Governo parceiro

A inviabilidade de recentes projetos de Parcerias Público-Privadas

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30 de julho de 2007, 17h42

Hodiernamente, o festejo do ainda novel instituto das Parcerias Público-Privadas (PPPs) se mostra, de certa forma, abalado, em virtude de recentes e relativos fracassos de sua implantação em diversos setores como, por exemplo, a desistência, por parte do governo federal, dos projetos de PPP’s envolvendo a recuperação da BR-324 e da BR-116, no estado da Bahia, anunciada em 16 de julho do corrente ano.

Outro exemplo recente que pode ser trazido a lume é o relativo à ferrovia norte-sul, cuja modelagem inicial de sua implantação, por meio de PPP, foi descartada pelo governo após análise mais detida das condições específicas do objeto a ser licitado e, posteriormente, concedido.

Tais projetos vanguardistas incorreram em erros de planejamentos, já há tempo apontados pela doutrina e por especialistas no setor, especialmente no que diz respeito à tomada de opção pela PPP, em detrimento dos demais modelos contratuais, no caso, especialmente o relativo à “concessão comum”, já regulada pela Lei 8.987/95 e que deve, se for mais vantajoso ao interesse público, ser utilizado no caso concreto.

Quando do advento da PPP, em sentido estrito, no ordenamento jurídico pátrio, mediante a Lei 11.079/04, muitos a consideravam como uma verdadeira panacéia, capaz de curar todos os males advindos de nocivas práticas arraigadas na administração pública e que acarretavam falta de toda a sorte de recursos para viabilizar projetos de interesse da coletividade, especialmente, no tocante à infra-estrutura.

Muito embora se pense nesse instituto como algo inteiramente novo no direito brasileiro, o chamado “direito de parceria” sofreu, especialmente no decurso da década de 1990, sensível transformação.

Inicialmente, é de se citar a Lei 8.666/93, editada quase um lustro após a Constituição Federal de 1988, que privilegiava a licitação para as contratações públicas, marcada por rigorismo procedimental que instituía, quase que cegamente, a busca pelo menor preço, a manutenção da isonomia no certame licitatório, além de proibir o ingresso direto de capital privado nas contratações sob sua égide.

Posteriormente, numa notável flexibilização, houve a edição da lei de concessões (Lei 8.987/95) que, basicamente, permitia ao poder público, mediante lei autorizativa, conceder serviços ou obras públicas para exploração pelo particular (concessionário), por sua conta e risco, necessariamente havendo, nesses contratos, investimentos por parte do particular, que é remunerado mediante tarifa cobrada diretamente do usuário, sem dispêndio direto do erário, muito embora a mesma lei preveja, em seu artigo 11, a possibilidade de remuneração por meio de receitas acessórias, de forma a conferir maior modicidade à tarifa.

Por sua vez, a Lei de PPPs veio somente a implementar e regulamentar duas novas formas de concessão, a saber: a Concessão Administrativa, cuja a remuneração do particular (parceiro privado) é feita integralmente pela administração (parceiro público); e a Concessão Patrocinada, onde tal remuneração é feita parte pelo parceiro público, parte pelo usuário dos serviços ou obra pública concedidos. Outro consabido mérito da referida lei foi instituir um sistema de garantias ao investidor privado contra o inadimplemento por parte da administração, o que mitiga os riscos de uma demoradíssima cobrança judicial dos valores devidos.

Contudo, seja qual for a licitação em apreço — e, especialmente, as que visam a um complexo projeto de PPP — não é de hoje que tanto a doutrina quanto a legislação juspublicista se esforçam em impingir a cultura de planejamento para a administração que, através do pálio da impunidade, reluta em acatar esse preceito em detrimento de práticas politiqueiras visando retorno político imediato.

Já na lei de licitações, em seus artigos 7 e 12 (para obras e serviços), 14 (compras), 17 (alienações) e 40 (requisitos do Edital de Licitação), é patente a premência de um planejamento bem estruturado, contemplando projetos básico e executivo, estudos econômicos, impacto ambiental, etc.. Outrossim, no tocante à lei de concessões, além de se lhe serem aplicáveis os preceitos da lei de licitações (artigos 1º e 14), prevê-se a caracterização do objeto da concessão, conforme preceitua o artigo 5º da Lei 8.987/95. Sobre o tema, é valioso o ensinamento de Marçal Justen Filho, que ressalta a necessidade de se obedecer a uma detida tramitação interna, antes mesmo da efetiva publicação da licitação:

“Antes mesmo de ser divulgado o ato convocatório e serem convocados os interessados para formular propostas, há um procedimento administrativo cuja observância é pressuposto de admissibilidade e de validade da licitação. (…) a administração tem de licitar aquilo que contratará — o que significa dominar, com tranqüilidade, todas as condições pertinentes ao objeto licitado e estabelecer de modo preciso as cláusulas da futura contratação. Por isso, o procedimento interno inicia-se com a identificação da necessidade a ser atendida, a apuração das soluções técnicas e economicamente viáveis, a configuração do futuro contrato e, por fim, a conformação do procedimento destinado à contratação.” (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, 11ª Edição, p. 104.)

Com relação à Lei de Parcerias Público-Privadas, a questão do planejamento da atuação administrativa ganha adicional vulto ao prever, em seu artigo 4º, as diretrizes que devem ser consideradas, quando da contratação de parceria público-privada, sendo de se destacar a questão da sustentabilidade do projeto:

“Artigo 4º — Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes:

I — eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade;

II — respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução;

III — indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;

IV — responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias;

V — transparência dos procedimentos e das decisões;

VI — repartição objetiva de riscos entre as partes;

VII — sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.” (destacou-se)

Outrossim, o artigo 10 da Lei 11.079/04 condiciona a própria abertura de procedimento licitatório a estudos técnicos diversos, envolvendo questões como a conveniência e oportunidade da PPP, observância às leis orçamentárias e à questão ambiental.

No caso dos exemplos trazidos inicialmente à baila (BR 324 e 116), a falta de planejamento por parte do poder público é evidente, posto que a opção inicial pela PPP se mostrou, posteriormente, indesejável, haja vista as peculiaridades de cada serviço, que não foram devidamente consideradas, e que acarretaram ainda maior delonga na sua entrega à população. Mais grave seria (como pode e deve estar a ocorrer) nas PPPs em que tal problema exista, mas que ainda não foi detectado, o que põe em risco a execução dos futuros contratos delas decorrentes.

Por ser um instituto relativamente novo, a assinatura de um contrato de PPP traz uma vitrine política consideravelmente maior que o de concessão. Não obstante, deve-se ter em mente que, em projetos cuja natureza não exija o dispêndio direto de recursos públicos, ou seja, quando econômica e financeiramente viável a amortização dos investimentos pelo particular contratado, mediante a mera exploração do serviço público através de tarifa cobrada do usuário, está-se claramente diante de uma concessão.

Não se pretende aqui, de forma alguma, negar os inúmeros benefícios que uma Parceria Público-Privada, bem estruturada, pode trazer, seja no tocante à maior angariação de investimentos para serviços e obras públicas, mediante o novel sistema de garantias instaurado e as contrapartidas mais vultosas (ou integrais, no caso das concessões administrativas) por parte do poder público, seja no que diz respeito à diminuição ou isenção da tarifa. Quando a natureza do objeto a ser licitado comporta essa estruturação, há, indubitavelmente, o sadio ingresso da iniciativa privada nos misteres da administração e a viabilização de projetos que anteriormente à edição da lei 11.079/04 eram econômico e financeiramente insustentáveis.

Enfim, é de se concluir que, sem a necessária ponderação de todos os fatores envolvidos no objeto que a administração busca contratar, a eleição da modalidade de concessão cabível (comum, patrocinada ou administrativa) resta sobejamente dificultosa e que pode ensejar atuação da administração absolutamente incompatível com o interesse público.

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