Causas quase perdidas

Idec comemora 20 anos e é comparado a São Judas Tadeu

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27 de julho de 2007, 14h20

“A existência de instituições como essas servem para mostrar o sinal amarelo aos poderosos. Collor, os veranistas do ministro Maílson da Nóbrega e o professor Luis Carlos Bresser Pereira são hoje conhecidos pelos prejuízos que deram ao andar de baixo”, disse o jornalista e escritor Elio Gaspari, ao fazer uma comparação entre o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e São Judas Tadeu, o santo das causas perdidas, em carta enviada para a ONG. (Leia a carta no final da notícia).

Gaspari foi um dos homenageados na cerimônia da entrega da segunda edição do Prêmio Idec Construção da Cidadania, para comemorar os 20 anos da ONG. A festa aconteceu na quinta-feira (26/7), em São Paulo, mas o jornalista não esteve na premiação – preferiu enviar uma carta especial em que agradeceu e elogiou a atuação da entidade. Segundo o apresentador do prêmio, jornalista Chico Pinheiro, ele manteve a tradição de nunca aparecer em premiações.

O cenário de um pouco desses 20 anos de história foi apresentado pela coordenadora-executiva e fundadora do Idec, Marilena Lazzarini, durante a cerimônia. A história do Idec começou com a influência na defesa da cidadania e dos direitos do consumidor. A contribuição de seus membros para a elaboração do texto do Código de Defesa do Consumidor foi importante. E a partir daí, o Idec conseguiu mais algumas vitórias. Trabalhou para tornar os testes de qualidade das camisinhas mais efetivo. Impediu, até quando pôde (leia-se aqui até a edição de uma Medida Provisória, editada pelo presidente Lula), a comercialização da soja transgênica. Lutou para que o Código de Defesa do Consumidor fosse aplicado também aos bancos. E o Supremo Tribunal Federal decidiu que ele se aplica aos bancos.

Na entrega do Prêmio Idec Construção da Cidadania, sete pessoas foram homenageadas. O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, estava entre os premiados que não compareceram. Ele está na Universidade do Texas. Todo ano ele vai até lá para dar aulas de Direito Ambiental Comparado. E foi justamente pela sua dedicação na defesa do meio ambiente que foi homenageado. Enviou uma mensagem dizendo que ficou feliz com o gesto do Idec e que, na verdade, a entidade é que deveria ser homenageada pela atuação.

“Poucas entidades no mundo usam tanto e com tanta eficácia os instrumentos do Judiciário para discutir questões de grande relevância para a sociedade”, declarou.

O jornalista André Trigueiro também foi homenageado pela atuação em defesa do meio ambiente. A jornalista Beth Carmona recebeu o prêmio pelas políticas educativas desenvolvidas pela ONG Mídiativa. A promotora do Ministério Público Federal Ela Castilho, o professor especialista em questões que envolvem mudanças climáticas José Goldemberg e o advogado Josué Rios também foram homenageados e homenagearam as atuações do Idec.

Entre os convidados para a solenidade estavam Roberto Pfeiffer, diretor do Procon-SP, e Luiz Antônio Guimarães Marrey, secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do governo paulista. Ele representou o governador José Serra (PSDB), que estava na missa de 7º dia de sua mãe. Segundo Marrey, é obrigação do Estado e do Ministério Público defender os cidadãos e seus direitos como consumidores, “mas nada substitui a vitalidade da sociedade civil organizada”. Ele cumprimentou o Idec pela sua atuação.

O geólogo e professor Aziz Nacib Ab’Sáber também estava entre os convidados. Disse que tem certa desconfiança em relação a ONGs, por muitas serem “explorativas e especuladoras”, mas que o Idec é diferente. Ele admira a política de educação desenvolvida pela entidade, “que é quase um organização cultural”, comemora.

Leia a carta enviada por Elio Gaspari

Atrás do qual se esconde São Judas Tadeu, das causas perdidas. Perdidas até a hora em que invoco o seu nome ou a sua sigla. Camisinhas inseguras? O Idec vai atrás, já em 1992, e verifica que, entre outras, a renomada Jontex não passava nos testes internacionais de qualidade. Depois de três anos de briga, o instituto prevaleceu. Já a briga contra os anabolizantes do gado de abate durou 17 anos.

Em todos os casos, como sucede com São Judas Tadeu, de início a causa parece perdida. Primeiro porque cada fiel que espera o milagre, acha que está sozinho. Depois, porque na outra ponta estão pessoas que se julgam valiosas, acima da lei. Em alguns casos, trata-se de cidadãos investidos provisoriamente de poderes que deveriam atender os interesses da República.

Quem nas reuniões secretas que produziram no Plano Collor haveria de se preocupar com as pessoas que seriam lesadas nas suas contas em cadernetas de poupança? O mesmo se sucedeu nos Planos Verão e Bresser. Em alguns casos, poucos, infelizmente, o Idec prevaleceu.

De qualquer forma, a existência de instituições como essas servem para mostrar o sinal amarelo aos poderosos. Collor, os veranistas do ministro Maílson da Nóbrega e o professor Luis Carlos Bresser Pereira são hoje conhecidos pelos prejuízos que deram ao andar de baixo.

A maioria dos triunfos do Idec dependeu de ações na Justiça e de pressões sobre os órgãos reguladores do governo. No entanto, não é só ali que está o problema. A maior parte das malfeitorias denunciadas pelo instituto ocorre em empresas que defendem o capitalismo com uma vaga idéia. Enquanto cultivam práticas estranhas aos hábitos da República, da democracia e do próprio capitalismo.

O imaginário dos fiéis ficaria empobrecido sem o Santo das Causas Perdidas. O direito dos consumidores brasileiros enriqueceu-se com o Idec. A ele agradeço a honrosa gentileza e repasso algumas palavras da oração do Santo: Judas Tadeu que operastes prodígios espantosos por virtude do espírito santo, rogai por nós.

Elio Gaspari

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