Defesa da defesa

IDDD vai ao tribunal do júri para garantir direitos de réu

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3 de junho de 2007, 0h01

Na história do Tribunal do Júri, o discurso mais criticado é o da defesa. O defensor já entra no julgamento em desvantagem. A impressão que o público tem de um advogado criminalista que se dispõe a defender os interesses de um réu é que ele está lá para contribuir com a impunidade. Não bastasse isso, a defesa ainda precisa encarar um Ministério Público bem aparelhado e disposto a recorrer aos argumentos mais genéricos para condenar alguém.

Para evitar que essa tendência e uma má defesa prejudiquem o réu, o Instituto de Defesa do Direito da Defesa (IDDD) fechou parceria com o Fórum Criminal da Barra Funda — Tribunal do Júri, em São Paulo, para defender réus cujo direito de defesa está ameaçado. O acordo foi fechado no ano de 2000. Até hoje, o IDDD foi responsável por 130 defesas.

Um advogado do instituto é nomeado pelo próprio juiz criminal quando ele percebe que a defesa está mal-fundamentada e pode prejudicar o réu. Foi assim com Benedito Miguel da Silva, 42 anos. Benedito é acusado de duas tentativas de homicídio. O processo tramita há 12 anos. No dia 15 de junho, o caso prescreveria.

O júri popular foi marcado para quinta-feira (31/5). O réu foi representado pelos advogados Fábio Tofficc, associado do IDDD, e Alexandre de Sá Domingues, advogado dativo. Não há provas contundentes no processo de que Benedito tenha participado do crime. Nem as vítimas afirmaram terem-no visto nos dias dos fatos.

Benedito mora no Jardim das Pimentas, bairro pobre da cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo. Trabalha consertando radiadores. Ganha R$ 700 por mês. É analfabeto. Sustenta sua mulher, uma filha de 17 anos e mais duas senhoras — uma delas sua avó.

A versão que o réu conta é de que, em 1995, ele se envolveu em uma batida de carro num posto de gasolina. Diz que acertou com o motorista, chamado Marcelo, que passaria na casa dele para pegar o dinheiro do conserto do carro. Marcelo, Benedito e seu irmão seguiram para uma loja de autopeças. No local, um inimigo de Marcelo (Jessé) passou atirando. Ele revidou. Uma das balas atingiu de raspão Jessé no rosto, que estava junto de sua companheira (também fichada criminalmente). Benedito, Marcelo, seu irmão, e um menor de idade acabaram indiciados por duas tentativas de homicídio. Jessé e sua namorada foram considerados vítimas. Essa é a história apresentada no júri por Benedito. A denúncia contra Marcelo, o menor e o irmão de Benedito já prescreveu. Só restou Benedito para responder pelo caso.

A versão contada no julgamento da quinta foi diferente da que foi dita no começo do processo. Na versão anterior, o grupo tinha furtado um carro. No dia dos fatos, Jessé, que era membro da quadrilha, tentava levar o automóvel a um desmanche, sem autorização dos colegas. Eles não gostaram da atitude, foram atrás de Jessé e houve troca de tiros. Três armas foram apreendidas com Marcelo, Bendito, seu irmão e um menor de idade. Jessé conseguiu fugir, encontrou a polícia, comunicou a troca de tiros e seguiu a um hospital para tratar do ferimento. Os três foram indicados.

A história de Jessé e sua companheira é outra. Eles disseram em depoimento que iam para um banco e foram abordados por Marcelo, Benedito, seu irmão e um menor. Ou seja, foram vítimas de uma tentativa de roubo.

No júri, prevaleceu a versão da batida dos carros. Benedito alegou que não tinha dito a verdade antes porque temia represálias de Marcelo. O promotor de Justiça, Maurício Antonio Ribeiro Lopes, não gostou da nova história. Chamou o réu de mentiroso e estendeu o adjetivo aos advogados.

Maurício Ribeiro Lopes fez dura crítica ao direito de defesa. “O cidadão paga imposto para que o Estado defenda a escória da sociedade”, disse. Também afirmou que naquele caso os honorários dos advogados estavam sendo pagos com dinheiro de receptação — o promotor ignorou o fato de Fábio Tofficc trabalhar sem receber honorários para esta causa.

O advogado Fábio Tofficc e o defensor dativo rebateram todas as críticas. Tofficc chegou a dizer que sempre que a prova é falha, a promotoria tenta intimidar a defesa. “O IDDD existe para defender pessoas como o senhor Benedito. Se ele tivesse dinheiro, a denúncia já teria sido anulada pelo Supremo Tribunal Federal, porque é inepta. Nós não vamos nos intimidar nem desistir de defender alguém que foi incriminado por provas que não existem.”

“O Ministério Público tem ultrapassado dos limites em todos os júris. O IDDD vem para reforçar as garantias fundamentais previstas na Constituição Federal. Ninguém pode ser considerado e tratado como culpado antes do transito em julgado da defesa condenatória. É a lei. Promotor de Justiça precisa reconhecer”, ressaltou.

Depois dos debates acalorados, o conselho de sentença se reuniu para decidir sobre o futuro de Benedito. O réu foi condenado a quatro anos e dois meses de reclusão em regime semi-aberto. Poderá recorrer em liberdade.

Mesmo condenado, Benedito ficou tranqüilo com sua defesa. “O doutor Fábio é sem dúvida o melhor advogado que já tive. Me sinto uma pessoa importante. Protegida. Nenhum advogado me deu tanta atenção”, disse.

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