Pecados eclesiásticos

Padre é condenado a 16 anos de prisão por pedofilia

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28 de julho de 2007, 0h00

Numa decisão inédita, o Tribunal de Justiça de São Paulo não teve piedade, usou a força da lei dos homens e mandou para a cadeia um padre acusado de pedofilia. O réu chama-se Hélio Aparecido Alves de Oliveira, o padre Helinho. Ele é acusado de uma série de crimes de atentado violento ao pudor, com violência presumida (quando as vítimas são menores de 14 anos ou não podem oferecer resistência), contra três crianças, alunas do colégio onde era o diretor.

Nesta quinta-feira (26/7), o Tribunal paulista, por votação unânime, negou apelo do padre e aplicou contra ele a pena de 16 anos e três meses de reclusão. Cabem novos recursos – especial e extraordinário – aos Tribunais superiores (STJ e STF). O 3º juiz, Carlos Biasotti, que havia pedido vistas do processo, foi irônico ao proferir seu voto. O desembargador afirmou que só mesmo a providência divina poderia ter piedade da conduta do religioso.

O julgamento da apelação criminal foi iniciado na semana passada quando a defesa fez sustentação oral. Dois desembargadores – o relator e o revisor – votaram contra os recursos apresentados pelo padre e pelo Ministério Púbico Estadual. A defesa pedia a absolvição e a Procuradoria de Justiça o aumento da pena.

De acordo com a denúncia do Ministério Público Estadual (MPE), o cenário dos crimes foi Rio Claro, uma rica cidade do interior paulista, a 170 km da capital e o tradicional colégio católico dos claretianos. Segundo informações divulgadas durante o julgamento público do recurso, o padre abusava das crianças. Levava os alunos até a sala da diretoria, os colocava no colo e, com a desculpa de corrigir a caligrafia e os desenhos, os beijava e roçava seu órgão sexuai nas nádegas das crianças, que, na época, tinham entre 8 e 10 anos. Há notícias de que o sacerdote levaria, também, as crianças para um acampamento dormindo na cozinha, abraçado a elas. Um dos meninos teria começado a ser molestado a partir dos cinco anos.

Denúncia

O padre Hélio foi denunciado pelo Ministério Público Estadual pela prática de pedofilia por 15 vezes contra três crianças com idades entre 8 e 10 anos. Na época da denúncia, o padre era diretor da União das Faculdades Integradas Claretianas (Uniclar), do Colégio Integrado Claretiano de Rio Claro e da TV Rio Claro. Atualmente está afastado dos cargos. As vítimas eram estudantes do colégio, mantido pela Congregação Claretiana.

De acordo com o MPE, em sua empreitada o sacerdote contou com o auxílio e a complacência da coordenadora pedagógica da escola Geny Campanha Pecorari. Esta foi condenada a pena de 13 anos, seis meses e 15 dias de reclusão. O Ministério Público sustentou que os acusados abusaram da condição de educadores e Hélio, em especial, do cargo de diretor do colégio e da qualidade de sacerdote da ordem religiosa.

Palavra de carinho

A defesa contestou. Disse que às vezes um agrado, uma palavra de carinho poderia ser mal interpretada, principalmente depois de passado alguns anos. Alegou que não havia provas efetiva da materialidade dos delitos. Com respeito à autoria, bateu pela fragilidade, com o argumento de que a maioria dos depoimentos trazidos aos autos estava envolvida pela emoção e que quase todos relatam fatos que foram contados por terceiros.

O advogado do padre claretiano apelou contra sentença do juiz de Rio Claro que condenou o sacerdote. Em preliminar, pediu o reconhecimento da decadência ou a inépcia da inicial. No mérito reclamou a absolvição, pela fragilidade da prova trazida ao processo.

Habeas Corpus

Em 2004, o TJ-SP havia concedido Habeas Corpus a favor do sacerdote revogando o decreto de prisão preventiva contra ele. A tese aceita pela câmara julgadora foi a de que a liberdade do padre não colocava em risco a ordem pública.

A prisão preventiva havia sido decretada por ordem do juiz Durval José de Moraes Leme, da 1ª Vara Criminal de Rio Claro, em 16 de julho de 2004. O magistrado decidiu prender o padre depois do recebimento da denúncia apresentada pela promotora de Justiça Rosana Márcia Queiroz.

De acordo com a denúncia, os abusos teriam acontecido diversas vezes entre 2001 e 2004, mas só chegaram ao conhecimento da polícia em maio de 2004, quando a investigação foi iniciada.

O pedido de prisão foi feito pela polícia com base em laudos do IML que de acordo com a acusação confirmariam a violência sexual e em pareceres de psicólogos que examinaram as supostas vítimas. As investigações foram chefiadas pelo delegado regional Joaquim Dias Alves.

O Tribunal de Justiça, por votação unânime, decidiu revogar o decreto de prisão preventiva, e mandou expedir contramandado de prisão para impedir que o sacerdote pudesse responder ao processo em liberdade.

O pecado

A Igreja fez do celibato uma virtude e está pagando caro por isso. Denúncias de abusos sexuais contra crianças e adolescentes, envolvendo padres, religiosos e laicos, e indenizações milionárias dão o tamanho do problema. A crise desnudou a vulnerabilidade do Catolicismo, que ainda se prende ao conservadorismo moral e a rigidez doutrinária. O estrago foi tão grande que virou quase uma unanimidade a necessidade de mudança.

Em junho, o documentário da BBC, principal canal de televisão da inglaterra, Sex, crimes and the Vatican (Sexo, Crimes e o Vaticano) foi exibido em uma emissora de TV pública da Itália. No filme, o papa e a hierarquia católica são acusados de ter acobertado padres pedófilos, transferindo os mesmos de diocese ao invés de denunciá-los às autoridades civis. A instituição que tem como tradição tratar com discrição as denúncias de abusos sexuais em suas fileiras, desta vez, teve de agir diferente para proteger sua imagem.

E o primeiro sinal dessa mudança de atitude surgiu na metade deste mês. “A igreja está consciente de sua responsabilidade educativa para com a juventude e pretende ainda participar como protagonista na luta contra a pedofilia”. A declaração foi disparada pelo porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, ao comentar o acordo financeiro selado entre a Arquidiocese de Los Angeles com 508 supostas vítimas de abuso sexual por sacerdotes.

“A Igreja sente pelo sofrimento das vítimas e de suas famílias, devido às profundas feridas causadas por comportamentos graves e indesculpáveis de alguns de seus membros, e está decidida a se comprometer de todas as maneiras para evitar que se repitam similares vilezas”, completou o porta-voz.

Nos últimos anos vários casos envolvendo membros da Igreja Católica em prática de pedofilia chegaram à mídia internacional. As situações mais conhecidas ocorreram em Londres, Boston, Dallas e Los Angeles. No início a Igreja entendia que quanto mais raro ou exótico um fato, maior notoriedade merecia da opinião pública. O quadro mudou com a intensificação dos escândalos nos Estados Unidos e na busca de acordos com as supostas vítimas. A Igreja acordou para a realidade de que a acusação de pedofilia contra padres é uma página dolorosa de sua história recente.

Apelação 01.048.793.3/1-00

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