A defesa

Projeto de lei em MG ataca independência do MP

Autor

  • Rodrigo Pinho

    é procurador-geral de Justiça de São Paulo e presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União.

29 de julho de 2007, 10h35

A Assembléia Legislativa de Minas Gerais aprovou, recentemente, um projeto de lei complementar (17/2007) apresentado pelo Ministério Público do estado. Encaminhado ao Poder Executivo, o projeto está sendo analisado pelo governador Aécio Neves, que poderá sancioná-lo integral ou parcialmente ou, ainda, vetá-lo. A propositura, todavia, contém dispositivos que, se promulgados, representarão enormes prejuízos à causa democrática e constituirão um dos mais sérios e duros ataques à independência do Ministério Público brasileiro desde a restauração das liberdades públicas e do Estado democrático de Direito pela Carta de 1988.

A proposta, de autoria do procurador-geral de Justiça, contemplava inicialmente só aspectos intrínsecos à administração do Ministério Público, bem como a criação de promotorias e a reclassificação de comarcas.

A Assembléia, porém, ao apreciar a proposta, desrespeitou o princípio constitucional da reserva legal, que veda aos parlamentares, quanto a projetos de iniciativa reservada (no caso, ao procurador-geral), a apresentação de emendas que destoem da matéria do projeto de lei -o que se chama, tecnicamente, impertinência temática, configuradora de inconstitucionalidade formal-, e acrescentou muitos outros assuntos absolutamente diversos do tema nela contido.

Ao verificar o desvirtuamento da proposta original, o procurador-geral pediu à Assembléia a retirada do projeto, o que, porém, lhe foi negado. Dentre as matérias acrescidas por deputados mineiros, há desde as que interferem diretamente na gestão da Procuradoria-Geral de Justiça, obrigando-a à prática de atos administrativos cuja discricionariedade deve pertencer exclusivamente à chefia da instituição, como ocorre no que tange à direção do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, àquelas que atentam diretamente contra a Constituição, as leis e os princípios republicanos.

Ressaltam-se, quanto aos últimos, os que tratam da instauração de procedimentos investigatórios e inquéritos civis contra autoridades públicas.

De acordo com a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e a atual legislação estadual de Minas -que, como deve ser, segue a lei federal-, o procurador-geral tem o poder de investigar civilmente, pela prática de atos de improbidade administrativa e outros que atinjam direitos e interesses difusos e coletivos, apenas o governador e os presidentes da Assembléia e dos tribunais. As demais autoridades estaduais podem ser investigadas pelos promotores de todas as comarcas do Estado, de acordo com suas atribuições e conforme dispuserem as leis atinentes.

Parlamentares mineiros, porém, querem que o procurador-geral passe também a deter o poder exclusivo de investigar o vice-governador, o advogado-geral, o defensor público-geral, os secretários de Estado, os juízes, os promotores, os membros do Tribunal de Contas e, por fim, os próprios deputados estaduais.

Trata-se de tentativa de reedição, em Minas, de norma que, instituída em 1993 em São Paulo, foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade (1.285) proposta pelo então procurador-geral da República, Aristides Junqueira, e cuja vigência foi suspensa em 1995 por decisão liminar, válida até hoje, do STF.

À época, tamanha concentração de poderes, de triste memória, nas mãos do chefe do Ministério Público paulista recebeu a expressiva alcunha popular de “caneta-forte” -pois seus defensores pretendiam dotar o procurador-geral de atribuições incontrastáveis diante dos Poderes do Estado, em franco desafio ao sistema de freios e contrapesos.

Preocupa o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União a possibilidade de sanção integral do projeto aprovado pelos deputados mineiros. Desde pelo menos o fim do embate dos emboabas, Minas Gerais e seus líderes sempre estiveram presentes em defesa do interesse público. Seria ocioso recordar os episódios da história que demonstram e reasseguram que o espírito cívico e o respeito aos valores fundamentais do Estado democrático de Direito são imanentes ao povo mineiro e seus estadistas.

Temos integral convicção, portanto, de que o Ministério Público brasileiro e seu ramo mineiro continuarão firmes atuando em prol da coletividade. Assim agiram nossos ancestrais.

Assim agiram os inconfidentes. Assim, estamos certos, agirá o governador de Minas Gerais.

Artigo originalmente publicado na edição do jornal Folha de S.Paulo deste domingo, 29/7.

Autores

  • é procurador-geral de Justiça de São Paulo e presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União.

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