Fraude em licitação

Prefeito de cidade mineira fica afastado do cargo

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4 de junho de 2007, 12h57

João Ferreira Lima, prefeito de Januária, no norte de Minas Gerais, vai continuar afastado do cargo. A decisão é da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. O prefeito é acusado de fraudar licitações para aquisição de ambulâncias e equipamentos hospitalares.

Lima recorreu ao STJ contra decisão da segunda instância que determinou a quebra de seus sigilos fiscal e bancário, o bloqueio de bens no valor de R$ 318 mil e seu afastamento do cargo de prefeito, com base na Lei de Improbidade e em julgados pelo Superior Tribunal de Justiça. A Ação Civil Pública é movida pelo Ministério Público mineiro

O ministro Luiz Fux, relator, considerou a Reclamação incabível. “Evidencia-se que a pretensão deduzida na reclamação é a de atribuir efeitos erga omnes a acórdão proferido por esta Corte Superior, para fins de fundamentar a usurpação de competência do STJ”, conclui.

Rcl 2.516

Leia o voto do relator

RECLAMAÇÃO Nº 2.516 – MG (2007/0121359-9)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX

RECLAMANTE : JOÃO FERREIRA LIMA

ADVOGADO : JOSÉ NILO DE CASTRO E OUTRO(S)

RECLAMADO : DESEMBARGADOR RELATOR DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NR 10352070340752 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

DECISÃO

PROCESSUAL CIVIL – RECLAMAÇÃO AJUIZADA CONTRA DECISÃO QUE DECRETOU A INDISPONIBILIDADE DE BENS DO RECLAMANTE COM BASE NA LEI DE IMPROBIDADE – DESRESPEITO A DECISÃO DO E. STJ NÃO CONFIGURADA. NÃO CABIMENTO. PRETENSÃO DE ATRIBUIR EFEITOS ERGA OMNES A ACÓRDÃO DESTA CORTE.

1. A reclamação ajuizada perante o STJ tem por finalidade a preservação da competência do Tribunal ou garantia da autoridade de suas decisões (art. 105, I, “f”, da Constituição Federal e art. 187 e seguintes do RISTJ).

2. Hipótese em que o reclamante, prefeito municipal, insurge-se contra decisão que, negou efeito suspensivo a agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em sede de ação cautelar que, com base na Lei de Improbidade, determinou a quebra de seus sigilos fiscal e bancário, o bloqueio de bens no valor de R$ 318.300,00 e o afastamento do reclamante, Prefeito do Município de Januária, durante a instrução processual da ação civil pública que lhe foi movida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em razão de supostas fraudes em licitações para aquisição de ambulâncias e equipamentos hospitalares, sob o fundamento de que referido decisório desrespeita a autoridade da decisão proferida pelo E. STJ, no julgamento do RESP n.º 456.649/MG, deste relator para acórdão.

3. Revela-se incabível a reclamação contra decisão de relator de Agravo de Instrumento do Tribunal a quo, ao indeferir efeito suspensivo a referido recurso, mantém decisão que aplicou as penas previstas na Lei de improbidade, independente de referido decisum ter sido proferido em dissonância com o posicionamento externado pelo E. STJ, no julgamento de recurso especial no qual o ora reclamante não era parte litigante.

4. Evidencia-se que a pretensão deduzida na reclamação é a de atribuir efeitos erga omnes a acórdão proferido por esta Corte Superior, para fins de fundamentar a usurpação de competência do E. STJ.

5. Reclamação indeferida liminarmente (RISTJ, art. 34, XVIII). Trata-se de reclamação ajuizada, com fulcro no art. 105, inciso I, alínea "f", da Constituição Federal, por JOÃO FERREIRA LIMA, com pedido de liminar, sob o fundamento de que o Desembargador Relator do Agravo de Instrumento n.º 10352070340752 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ao negar efeito suspensivo a referido recurso que foi interposto contra decisão proferida em sede de ação cautelar que, com base na Lei de Improbidade, determinou a quebra de seus sigilos fiscal e bancário, o bloqueio de bens no valor de R$ 318.300,00 e o afastamento do reclamante, Prefeito do Município de Jannuária, durante a instrução processual da ação civil pública que lhe foi movida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em razão de supostas fraudes em licitações para aquisição de ambulâncias e equipamentos hospitalares, sob o fundamento de que referido decisório desrespeita a autoridade da decisão proferida pelo E. STJ, no julgamento do RESP n.º 456.649/MG, deste relator para acórdão, e que possui a seguinte ementa:


ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EX-PREFEITO. CONDUTA OMISSIVA. CARACTERIZAÇÃO DE INFRAÇÃO POLÍTICO ADMINISTRATIVA. DECRETO-LEI N.º 201/67. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N.º 8.429/92. COEXISTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. VOTO DIVERGENTE DO RELATOR.

1. Hipótese em que a controvérsia a ser dirimida nos presentes autos cinge-se em definir se a conduta do ex-prefeito, consistente na negativa do fornecimento de informações solicitadas pela Câmara Municipal, pode ser enquadrada, simultaneamente, no Decreto-lei n.º 201/67 que disciplina as sanções por infrações político-administrativas, e na Lei n.º 8.429/92, que define os atos de improbidade administrativa.

2. Os ilícitos previstos na Lei n.º 8.429/92 encerram delitos de responsabilidade quando perpetrados por agentes políticos diferenciando-se daqueles praticados por servidores em geral.

3. Determinadas autoridades públicas não são assemelhados aos servidores em geral, por força do cargo por elas exercido, e, conseqüentemente, não se inserem na redução conceitual do art. 2 da Lei n.º 8.429/92 ("Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior"), posto encartados na lei que prevê os crimes de responsabilidade.

4. O agente político exerce parcela de soberania do Estado e pour cause atuam com a independência inextensível aos servidores em geral, que estão sujeitos às limitações hierárquicas e ao regime comum de responsabilidade.

5. A responsabilidade do agente político obedece a padrões diversos e é perquirida por outros meios. A imputação de improbidade a esses agentes implica em categorizar a conduta como "crime de responsabilidade", de natureza especial.

6. A Lei de Improbidade Administrativa admite no seu organismo atos de improbidade subsumíveis a regime jurídico diverso, como se colhe do art. 14, § 3º da lei 8.429/92 ("§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares."), por isso que se infere excluída da abrangência da lei os crimes de responsabilidade imputáveis aos agentes políticos.

7. O Decreto-lei n.º 201/67, disciplina os crimes de responsabilidade dos a dos agentes políticos (prefeitos e vereadores), punindo-a com rigor maior do que o da lei de improbidade. Na concepção axiológica, os crimes de responsabilidade abarcam os crimes e as infrações político-administrativas com sanções penais, deixando, apenas, ao desabrigo de sua regulação, os ilícitos civis, cuja transgressão implicam sanção pecuniária.

8. Conclusivamente, os fatos tipificadores dos atos de improbidade administrativa não podem ser imputados aos agentes políticos, salvo através da propositura da correspectiva ação por crime de responsabilidade.

9. O realce político-institucional do thema iudicandum sobressai das conseqüências das sanções inerentes aos atos ditos ímprobos, tais como a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos.

10. As sanções da ação por improbidade podem ser mais graves que as sanções criminais tout court , mercê do gravame para o equilíbrio jurídico-institucional, o que lhe empresta notável colorido de infração penal que distingue os atos ilícitos civis dos atos ilícitos criminais.

11. Resta inegável que, no atinente aos agentes políticos, os delitos de improbidade encerram crimes de responsabilidade e, em assim sendo, revela importância prática a indicação da autoridade potencialmente apenável e da autoridade aplicadora da pena.

12. A ausência de uma correta exegese das regras de apuração da improbidade pode conduzir a situações ilógicas, como aquela retratada na Reclamação 2138, de relatoria do Ministro Nelson Jobim, que por seu turno, calcou-se na Reclamação 591, assim sintetizada: "A ação de improbidade tende a impor sanções gravíssimas:perda do cargo e inabilitação, para o exercício de unção pública, por prazo que pode chegar a dez anos. Ora, se um magistrado houver de responder pela prática da mais insignificante das contravenções, a que não seja cominada pena maior que multa, assegura-se-lhe foro próprio, por prerrogativa de função. Será julgado pelo Tribunal de Justiça, por este Tribunal Supremo. Entretanto a admitir a tese que que ora rejeito, um juiz de primeiro grau poderá destituir do cargo um Ministro do STF e impor-lhe pena de inabilitação para outra função por até dez anos. Vê-se que se está diante de solução que é incompatível como o sistema."


13. A eficácia jurídica da solução da demanda de improbidade faz sobrepor-se a essência sobre o rótulo, e contribui para emergir a questão de fundo sobre a questão da forma. Consoante assentou o Ministro Humberto Gomes de Barros na Rcl 591:

"A ação tem como origem atos de improbidade que geram responsabilidade de natureza civil, qual seja aquela de ressarcir o erário, relativo à indisponibilidade de bens. No entanto, a sanção traduzida na suspensão dos direitos políticos tem natureza, evidentemente, punitiva. É uma sanção, como aquela da perda de função pública, que transcende a seara do direito civil A circunstância de a lei denominá-la civil em nada impressiona. Em verdade, no nosso ordenamento jurídico jurídico, não existe qualquer separação estanque entre as leis civis e as leis penais."

14. A doutrina, à luz do sistema, conduz à inexorável conclusão de que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da lei de improbidade. O fundamento é a prerrogativa pro populo e não privilégio no dizer de Hely Lopes Meirelles, verbis:

"Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração, na área de sua atuação, pois não são hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais da jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparrável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para tanto, ficam a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder. (…) Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa da dos que simplesmente administram e executam encargos técnicos e profissionais, sem responsabilidade de decisão e opções políticas. Daí por que os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções. As prerrogativas que se concedem aos agentes políticos não são privilégios pessoais; são garantias necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas funções governamentais e decisórias. Sem essas prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam tolhidos na sua liberdade de opção e decisão ante o temor de responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico a que ficam sujeitos os funcionários profissionalizados (cit. p. 77)" (Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed., p. 76).

15. Aplicar-se a Lei de Improbidade, cegamente, pode conduzir à situações insustentáveis enunciadas pelo voto preliminar do Ministro Jobim, assim descritos:

a) o afastamento cautelar do Presidente da República (art. 20, par. único. da Lei 8.429/92) mediante iniciativa de membro do Ministério Público, a despeito das normas constitucionais que fazem o próprio processo penal a ser movido perante esta Corte depender da autorização por dois terços da Câmara dos Deputados (CF, art. 102, I, b, c;c o art. 86, caput); ou ainda o seu afastamento definitivo, se transitar em julgado a sentença de primeiro grau na ação de improbidade que venha a determinar a cassação de seus direitos políticos e a perda do cargo:

b) o afastamento cautelar ou definitivo do presidente do Congresso Nacional e do presidente da Câmara dos Deputados nas mesma condições do item anterior, a despeito de o texto constitucional assegurar-lhes ampla imunidade material, foro por prerrogativa de função em matéria criminal perante o STF (CF, art. 102, I, b) e regime próprio de responsabilidade parlamentar (CF, art. 55, II);

c) o afastamento cautelar ou definitivo do presidente do STF, de qualquer de seus membros ou de membros de qualquer Corte Superior, em razão de decisão de juiz de primeiro grau;

d) o afastamento cautelar ou definitivo de Ministro de Estado, dos Comandantes das Forças Armadas, de Governador de Estado, nas mesmas condições dos itens anteriores;


e) o afastamento cautelar ou definitivo do procurador-geral em razão de ação de improbidade movida por membro do Ministério Público e recebida pelo juiz de primeiro grau nas condições dos itens anteriores"

16. Politicamente, a Constituição Federal inadmite o concurso de regimes de responsabilidade dos agentes políticos pela Lei de Improbidade e pela norma definidora dos Crimes de Responsabilidade, posto inaceitável bis in idem.

17. A submissão dos agentes políticos ao regime jurídico dos crimes de responsabilidade, até mesmo por suas severas punições, torna inequívoca a total ausência de uma suposta "impunidade" deletéria ao Estado Democrático de Direito.

18. Voto para divergir do e. Relator e negar provimento ao recurso especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, mantendo o acórdão recorrido por seus fundamentos.

Sustenta o reclamante, que, em assentando o referido julgado desta Corte Superior que a Lei de Improbidade revela-se inaplicável aos agentes políticos, a decisão do desembargador reclamado que decretou a indisponibilidade de seus bens, quebrou seus sigilos bancário e fiscal, e afastou-o do exercício das funções de Prefeito Municipal, negou autoridade à decisão exarada no julgamento do RESP n. º 456.649/MG, uma vez que, a ele deveriam ser infligidas as penas previstas no Decreto-lei n.º 201/67 e não aquelas da Lei n.º 8.429//92. Relatados, decido.

Dispõe o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, em seu art. 187,

que:

"Art. 187 – Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público."

In casu, reclamante, prefeito municipal, insurge-se contra decisão que, negou efeito suspensivo a agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em sede de ação cautelar que, com base na Lei de Improbidade, determinou a quebra de seus sigilos fiscal e bancário, o bloqueio de bens no valor de R$ 318.300,00 e o afastamento do reclamante, Prefeito do Município de Januária, durante a instrução processual da ação civil pública que lhe foi movida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em razão de supostas fraudes em licitações para aquisição de ambulâncias e equipamentos hospitalares, sob o fundamento de que referido decisório desrespeita a autoridade da decisão proferida pelo E. STJ, no julgamento do RESP n.º 456.649/MG, deste relator para acórdão.

Revela-se incabível a reclamação contra decisão de relator de Agravo de Instrumento do Tribunal a quo, ao indeferir efeito suspensivo a referido recurso, mantém decisão que aplicou as penas previstas na Lei de improbidade, independente de referido decisum ter sido proferido em dissonância com o posicionamento externado pelo E. STJ, no julgamento de recurso especial no qual o ora reclamante não era parte litigante.

Evidencia-se que a pretensão deduzida na reclamação é a de atribuir efeitos erga omnes a acórdão proferido por esta Corte Superior, para fins de fundamentar a usurpação de competência do E. STJ. Diante do exposto, com fulcro no art. 34, XVIII, do RISTJ, indefiro liminarmente a presente reclamação.

Publique-se. Intimações necessárias.

Brasília (DF), 22 de maio de 2007.

MINISTRO LUIZ FUX

Relator

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