Por que não prender

Furor da Polícia e do MP deixa inocente preso por dois anos

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29 de julho de 2007, 0h00

Depois de passar dois anos presos, sob a acusação de matar o enteado, André Ramalho de Lima foi absolvido do crime no dia 16 de julho, segunda-feira. A sentença foi prolatada pelo I Tribunal do Júri da Barra Funda. André sentiu na pele os riscos da prisão preventiva: cumpriu pena antes de ser julgado e pagou por um crime do qual foi absolvido.

Vítima de denúncia inepta do Ministério Público, Lima foi prejudicado ainda pela investigação mal feito e por falhas da perícia técnica. Acusado de ter matado o filho de sua companheira, de dois anos, foi preso e sofreu maus tratos na prisão. Era réu primário, tinha carteira assinada e residência fixa, mas para ele não valeu a presunção de inocência, até prova em contrário.

Para o Supremo Tribunal Federal não é para isto que serve a prisão preventiva. A corte tem entendimento firmado de que só cabe prisão quando a sentença condenatória já transitou em julgado. Ou seja, quando não restar mais dúvidas de que o réu é culpado pelo crime. Com isso, a corte pretende evitar justamente danos irreparáveis a inocentes, como Lima.

Mesmo com a orientação, a tendência dos juízes de primeira instância ainda é decretar a prisão dos acusados, mais pautados na opinião do órgão acusador do que nos dispositivos do Código de Processo Penal. “A opinião do Ministério Público é usada pelo juiz como razão de decidir”, explica o criminalista Jair Jaloreto Junior.

A ânsia de mandar prender do Judiciário e de acusar do Ministério Público é explicada com a seguinte tese: o juiz de primeira instância está mais próximo da causa e mais exposto às pressões do clamor popular. Por isso. Quando o réu é pronunciado, já chega ao Tribunal do Júri previamente condenado, porque a tendência dos jurados é se inclinar à tese da acusação.

“A prerrogativa jurídica da liberdade — que possui extração constitucional (CF, artigo 5º, LXI e LXV) — não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, artigo 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada”, reconheceu o ministro Celso de Mello, em maio de 2001, no HC 80.379.

“O que ocorre hoje é que boa parte das decisões pela decretação da prisão preventiva é pautada apenas pela opinião do órgão acusador. Ignora-se o disposto no CPP e o que é pior, ignora-se o pressuposto constitucional da presunção de inocência”, defende o advogado Jair Jaloreto.

Morte infantil

Consta na denúncia que André matou o garoto porque era inimigo do pai biológico da criança. Nenhuma testemunha confirmou a versão. Muito pelo contrário, o pai biológico era um dos melhores amigos de André. A criança tinha problemas sérios de saúde (anemia profunda e crises convulsivas). De acordo com a mãe, passava mais tempo no hospital do que em casa. Por causa da anemia, era obrigada a tomar injeções para complementar a alimentação. Algumas causavam alergia, caracterizada por manchas pelo corpo.

No dia da morte, a criança, que tinha acabado de sair de uma internação, começou a passar mal. O padrasto, num ato de desespero, fez massagens cardíacas no bebê e respiração boca a boca. Para o MP, a intenção de André, ao fazer a respiração boca a boca, era impedir que a criança de dois anos o apontasse como autor do homicídio. Na necropsia, o médico legal concluiu que as manchas espalhadas pelo corpo do bebê eram marcas de espancamento.

No depoimento contado no dia do Júri, André disse que foi ameaçado pelos policiais do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) para confessar o crime. Por isso a tese de advogados criminalistas, de que a presunção de inocência deve incidir mesmo quando o réu confessa o crime, porque não se sabe em quais condições o acusado o fez

A tese da denúncia foi rechaçada até mesmo pelo promotor Carlos Roberto Talarico, no dia do júri. Ele pediu a condenação de André por homicídio culposo e afirmou que o promotor autor da denúncia tratou do crime como se fosse cometido contra o filho dele. Da mesma forma agiram os policiais quando tomaram o depoimento e os peritos que fizeram os laudos. Chegou a argüir a inépcia da denúncia.

A Defensoria Pública de São Paulo estuda entrar com ação de indenização por danos morais e materiais pelo tempo que André ficou preso. O advogado que o representou no júri foi Ivan Silveira Laino.

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