Defesa do consumidor

Os 20 anos do Idec, uma história a serviço da cidadania

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26 de julho de 2007, 17h26

[Texto de introdução do livro Idec, Vinte Anos Construindo a Cidadania, organizado pelo jornalista Snider Pizzo]

Vinte anos de história e avançando. Como sempre. Quem observa o arco de realizações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o Idec, no período que vai de sua fundação, em 1987, ao de uma ampla agenda de atividades, em 2007, concluirá que a idéia original não poderia mesmo ser apenas um efêmero sonho de visionários, num país onde o costume era o de atropelar os direitos do consumidor, da mesma forma como se atropelava qualquer direito de cidadania, como provara a recém-finda longa ditadura instalada em 1964.

Mas quem seguir o passo-a-passo da história do Idec vai ver que é preciso ser um pouco mais que visionário e que, em toda a linha do tempo, a organização se desenvolveu com genuína coerência em relação aos fundamentos que presidiram sua criação.

Se em 2007 a agenda do Idec conseguia ampliar o horizonte de sua atuação até o ponto de discutir questões como a da propriedade intelectual, visando o acesso democrático ao conhecimento, seus propósitos continuavam os mesmos da mobilização, no começo de sua história, para que os participantes do plano de expansão da estatal que então controlava a telefonia no Estado de São Paulo recebessem seus telefones fixos, depois de completado o pagamento antecipado da linha: sempre a busca da defesa dos direitos coletivos dos consumidores.

De certa forma, parece que uma coisa puxa a outra, como no velho papo em que histórias lembram outras, que lembram outras, que lembram outras mais. Mas no caso do Idec não há acasos quando se observa o conjunto das atividades da organização ao longo do tempo. As causas acumuladas só poderiam ter as conseqüências que tiveram. Exemplos? A eles.

Um: as causas que levaram a entidade a defender os direitos de seus associados contra os abusos dos planos e seguros de saúde, antes e mesmo depois da lei específica, teriam como inevitável conseqüência uma ação mais ampla, a da defesa do direito de todos à saúde pública de qualidade.

Outro: as ações para reaver as perdas das cadernetas de poupança causadas pelos sucessivos planos econômicos acabariam por levar o Idec a discutir todas as relações das instituições financeiras com os clientes: consumidores ou não? A discussão sobre essa questão durou anos, até o STF reconhecer, como defendiam o Idec e outras entidades, que as relações entre bancos e clientes estão, sim, sujeitas aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.

Apenas mais um: a necessária e exemplar discussão acerca do fato de que as contas de luz, água ou telefone eram incompletas e difíceis de compreender só poderia desembocar numa ampla ação de monitoramento de todos os serviços públicos, iniciada pelo instituto em 1999.

Ainda sobre o assunto, organizaria em 2006 o seminário “O Consumidor e as Agências Reguladoras”, para apresentar a terceira edição do ranking que preparou das principais agências e órgãos federais responsáveis por regular e fiscalizar a atuação de empresas privadas que prestam serviços de natureza pública.

A vigilância constante, a mobilidade permanente e a atuação em diferentes frentes de trabalho são características que o Idec aprendeu a aglutinar ao longo dos seus 20 anos de existência.

Vai longe o primeiro processo proposto em face da União, em 1988, para exigir o fim da engorda de gado com um hormônio cancerígeno proibido no exterior.

Com o tempo, outras campanhas se somaram a esta: o selo-pedágio, a denúncia dos anticoncepcionais inócuos e a defesa das suas vítimas nos tribunais, os testes com preservativos, os transgênicos, as perdas da poupança com os planos Bresser, Verão, Collor.

Ao longo das duas últimas décadas, a militância do Idec permeou um sem-número de relações de consumo conflituosas nas áreas de alimentos, finanças, saúde, serviços públicos, segurança e qualidade de produtos e serviços que resultaram em mais de 1.100 ações judiciais, das quais 700 estavam ainda em curso na Justiça em 2007.

Criada em julho de 1987, um ano antes da vigência da nova Constituição e três anos antes do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990), a entidade surgiu num momento em que o Brasil ainda engatinhava na formulação de uma política nacional de defesa do consumidor.

A nova Constituição introduziria alterações significativas na arquitetura e funcionamento do aparelho institucional do Estado, redefinindo as relações entre o poder público e a sociedade civil.

Nesse cenário em ebulição, coube justamente a um grupo de profissionais comprometidos com a defesa do consumidor, e com experiência acumulada no Procon, lançar a pedra fundamental do Idec, organização civil sem fins lucrativos e independente.

Desde o começo, o Idec assumiu o desafio de se tornar independente o bastante para poder conduzir a luta em defesa dos direitos do consumidor da forma como julgasse necessário: “Nossa experiência de governo nos mostrava que atender individualmente às demandas do consumidor é importante, para identificar os problemas a serem priorizados, mas não é suficiente. Queríamos dar um tratamento coletivo às questões, e isso era muito difícil porque ainda não havia no Brasil a cultura da mobilização do consumidor para a defesa dos seus interesses”, explicou Marilena Lazzarini, coordenadora executiva do Idec e uma de suas fundadoras.

Determinado a exercer a defesa do consumidor num plano coletivo, começando por participar ativamente da formulação da legislação específica e das políticas públicas capazes de levá-la a efeito, definiu para si próprio uma forma de militância jurídica voltada aos interesses públicos, que o diferenciava de um escritório de advocacia, na medida em que assumiu unicamente causas pertinentes à sua missão: “promover a educação, a conscientização, a defesa dos direitos do consumidor e a ética nas relações de consumo, com total independência política e econômica”.

Tornou-se interlocutor não só daqueles que integravam o mercado, com seu poder de compra, mas também dos excluídos, daqueles que estavam privados do acesso a alimentos e saúde de qualidade, a serviços públicos essenciais e à Justiça.

A preocupação com a universalidade dos direitos do consumidor levou o grupo que criou e implantou a entidade a entender que ações coletivas e civis públicas poderiam se transformar em ferramentas úteis para gerar mobilização social e garantir, dessa forma, a consolidação da democracia, o desenvolvimento social, o consumo sustentável e a saúde do planeta.

O surgimento de uma jurisprudência cada vez mais favorável ao reconhecimento dos direitos do consumidor, para a qual o próprio Idec deu uma contribuição decisiva, e da legitimidade das associações civis para ajuizar ações em defesa da coletividade fortaleceu a atuação das organizações.

Simultaneamente à ação jurídica, o Idec sempre cuidou da missão de informar e orientar o consumidor e propiciar a educação para o consumo responsável, com experiências que atingiram escala de política pública nacional, além de repassar sua experiência acumulada na prática para outras organizações e profi ssionais do direito.

Uma revista para os associados, livros, manuais para professores, guias e cartilhas para adultos e crianças sobre os temas relacionados com os direitos do consumidor e o consumo responsável, além de um site na internet representam melhor o acervo de conhecimento e prática acumulado pela entidade para informar, orientar, educar e instrumentalizar o cidadão para que ele saiba se defender.

Tudo isso com absoluta independência de governo, empresas e partidos. Desde o começo, o Idec perseguiu a auto-sustentação, exatamente para ser independente e poder, assim, atuar com toda a legitimidade e coragem de que são prova seus 20 anos de existência. No começo resultado da vontade de um punhado de voluntários, em 2007 o Idec contava já com 65 profissionais, treinados e capacitados aqui e, alguns, até no exterior. Uma assembléia de cerca de 300 associados plenos elege os conselhos diretor e fiscal, responsáveis pelos rumos da instituição. Seu orçamento de perto de R$ 4 milhões, em 2007, administrado com extremo zelo e parcimônia, fruto das anuidades pagas pelos seus cerca de 15 mil associados efetivos, garante a maior parte do custeio das suas atividades básicas e o funcionamento de suas áreas jurídica, administrativa, técnica e editorial.

Paralelamente, a entidade desenvolve projetos que lhe permitem ampliar seu horizonte de atuação e busca o apoio de financiadores nacionais e internacionais para a sua realização. Em parceria com órgãos públicos oficiais, produziu materiais didáticos voltados à educação para o consumo responsável.

No campo da solidariedade recíproca entre associações consumeristas igualmente independentes e eticamente afinadas, o Idec é membro – e presidiu entre 1998 e 2006 – do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC), com 24 associações de 13 estados. Uma força que repercute nas ações de defesa do consumidor, enriquece e amplia essa prática em âmbito nacional.

Enfim, o Idec é assim. Uma organização não-governamental diferente, que se tornou referência no terreno em que milita. Embora sem recursos financeiros, nasceu independente. Seu maior patrimônio – e decisivo – são as pessoas comprometidas de longa data com a luta pela cidadania dentro do Brasil e seus associados, entre os quais um grupo de beneméritos que sempre apoiou o Idec em momentos críticos – que não foram poucos, pode-se imaginar.

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