Argumentos infundados

Defensores do foro privilegiado omitiram dados no Fantástico

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5 de junho de 2007, 12h14

Como se sabe, a Ajufe (Associação de Juízes Federais) promoveu em todo o Brasil campanha em favor da extinção do foro privilegiado, ou seja, ao direito que determinadas (e não poucas) autoridades possuem de serem julgadas por tribunais. Não cabe aqui expor todos os argumentos contra ou a favor desse direito. Há em certas discussões fatos que se sobrepujam às teses, por mais bem elaboradas que sejam.

No caso, o fato que não se pode negar é que em toda a sua história o Supremo Tribunal Federal jamais condenou alguém em processos de sua competência originária. O programa Fantástico, da TV Globo, exibido em 3 de junho de 2007, veiculou isso oportunidade em que se manifestaram dois destacados juristas trazendo novos argumentos justificadores. Porque são novos? (pelo menos eu nunca os tinha ouvido), motivei-me a construir pequena réplica aos mesmos.

O primeiro jurista asseverou que o fato de jamais haver o Supremo Tribunal Federal condenado penalmente alguém poderia ser atribuído à circunstância de que, até a Emenda 35/2001, à Constituição de 1988, era necessária autorização da casa legislativa a que pertencesse o parlamentar para que o processo fosse instaurado. Houve, porém, a omissão de alguns dados. Inicialmente, vale registrar que não se fazia necessária essa autorização no período compreendido entre 1969 a 1978 e de 1982 a 1988 (respectivamente, EC 1/69 a EC 11/78 e EC 22/82 a CF/88), o que dá aproximadamente quinze anos sem qualquer óbice para a abertura de processos criminais contra parlamentes e nos quais, ainda assim, não houve uma sequer condenação. Ademais, convém também apontar que:

1) para determinadas autoridades, como ministros de Estado, nunca se fez presente necessidade de autorização;

2) a partir da Emenda 35 os processos que estavam aguardando licença foram liberados a seguir o trâmite normal. Last but not least, desde 2001 até o presente já se passou tempo suficiente para o transcurso de todas as etapas de um procedimento penal comum (não se cogita de interposição de recursos, pois já tramitando o processo na instância suprema). Para se ter uma idéia, muitas vezes exige-se de juízes que julguem um processo em “oitenta e um dias”. Quando muito, tem-se como razoável o processo que dure um ano ou dois (convém reafirmar que estou falando do trâmite sem qualquer fase recursal). Portanto, seis anos é prazo mais do que suficiente para o trâmite do procedimento penal, na visão das próprias cortes. E se não o é, porque assoberbado o Supremo Tribunal Federal de processos de outra natureza, isso só vem a confirmar a inadequação do chamado foro privilegiado ao interesse público.

O outro jurista, por sua vez, apontou o que foi por ele qualificado de “confusão” por parte de “formadores de opinião”, aduzindo que o processo penal não se volta à condenação mas, sim, ao julgamento, que pode, portanto, ser condenatório ou absolutório. Claro que sim. Essa característica jamais foi negada por ninguém. Todos a conhecem. Como também sabem que se uma moeda for jogada para cima cem vezes e em todas às vezes der cara (ou coroa) alguma coisa estará errada. Ninguém tem tanta sorte (ou tanto azar) assim.

O mesmo se passa no processo penal. Se ocorrerem cem condenações em cem processos (ou cem absolvições em cem processos) haverá, muito provavelmente, algum motivo que foge à normalidade. Principalmente — e isso é importante esclarecer ao leigo —, porque está prevista em lei um sistema de filtragem de acusações temerárias, impondo-se ao magistrado rejeitar liminarmente a denúncia quando não estiver presente uma justa causa, ou seja, quando não existirem indícios acerca dos fatos por ela narrados.

Quem já assistiu à “TV Justiça” certamente pôde perceber como o Supremo Tribunal Federal é zeloso em exigir prova robusta antes de dar início aos processos de sua competência originária, com debates às vezes acalorados. Ou seja, as denúncias que chegam a julgamento não são absurdas. Fazendo um paralelo com o exemplo dado: como a moeda não tem qualquer vício, conforme minucioso exame prévio, não é de se esperar que quando arremessada ao alto dê sempre cara. Com certeza, a culpa de o Supremo Tribunal Federal jamais haver condenado alguém não está em uma “confusão” por parte dos “formadores de opinião”, mas sim em algum outra causa. Creio eu, modestamente, que está claro que essa causa é o próprio foro privilegiado.

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