Excessos e vaidade

Polícia criou condições propícias para resolução do CNMP

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3 de junho de 2007, 11h56

*O Conselho Nacional do Ministério Público editou resolução regulamentando mecanismos de controle externo nos órgãos policiais de investigação. São procedimentos especiais de atuação para membros do parquet e que se destinam à fiscalização das polícias do país.

A polêmica em torno da questão remonta às acaloradas discussões havidas na Assembléia Nacional Constituinte. Naquela ocasião, pretendia o lobby do MP que o conceito figurasse de forma objetiva no novo ordenamento constitucional. Visava, com isso, a torná-lo auto-aplicável. Não é o que aconteceu. Decidiu, por fim, a ANC que o novo instituto deveria ser regulado mediante lei complementar, depois de aprofundada discussão no Congresso Nacional.

Em vigor as leis complementares da União e dos estados, os conselhos superiores do Ministério Público Federal e dos estados baixaram instruções disciplinando o cumprimento dos dispositivos autorizadores do controle. Com isso, objetivaram que seus membros, a partir delas, exercessem a fiscalização plena das atividades policiais.

Membros do MP de um lado e polícias do outro, o que se sabe é que até hoje remanescem indefinidos os exatos limites para o efetivo controle externo das polícias pelos diversos ministérios públicos do país. Para se ter idéia, nem mesmo o Supremo Tribunal Federal demarcou as balizas do acidentado terreno das indefinições existentes entre o que pode e o que não pode o MP operar nas esferas de investigação criminal, atributo, como sabido, historicamente da polícia.

As ações de controle externo não têm sido alcançadas nos patamares desejados pelo MP, malgrado as várias tentativas já empreendidas. Ávido pelo desempenho concreto dessa prerrogativa até aqui inconclusa, o CNMP tratou logo de impulsionar proposta que cuidava de seu disciplinamento, e que, a passos de tartaruga, lá tramitava. Com rapidez e desembaraço, deu cabo de sua votação de uma hora para outra, pegando de surpresa a sociedade e os segmentos mais interessados na questão.

Aproveitaram-se seus conselheiros do momento em que a PF tem sido criticada pelas turbulentas operações recentemente perpetradas, para, no seu encalço, liberarem as instruções que permitirão a realização do múnus constitucional. Contra elas, organizações policiais anunciaram que ajuizarão ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para a correção de excessos.

As fronteiras da fiscalização a ser feita pelo MP na seara de investigações criminais são de extrema tenuidade. A Constituição garante às polícias essas funções e, com exclusividade, como é o caso da Polícia Federal, as de polícia judiciária da União. O elenco de atribuições remetidas aos membros do MP pela mencionada resolução é exaustivo e constrito. Quiçá até a OAB a questione. Entre as prerrogativas garantidas aos membros do MP está a de “ter acesso ao preso, em qualquer momento”. Por essa regra, pode o membro do MP falar com o preso quando bem entender, enquanto seu advogado, que goza dessa prerrogativa por força estatutária, não. Isso é o que se pode chamar de privilégio iníquo.

À parte exacerbações da resolução do CNMP, não se pode negar que a própria PF criou as condições propícias para a expedição do ato. Além do dispensável estrépito de suas operações, prendendo inocentes e enxovalhando-lhes a honra, a PF, por tradição, convive com dissidências amargas, o que não é nada salutar para a instituição. Da mesma foram, sabe-se das denúncias de corrupção a envolver agentes e delegados de polícia.

Das dezenas de pessoas presas na chamada Operação Navalha, todas foram soltas. É improvável que os beneficiados por liminares concedidas em habeas corpus voltem à prisão, pelo menos tão cedo. Instaurada a ação penal, é esperar pelo seu desfecho final. No curso do processamento, o devido processo legal tem que ser observado, assegurando-se aos réus a ampla defesa e o contraditório. Isso quer dizer que não se sabe quando ocorrerá julgamento definitivo. Esses fatos são ruins para a instituição policial. O açodamento que orientou as diligências, a volúpia pela publicidade e as vaidades em jogo se responsabilizam pela situação desfavorável por que passa a PF.

A ela cumpre se acautelar para que não cometa os exageros desses últimos tempos. Procedendo como procedeu, sempre dará margem a que seja criticada pelos setores independentes do país. É prudente que, daqui para frente, não agrida mais o direito das pessoas que, sem qualquer razão, são ridicularizadas e humilhadas perante a opinião pública. A sociedade precisa da Polícia Federal. Mas de uma polícia que saiba respeitar os direitos individuais das pessoas tais como garantidos na Constituição da República.

A onda de vaidade que tomou conta de seus setores, o desrespeito aos direitos fundamentais de inocentes, as acusações de corrupção de policiais, as brigas internas por cargos, fornecem, com o aplauso da nação, os ingredientes para que seja efetivamente cumprida a fiscalização de suas atividades. Passou agora a ser necessidade premente.

*Artigo publicado neste domingo (3/6) no jornal Correio Braziliense.

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