Dinheiro de volta

Banco é condenado por firmar contrato inválido com idosa

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3 de junho de 2007, 16h50

Uma aposentada analfabeta, que utiliza serviços bancários apenas para receber seu benefício previdenciário, foi submetida a um contrato de conta-corrente com cheque especial e cartão de crédito, com incidência de juros e encargos bancários. Agora ela deverá receber do Banco do Brasil a restituição em dobro dos encargos debitados de sua conta, no valor de R$ 629,72, além de indenização de R$ 1.900, por danos morais.

A decisão é da 1ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul. Os juízes entenderam que o Banco do Brasil cometeu ato arbitrário e ilegal ao submeter a aposentada, analfabeta, a contrato de conta-corrente. O relator do recurso, juiz Ricardo Torres Hermann, observou que o contrato de adesão foi firmado pela idosa, apesar de sua condição de analfabeta, e por duas testemunhas.

Segundo o juiz, porém, para que o documento tivesse eficácia deveria ser firmado por pessoa constituída pela autora (conforme o artigo 595 do Código Civil). Além disso, por se tratar de pessoa idosa deveria ser devidamente esclarecida das obrigações assumidas, como estabelecida no Estatuto do Idoso (artigo 50).

A idosa abriu conta em agência de Caxias do Sul, com a finalidade de receber seu benefício previdenciário, no valor de R$ 650. A instituição financeira lançou diretamente na conta-corrente tarifas, juros, débitos de cartão de crédito e taxa de renovação de limite, totalizando R$ 314,86. Participaram do julgamento, voltando com o relator, os juízes de Direito Heleno Tregnago Saraiva e João Pedro Cavalli Júnior.

Processo 71.001.183.177

Leia a íntegra do acórdão

CONSUMIDOR. SERVIÇO BANCÁRIO. CONTRATAÇÃO DE CHEQUE ESPECIAL E CARTÃO DE CRÉDITO POR PESSOA IDOSA E ANALFABETA, QUE SOMENTE UTILIZA SUA CONTA BANCÁRIA PARA RECEBIMENTO DE PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. CONDUTA ARBITRÁRIA E ILEGAL. DEVER DE INFORMAÇÃO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO EVIDENCIADO. ESTATUTO DO IDOSO. DEVER DE RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DEBITADOS EM SUA CONTA A TÍTULO DE TAXAS BANCÁRIAS E JUROS, NOS TERMOS DO ARTIGO 42, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS QUE SE JUSTIFICAM, SOBRETUDO, COM VISTAS AO PROPÓSITO PEDAGÓGICO-PUNITIVO. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM QUANTIA MÓDICA.

Recurso parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Juízes de Direito integrantes da Primeira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DR. HELENO TREGNAGO SARAIVA E DR. JOÃO PEDRO CAVALLI JÚNIOR.

Porto Alegre, 10 de maio de 2007.

DR. RICARDO TORRES HERMANN,

Presidente e Relator.

RELATÓRIO

(Oral em Sessão.)

VOTOS

DR. RICARDO TORRES HERMANN (PRESIDENTE E RELATOR)

O recurso manejado merece parcial provimento.

Compulsando os autos, resta evidenciado que a autora entabulou com o banco réu contrato de abertura de conta corrente para fins de recebimento de seu benefício previdenciário, valorado em aproximadamente R$ 650,00.

Analisando-se o contrato de adesão de fls. 54/56, percebe-se que, em que pese a condição de analfabeta da autora (fl. 13), esta apôs sua firma no instrumento contratual, que também foi firmado por duas testemunhas devidamente identificadas. Saliente-se que, para que o documento desfrutasse de validade e eficácia, haveria de ser firmado por pessoa constituída pela autora para assinar a rogo o contrato em seu nome, na forma como estabelece o art. 595, do Código Civil . Demais disso, em se tratando de pessoa idosa, deveria ser devidamente esclarecida das obrigações assumidas, na forma como estabelece o art. 50, inciso I, do Estatuto do Idoso .

Entretanto, verifica-se que adotou o Banco demandado procedimento arbitrário e ilegal, em desacordo com as determinações referidas, porquanto submeteu a autora à abertura de conta-corrente com cheque especial e cartão de crédito, muito embora somente se utilizasse os serviços bancários para receber seu benefício previdenciário, o que implicou sua oneração com juros e encargos bancários, debitados diretamente de sua conta corrente.

Assim, muito bem lançada a decisão de rescisão contratual, à qual merece ser acrescida a determinação de restituição em dobro dos valores debitados da conta corrente da autora a tal título, nos termos do artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. Para fixação de tal montante, tomo por base os demonstrativos de fls. 61/105, colacionados aos autos pela instituição financeira, transcrevendo as parcelas a serem restituídas para melhor elucidação do feito:

* tarifa plano ouro: 12 parcelas de R$ 3,50 (7/01/2002 a 6/12/2002); 15 parcelas de R$ 4,50 (07/01/2003 a 5/03/2004); 9 parcelas de R$ 5,20 (5/03/2004 a 8/12/2004); 8 parcelas de R$ 6,00 (7/01/2005 a 5/08/2005);

* juros: R$ 24,88, debitados em 31/12/2003; R$ 6,18, debitados em 30/01/2004;

* cartão de crédito: R$ 4,13, em 17/03/2005; R$ 2,07, em 11/04/2005; R$ 2,00, em 10/05/2005; R$ 3,00, em 10/06/2005; R$ 3,00, em 11/07/2005; R$ 10,50, em 10/08/2005; R$ 48,50, em 12/09/2005.

* taxa de renovação de limite: R$ 6,30, promovida em 03/06/2002. Assim, os valores a título de repetição dobrada dos encargos debitados da conta da autora alcança a soma de R$ 629,72 (2 x R$ 314,86).

Demais disso, no que toca aos danos morais postulados, em que pese a ausência de demonstração de dano efetivo, tenho que tal espécie reparatória se impõe como forma de reprimir condutas futuras semelhantes, assumindo, na hipótese, portanto, função eminentemente pedagógica. Assim, fixo o montante indenizatório em R$ 1.900,00, quantia que entendo adequada a atingir a finalidade pretendida, sem representar enriquecimento indevido da parte autora.

Em face do exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso, no sentido de condenar o réu a pagar a autora a importância de R$ 629,72 (seiscentos e vinte e nove reais e setenta e dois centavos), equivalente à restituição em dobro dos valores debitados da conta corrente da autora, bem como de R$ 1.900,00 (um mil e novecentos reais) a título de danos morais, valores a serem corrigidos pelo IGP-M a contar da distribuição da ação e acrescidos de juros de 1% ao mês desde a citação.

Sem incidência de sucumbência, em face do provimento parcial do recurso e da interpretação conferida pelas Turmas Recursais ao disposto no art. 55, da Lei nº 9.099/95.

DR. HELENO TREGNAGO SARAIVA – De acordo.

DR. JOÃO PEDRO CAVALLI JÚNIOR – De acordo.

DR. RICARDO TORRES HERMANN – Presidente – Recurso Inominado nº 71001183177, Comarca de Caxias do Sul: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME.”

Juízo de Origem: JUIZADO ESPECIAL CIVEL CAXIAS DO SUL – Comarca de Caxias do Sul

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