e confecção fraudulenta de livros pontos, chegou-se, até, a registrar ocorrência de extravio de documentos…!!

O temor de que a instrução criminal não venha a se dar modo liso e sem intercorrências, por ação dos Requeridos, chega às barras da probabilidade, vencendo o campo da mera possibilidade, em razão das ações dos Réus.

Sobre isso, algum comentário se impõe: se, em essência, os incoados afirmam nada ver de injusto e irregular na ausência de horário de expediente, a que se deve o tacanho proceder na aquisição de livro fraudulento? Ora, se quase todos dizem que não cumpriam horário, que atuavam mais “externamente”, como compactuar isso com a existência de um livro-ponto??!!

Não se pode dizer que a prova já foi coletada, em razão da oitiva de pessoas e apreensão de documentos. Ora, por certo que a autoridade do cargo sempre é capaz de sugerir alguma influência na colheita da prova processual, notadamente no que diz com a ouvida de subalternos.

Por fim, o afastamento justifica-se, também, em razão do clamor social que tem levado populares a apedrejarem as dependências da Câmara e ameaçarem edis e servidores. A ordem pública – é público e notório – está subvertida desde a data da revelação, na mídia jornalística, do escândalo.

Sobre isso, vejam-se os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL EM SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. DECISÃO EM MEDIDA CAUTELAR QUE DETERMINOU O RETORNO DE VEREADOR CASSADO À CÂMARA MUNICIPAL. LESÃO À ORDEM E SEGURANÇA PÚBLICAS CONFIGURADAS. – Na excepcional via da Suspensão não cabe análise do mérito da controvérsia. – Decisão em medida cautelar que conferiu efeito suspensivo a apelação em mandado de segurança, determinando o retorno do vereador à Câmara Municipal. Protestos e manifestações da população. – Demonstração da potencialidade lesiva, no caso, à ordem e segurança públicas. Agravo improvido. (Processo AgRg na SS 1625 / PA ; AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO E SEGURANÇA 2006/0111513-0 Relator(a) Ministro BARROS MONTEIRO (1089) Órgão Julgador CE – CORTE ESPECIAL Data do Julgamento 23/11/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 05.02.2007 p. 171)

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – LEI N. 8.429/92 – ATO DE IMPROBIDADE – AFASTAMENTO DE VEREADOR E SERVIDORES PÚBLICOS EM SEDE DE CAUTELAR. Ausência de fumus boni iuris. Cautelar que não tem pertinência indeferida liminarmente. Agravo regimental improvido. “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPROBILIDADE ADMINISTRATIVA. AFASTAMENTO DE VEREADOR. Afastamento de dois Vereadores do Município de Nonoai pela prática de atos de improbidade administrativa. Constitui medida excepcional o afastamento de servidores públicos acusados da prática de atos de improbidade administrativa, especialmente em se tratando de agentes políticos, em face da excepcionalidade do seu cargo. Manutenção da decisão em relação ao Presidente da Câmara de Vereadores, em face da demonstração da turbação na colheita dos elementos informativos, em sede de inquérito civil, consistente na sonegação de informações acerca das viagens realizadas à Capital do Estado. Ausência de prova da necessidade da medida em relação ao outro Vereador acusado. Interpretação do artigo 20 da Lei nº 8.426/92 na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. DECISÃO MODIFICADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVDO.” (Agravo de Instrumento Nº 70014475222, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em 29/06/2006)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AFASTAMENTO CAUTELAR DE AGENTE PÚBLICO DO CARGO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IRREGULARIDADE NA CONTRAÇÃO DE FUNCIONÁRIO. VEREADOR. PRESSUPOSTOS DESATENDIDOS. O afastamento cautelar de agente público do cargo que ocupa somente se legitima como medida excepcional, tendo em vista a temporariedade do mandato eletivo e a demora na formação da culpa que pode significar perda definitiva, sem trânsito em julgado. A situação de excepcionalidade não se configura sem a demonstração de um comportamento do agente político que importe efetiva ameaça à instrução do processo. No caso, nada se imputa ao réu com relação ao prejuízo da instrução, pretendendo se justificar a medida cautelar na gravidade do ato imputado. Ausente, por isso, o requisito indispensável para a concessão do afastamento do cargo pretendido pelo autor. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70017886334, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 14/03/2007)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AFASTAMENTO DE AGENTE POLÍTICO. DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. MUNICÍPIO DE NOVO XINGU. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE AFASTAMENTO DA PRESIDÊNCIA DA CÂMARA DE VEREADORES. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE ELEMENTOS OBJETIVOS APONTANDO A POSSIBILIDADE DE VIR A INTERFERIR NO ANDAMENTO DO PROCESSO EM CURSO. DESNECESSIDADE DE AFASTAMENTO DO CARGO. ¿O ART. 20, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/92 NÃO PREVÊ O AFASTAMENTO TEMPORÁRIO DO TITULAR DE MANDATO ELETIVO, QUE, NADA OBSTANTE, LEGITIMA-SE PASSIVAMENTE EM TAL DEMANDA, CONFORME SE OBSERVA NO ART. 2.° DO MESMO DIPLOMA, MAS TÃO SÓ O TITULAR DE CARGO, EMPREGO E FUNÇÃO, OMITINDO REFERÊNCIA A ¿MANDATO ELETIVO¿. É DESNECESSÁRIO O AFASTAMENTO DO SERVIDOR, DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL, QUANDO INEXISTEM ELEMENTOS OBJETIVOS APONTANDO A POSSIBILIDADE DE INTERFERIR NO ANDAMENTO DO PROCESSO.¿ (AI 70008814840, TJRS, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Araken de Assis) AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO, AOS EFEITOS DE REFORMAR, NESSE PONTO, A DECISÃO LIMINAR ATACADA. (Agravo de Instrumento Nº 70009297128, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 10/11/2004)

No tocante ao bloqueio de bens, é medida cautelar que também se impõe.

Mais não fosse, porque os RR já demonstraram firme intenção de evitarem a ação judicial, como se viu acima.

Trata-se de provimento por excelência cautelar, em razão do caráter de garantir provimento final ressarcitório. A extensão do dano ao erário é de monta, como se avalia dos elementos até aqui coligidos; a possibilidade de ressarcimento, ainda obscura. Portanto, necessário se impõe o bloqueio dos bens, a fim de assegurar futuro e eventual ressarcimento ao fisco.

EM FACE DO EXPOSTO, defiro (a) o bloqueio dos bens arrolados na petição inicial, nos termos do art. 16 da Lei nº 8.429/92; (b) o afastamento liminar dos Requeridos de seus cargos, a teor do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92; (c) a notificação dos RR, nos termos do art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92; (d) a intimação do Município de Sapucaia do Sul, em face do art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429/92.

Oficiem-se e procedam-se às demais dils. legais.

Intimem-se.

FÁBIO VIEIRA HEERDT,

Juiz de Direito, em regime de substituição.

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