Sobras do tiroteio

Ação no Complexo do Alemão provoca crise na OAB-RJ

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30 de julho de 2007, 13h10

Os tiros disparados pela Polícia Militar na operação do Complexo do Alemão atingiram também a seccional Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil. Quarenta e um membros da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da seccional renunciaram coletivamente na noite de quinta-feira, dia 26. A ação foi em apoio ao conselheiro e ex-presidente da Comissão, João Batista Tancredo, exonerado do cargo pelo presidente da seccional, Wadih Damous, no último dia 18. Os membros da CDHAJ acusam pressões do governo do estado contra a Comissão. A direção da Ordem nega.

Dos renunciantes, 15 eram advogados nos cargos de delegado ou membro efetivo da CDHAJ, como Aderson Bussinger e João Luiz Duboc Pinaud. Outros cinco advogados aguardavam nomeação da Ordem. Os demais são integrantes de organizações dos movimentos sociais e acadêmicos, como o sociólogo e professor da Universidade do Estado do Rio, (Uerj) Ignácio Cano.

No documento, o grupo justifica a renúncia pela “coerência com os valores que defendemos durante o tempo em que estivemos na Comissão”. A reunião do Conselho da Ordem acatou a decisão, mas reconhece apenas como membros os advogados já nomeados. “A atuação de João Tancredo estava em descompasso com as diretrizes da direção da entidade”, afirma Damous.

A queima-roupa

Os problemas começaram logo após a ação policial no Alemão. Mais de 1.300 policiais participaram da ação no dia 27 de junho. O resultado foi a chegada da PM ao Areal, localidade há anos dominada pelo tráfico, e 19 mortos. Desde o final da operação, o Secretário Estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, afirmou que os mortos eram todos bandidos e foram atingidos em confronto.

A Comissão compareceu ao local no dia seguinte e no sábado, dia 30 de junho, quando colheu depoimentos de moradores. Eles acusaram atos de violência policial e afirmaram que nem todos trabalhavam para o tráfico. O então presidente da CDHAJ, João Tancredo, afirma ter comunicado todos os procedimentos à presidência da OAB-RJ. “Dei meu relato indicando que as provas indicavam a possibilidade de ter ocorrido execuções e que se deveria cobrar das autoridades respostas”, afirma Tancredo. Ele garante também ter comunicado a Wadih Damous a intenção de convocar um representante da Organização dos Estados Americanos (OEA) para acompanhar o caso, sem receber restrições.

A CDHAJ tentou marcar um encontro com o Secretário de Segurança duas vezes, sem sucesso. O acesso aos corpos e laudos do Instituto Médico Legal (IML) também foi negado. “Obtive a duras penas os laudos pelo deputado estadual Alessandro Molon (PT)”, disse Tancredo. A CDHAJ decidiu encaminhar os documentos ao médico-legista e perito judicial Odoroilton Larocca Quinto.

O documento oficial do IML aponta apenas quatro tiros a queima-roupa. Já a análise de Larroca Quinto indica 16 mortos sob rendição. As vítimas estariam sentadas ou ajoelhadas, de acordo com ângulos e trajetórias das perfurações contidos nos laudos. Três foram baleados na nuca, incluindo dois menores. O documento foi amplamente veiculado na imprensa em 11 de julho. No dia seguinte, a OAB-RJ divulgou nota oficial desautorizando os trabalhos da Comissão, bem como a convocação da OEA.

Exoneração e renúncia

Com a evolução dos fatos, a relação entre Tancredo e Damous piorou. O ex-presidente da CDHAJ afirma ter sabido de uma reunião a portas fechadas entre Beltrame e a direção da Ordem. “Wadih não defende a política do extermínio, mas ser omisso é facilitar as coisas”, diz Tancredo. Já o presidente da OAB-RJ garante que Tancredo entrou em “rota de colisão”. “Antes da divulgação dos laudos, ele [Tancredo] saiu declarando que houve chacina”.

A CDHAJ decidiu encaminhar notícia crime ao Ministério Público Estadual em 17 de julho. Ao voltar à sede da Ordem, a presidência recomendou Tancredo a abdicar do cargo. “Não se renuncia aos Direitos Humanos”, respondeu. No dia seguinte, Tancredo foi exonerado. A conselheira Maria Margarida Pressburger assumiu a presidência da Comissão.

Ainda no dia 18, o presidente Wadih Damous decidiu ir pessoalmente ao Complexo do Alemão e à Vila Cruzeiro, outro ponto de confronto entre polícia e traficantes no mês de junho. Segundo Damous, foram instalados dois postos de atendimento jurídico avançado para as comunidades, “carentes em cidadania e que precisa de defesa da opressão dos traficantes.” “Ao invés de verborragia, resolvemos entrar em prol dos Direitos Humanos dessas comunidades”.

Na sessão do Conselho da Ordem de quinta-feira (27/7), mais embates. Damous negou todas as acusações e argumentos do grupo renunciante. “Se Tancredo quiser se portar como um homem honrado, ele deve apresentar provas”, disse à reportagem do Consultor Jurídico. Os conselheiros membros da CDHAJ continuam no órgão deliberativo da Seccional. Para Tancredo, a unidade ainda é possível. “Dá para reconstruir, mas não vou transigir na luta dos Direitos Humanos”. A gestão se encerra em dezembro de 2009.

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