Ofensa à honra

Orkut terá de tirar do ar comunidades contra Edir Macedo

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3 de junho de 2007, 0h01

Fracassou a tentativa da Google Brasil de se livrar da condenação de primeira instância que mandou retirar do Orkut comunidades que atacavam a honra do bispo Edir Macedo, proprietário da Igreja Universal do Reino de Deus. O recurso foi negado pela desembargadora Maria Olívia Alves, da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

No recurso, a filial da Google argumentou que é uma empresa brasileira e, por isso, não tinha condições de retirar do ar páginas do site de relacionamento Orkut e que apenas a Google Inc, com sede na Califórnia (EUA), poderia fazer. Disse ainda que eram empresas distintas e que não possuíam qualquer vínculo.

A defesa do bispo, representada pelas advogadas Mônica Duran Inglez e Adriana Guimarães Guerra afirmou que as empresas possuem vínculo e que a Google Brasil não passava de uma filial da Google Inc tendo que se responsabilizar pelos danos causados.

A Google contestou dizendo que não poderia violar os direitos fundamentais ao informar os IPs dos donos das comunidades. Citou o artigo 5º da Constituição que dispões expressamente que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Os argumentos não foram aceitos.

A desembargadora Maria Olívia Alves (relatora) entendeu que a Google Brasil funciona, na prática, como uma extensão das empresas que a constituíram, representando seus interesses no país, e também deve responder pelos danos causados por fatos ocorridos aqui, decorrentes de seus serviços e produtos.

Destacou que suspender a decisão de primeira instância, dada pela 34ª Vara Cível do Fórum João Mendes, causaria perigo irreparável contra o bispo.

A desembargadora enfatizou, também, que não há que se falar em aplicação da legislação norte-americana, já que o pedido foi formulado contra a empresa sediada no Brasil e que assim está sujeita à legislação nacional.

Por fim, para garantir o cumprimento da decisão, a relatora solicitou que seja expedido ofício à Google Inc.

Leia a decisão

AGRAVANTE: Google Brasil Internet Ltda.

AGRAVADO: Edir Macedo Bezerra

3ª Câmara de Direito Pivrado

Agravo de Instrumento 481.739-4/6-00

AGRAVO DE INSTRUMENTO — Antecipação da tutela – Ofensa à honra e à imagem — Retirada de páginas do ‘Orkut’ e fornecimento de dados dos IP (Internet Protocol) e dos registros eletrônicos de criação dos acessos — Inocorrência de perda parcial do objeto da decisão agravada — Hipótese de cumprimento da determinação judicial — Necessidade de sua manutenção, a fim de serem evitadas novas violações aos direitos do agravado — Presença dos requisitos autorizadores da antecipação da tutela — Direito ao sigilo que encontra limite nos direitos fundamentais da pessoa humana – Irreversibilidade da medida que não pode impedir a antecipação do provimento, ante a possibilidade de lesão maior à parte contrária — Empresa que participa do mesmo grupo econômico e que por estar aqui sediada submete-se à legislação nacional — Não provimento do agravo.

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Google Brasil Internet Ltda. Contra decisão de fls. 194, por meio da qual foi concedida a antecipação da tutela, para que ela retire as páginas ofensivas ao agravo do site de relacionamentos orkut e indique os números de IP (internet protocolo) e todos os registros eletrônicos referentes aos acessos indicados na inicial.

Sustenta a agravante, em síntese, que estão ausentes os requisitos autorizadores da antecipação da tutela no que tange à indicação de dados do IP e dos registros eletrônicos de criação, além de não ter condições técnicas e jurídicas para cumprir a decisão, pois a empresa que os armazena é o Google, Inc., com personalidade jurídica distinta e sede nos Estados Unidos.

Deferida a liminar (fls. 280/281), o agravado apresentou contraminuta (fls. 288/296).

É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do agravo, mas, revendo meu entendimento inicial,nego-lhe provimento.

Primeiramente, diversamente do que sustenta a agravante, a decisão ora agravada não perdeu parte do seu objeto, diante da retirada do ar das páginas ofensivas indicadas pelo autor.

Como sustentou a agravada e demonstra o documento de fls. 27/28, isso só ocorreu posteriormente à determinação judicial nesse sentido.

De qualquer forma, o agravado ainda tem necessidade da manutenção dessa decisão, com cominação de multa, para que não ocorram novas violações à sua honra e à imagem.

E a decisão agravada deve mesmo ser mantida, em sua integralidade.

Induvidoso o conteúdo ofensivo à honra e à imagem do agravado nas comunidades identificadas em sua petição inicial.

Por outro lado, a nossa Constituição Federal, ao assegurar a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, assegura, da mesma forma, os direitos individuais e fundamentais da pessoa humana.

Em seu artigo 5º, inciso X, dispõe expressamente que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando, o respectivo direito à indenização e em seu artigo 1º estabelece ainda que a República Federativa do Brasil tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana.

Não é, assim, ilimitado direito ao sigilo invocado, já que pressupõe o respeito a outras liberdades e direitos também consagrados na Lei Maior. Diga-se, aliás, que nenhum direito é e nem pode ser absoluto. A interpretação de qualquer lei e da Constituição há de atender a essa contingência elementar.

A ninguém é dado invocar o direito ao sigilo para se furtar à responsabilização pela violação a direitos fundamentais também assegurados pela Constituição Federal.

De outra parte, mostra-se fundado o receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao agravado, caso seja mantida essa situação, até o provimento jurisdicional final.

Como já se julgou, neste Egrégio Tribunal de Justiça,

“a criação de imensos ‘sites’ de relacionamento, sem qualquer providência ou controle efetivo de identificação dos usuários cadastrados, potencializa os riscos de danos anônimos a terceiros. Cria ambiente propício para que se ofendam bens personalíssimos sob o manto do anonimato.” (TJ-SP — 4ª Câm. de Dir. Privado, AI 468.487.4/0-00, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 07.12.06, v.u.).

Por outro lado, não convence a alegação da agravante no sentido de que não tem condições de cumprir a decisão judicial, por não possuir qualquer ingerência, forma de controle ou acesso aos dados relacionados ao serviço “Orkut.com”

Os acionistas da Google Brasil são as empresas Google Internacional LLC e Google, Inc. (fls. 213).

E a cláusula 2ª do contrato social da Google Brasil Internet Ltda., dispõe que seu objeto abrange “o marketing, suporte e prestação de serviços e produtos relacionados a Internet, incluindo serviços de procura e veiculação de anúncios na Internet, bem como outros programas, produtos, serviços e aplicativos de Internet” (fls. 214).

Como se vê, a Google Brasil funciona, na pratica, como uma extensão das empresas que a constituíram, representando seus interesses em nosso pais, e também deve responder pelos danos causados por fatos ocorridos aqui, decorrentes de seus serviços e produtos.

Tal se verifica na correspondência encaminhada ao agravado, em nome da Google Brasil, Segundo a qual informa que entrou em contato com a Google, Inc., e esta investigando a situação dos perfis do orkut em questão (fls. 53/54).

Nesse sentido, aquela mesma decisão acima referida acrescenta:

“Não há como admitir a criação de pessoa jurídica de direito privado com sede no Brasil, controlada pela Google internacional, apenas para defender aqui os seus direitos, mas em responder por suas obrigações. Os internautas expressam-se em português, provavelmente cadastraram-se de computadores instalados no Brasil e aqui os atos ilícitos produziram os seus efeitos danosos. Razoável que ação seja ajuizada no domicilio do ofendido e que a pessoa jurídica que representa os interesses da Google no Brasil figure no pólo passivo. Tanto foi eficaz a citação da Google Brasil que os perfis e comunidades foram de pronto retirados da rede, o que não quer dizer, evidentemente, que a ação cautelar tenha perdido o seu objeto”.

De outra parte, a irreversibilidade do provimento antecipado não é suficiente para evitá-lo, se não representar, ao mesmo tempo, perigo de lesão irreparável contra quem se dirige.

Alias, como já julgou o Eg. Superior Tribunal de Justiça:

“Assim, a exigência legal da reversibilidade da medida de urgência deve ser tomada ‘cum grano sails’, comportando mitigações quando estiver em jogo um valor igualmente caro ao ordenamento. Por isso, ‘a regra do § 2° do art. 273 do CPC não impede o deferimento da antecipação da tutela quando a falta do imediato atendimento medico causará ao lesado dano também irreparável, ainda que exista o perigo da irreversibilidade do provimento antecipado.” ( STJ — V. T., REsp 408.828, rel. Min. Barros Monteiro, j.1.3.05, não conheceram, v.u., DJU 2.5.05, p.354). No mesmo sentido: RT 809/345, 833/243, 847/268.

Por fim, não ha que se falar aplicação da legislação norte-americana, já que o pedido foi formulado contra empresa sediada no Brasil e que assim esta sujeita a legislação nacional.

Nada impede, contudo, caso necessite a agravante, para o cumprimento da decisão, seja expedido o oficio a GOOGLE, INC., a seu pedido.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego. provimento ao agravo interposto pela Google Brasil Internet Ltda., para, revogado o efeito suspensivo que lhe foi atribuído a fis. 280/281, manter a decisão tal como proferida.

MARIA OLIVIA ALVES

Relatora

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