Poder de investigação

Ação contra delegados que questionaram poder do MP é suspensa

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23 de julho de 2007, 13h46

O Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu o interrogatório dos delegados de polícia Waldomiro Bueno Filho, José Antonio de Paiva Gonçalves e Antônio Luiz Marcelino, acusados de abuso de autoridade e denunciação caluniosa. A oitiva estava marcada para esta sexta-feira (20/7). O desembargador Luiz Pires Neto reconheceu que manter o depoimento poderia causar constrangimento ilegal. A Ação Penal também foi suspensa.

De acordo com o processo, depois de ataques do crime organizado na região do Vale do Paraíba (SP), no ano passado, o Ministério Público e a Polícia Militar deflagraram uma operação para prender os suspeitos. Foram feitas diligências de busca e apreensão, pessoas foram interrogadas, testemunhas ouvidas e perícias requisitadas, sem a participação da Polícia Civil.

Os delegados entenderam que MP e PM agiram com abuso, porque usurparam a função da Polícia Judiciária e determinaram a instauração de inquérito policial, remetido à Procuradoria Geral de Justiça. Na Procuradoria o procedimento foi arquivado.

Sentindo-se perseguido, o Ministério Público ofereceu denúncia contra Waldomiro, Bueno, Gonçalves e Marcelino. Na denúncia, sustenta que “delegado de polícia não pode instaurar inquérito policial contra juiz e promotor de Justiça em face de eventual prática de fato considerado criminoso. Ao agir assim, imputaram crime de abuso de autoridade do qual sabiam ser as vítimas inocentes, dando causa e instaurando inquérito policial para a apuração dos crimes de abuso de autoridade visualizados por eles”.

A Ação Penal foi aceita. Os delegados respondem por abuso de autoridade e denunciação caluniosa. O argumento foi de que eles atentaram contra os direitos e garantias legais dos membros do Ministério Público.

A defesa dos delegados, representada pelos advogados Alberto Zacharias Toron e Carla Domênico, entrou com pedido de Habeas Corpus para suspender o interrogatório e o andamento da Ação Penal.

“O fato de os pacientes ‘agirem, invadindo a atribuição exclusiva do Procurador Geral de Justiça’, instaurando inquérito policial em face de membro do Ministério Público, não demonstra a prática delitiva imputada. Muito menos há qualquer indicação concreta de que a instauração do inquérito tenha se dado de forma ardilosa para apurar o crime de abuso de autoridade ‘do qual sabiam ser as vítimas inocentes’”, alegou a defesa.

De acordo com a defesa, “a grande questão que a denúncia oferecida contra os pacientes esconde é o inconformismo dos membros do Ministério Público com o fato de não terem poderes investigatórios e, de fato, usurparem (eles sim!) as funções típicas da Polícia Judiciária. Pode ser – e este é o entendimento de alguns – que o Ministério Público possua poderes investigatórios. O fato, porém, é que o tema é altamente controverso havendo não poucos julgados que negam a existência de tais poderes”.

O desembargador Luiz Pires Neto acolheu os argumentos. Reconheceu que não conceder a ordem poderia causar constrangimento ilegal e que “a mera suspensão do andamento da ação não acarretará prejuízo algum à possível aplicação futura da lei penal”.

O andamento da Ação Penal fica suspenso até o julgamento do mérito do Habeas Corpus pela 2ª Câmara de Direito Criminal.

Leia o pedido de Habeas Corpus

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DA SEÇÃO-CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO (SP).

Os advogados ALBERTO ZACHARIAS TORON e CARLA VANESSA TIOZZI HUYBI DE DOMENICO, brasileiros, casado e solteira, inscritos na Secção Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, sob os números 65.371 e 146.100 com escritório na Av. Angélica, n.° 688, conj. 1.111, São Paulo (SP), respeitosamente, vêm à elevada presença de Vossa Excelência impetrar a presente

ORDEM DE HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

adiante explicitado em favor dos Delegados de Polícia WALDOMIRO BUENO FILHO, brasileiro, Diretor do Departamento de Policia Judiciária de São Paulo, Interior, (Deinter 6) Santos, portador da Cédula de Idendidade R.G. nº 3.626.851, com endereço na Av. São Francisco n.° 136, 2° andar, Santos; JOSÉ ANTONIO DE PAIVA GONÇALVES, brasileiro, Seccional da Delegacia Seccional de Polícia de Guaratinguetá, portador do R.G. n.° 8.381.927 e ANTONIO LUIZ MARCELINO, brasileiro, Delegado de Polícia do Deinter 1 — São José dos Campos em exercício na Delegacia Seccional de Polícia de Guaratinguetá, portador do R.G. n.° 8.899.819, com endereço na Rua Rangel Pestana, 195, Guaratinguetá, por estarem sofrendo constrangimento ilegal da parte do MM. Juiz de Direito da 4ª Vara Judicial da Comarca de Guaratinguetá (SP), que recebeu denúncia por fato atípico designando o interrogatório dos pacientes para o próximo dia 20 de julho (Ação Penal n.° 314/2007—cópia integral em anexo).


Os impetrantes arrimam-se no disposto no artigo 5°, LXVIII, da Constituição Federal, nos artigos 647 e 648, inciso I, do Código de Processo Penal e, ainda, nos relevantes motivos de fato e de direito a diante aduzidos.

Termos em que, do processamento,

Pedem deferimento.

São Paulo, 3 de julho de 2007.

ALBERTO ZACHARIAS TORON

O.A.B./SPn.° 65.371

CARLA VANESSA T.H. DE DOMENICO

O.A.B./SP n.° 146.100

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO:

COLENDA CÂMARA:

EMINENTE RELATOR:

EMINENTE PROCURADOR DE JUSTIÇA:

Ementa do pedido:

1. Pacientes, Delegados de Polícia, processados pelo crime de denunciação caluniosa e abuso de autoridade por terem instaurado inquérito policial para apurar crimes funcionais praticados, em tese, por membros do Ministério Público e Policiais Militares.

2. Conduta que lhes é atribuída em razão de terem usurpado a atribuição exclusiva da Procuradoria Geral de Justiça para investigar Promotores de Justiça, daí presumindo-se saberem ser os investigados inocentes.

3. Imediata remessa das investigações após a lavratura da Portaria ao Corregedor para encaminhamento ao Procurador Geral de Justiça, sem a realização de qualquer ato investigatório.

4. Convicção dos pacientes de que os membros do Ministério Público usurparam a função da Polícia Judiciária baseada em farta jurisprudência deste e. Tribunal e do STF.

5. Atipicidade da conduta. Ausência absoluta da intenção de investigar inescrupulosamente alguém que se sabia inocente.

6. Inexistência do crime de abuso de autoridade. Inexistência de qualquer violação à qualquer prerrogativa do MP.

I – SÍNTESE DA ACUSAÇÃO E DO OBJETO DO WRIT:

1. Os pacientes estão sendo processados pela suposta prática dos crimes de denunciação caluniosa (art. 339, do CP) e abuso de autoridade (artigo 3°, alínea “j”, da Lei n.° 4.898/65 ), em razão dos fatos assim narrados na denúncia:

“(…) Antonio Luiz Marcelino, José Antonio de Paiva Gonçalves e Waldomiro Bueno Filho, qualificados às fls. 86/87, agindo em concurso e com identidade de propósitos,. deram causa a instauração de inquérito policial e efetivamente instauraram inquérito policial, abusando de autoridade atentando contra os direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional das atribuições dos membros do Ministério Público, contra os Promotores de Justiça José Benedito Moreira e Tomás Busnardo Ramadan, 2° Promotor de Justiça de Guaratinguetá e 1° Promotor de Justiça de Lorena, imputando-lhes crimes de que o sabiam inocentes; imputando-lhes crimes de abuso de autoridade, “crimes funcionais” na expressão da respectiva Portaria, pela realização de diligências de busca e apreensão, realizada na cidade de Lorena, com autorização judicial.

Segundo apurado os ofendidos, na qualidade de Promotores de Justiça, o primeiro integrante do GAERCO-VP e o segundo, como Promotor natural da Comarca de Lorena, realizaram no dia 18 de agosto de 2.006 diligências de busca e apreensão na cidade de Lorena, diligências estas coordenadas pelo Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado na região e tendentes a combater o crime organizado, que mantinha no local “centrais telefônicas”.

Tais diligências de busca e apreensão foram autorizadas pelo Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de São José dos Campos.

As diligências foram frutíferas, gerando ações penais respectivas sendo que os denunciados, revoltados com a realização da diligência sem participação direta e presidência dos delegados locais, na expressão do denunciado Waldomiro abusiva por somente se admitir “Exceção só se permite onde não existe Estado de Direito Democrático. No Brasil existe império da Lei e de Ordem para garantia jurídica”, para satisfazerem pretensões próprias, atribuiram a conduta dos Promotores de Justiça a condição de crimes funcionais, mais especificamente crimes de abuso de autoridade, decidindo eles, em conjunto, pela instauração do abusivo inquérito policial.

Para emprestar aos crimes ares de legalidade, o denunciado Waldomiro Bueno, então Delegado do Deinter, encaminhou ao denunciado José Antonio, Delegado Seccional de Guaratinguetá, pedido de informações sobre a instauração do ilegal inquérito policial, incluindo em seu despacho como tipificadas a conduta dos Promotores em todas as figuras capituladas como crime pela Lei de Abuso de Autoridade. Na sequência, Antonio Luiz, Delegado Assistente, instaurou o inquérito policial, comunicando José Antonio ao primeiro o ato consumado.

Ao assim agirem, invadindo a atribuição exclusiva do Procurador Geral de Justiça (é sabido e consabido que o Delegado de Polícia não pode instaurar inquérito policial contra Juiz de Direito e Promotor de Justiça em face de eventual prática de fato considerado criminoso), imputaram crime de abuso de autoridade do qual sabiam ser as vítimas inocentes, dando causa e instaurando inquérito policial para a apuração dos crimes de abuso de autoridade visualizados por eles” (fls. 3/5 — doc.1).


1.1. Mesmo articulando fatos manifestamente atípicos, a denúncia foi recebida pela d. autoridade apontada como coatora (doc. 2) o que configura inegável constrangimento ilegal.

1.2. Colima-se com a presente impetração, liminarmente, apenas o sobrestamento dos interrogatórios dos pacientes, designado para o próximo dia 20 de julho e, no mérito, o trancamento da ação penal por falta de justa causa.

II- DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL:

2. A narrativa dos fatos descritos na denúncia demonstra a dinâmica em que estes ocorreram. No entanto, os articula como criminosos, quando crime algum existe na conduta dos pacientes.

2.1. É que, de fato, os ilustres Promotores de Justiça, em procedimento para se dizer, no mínimo, “incomum”, em “Mega-Operação” realizada no Vale do Paraíba, juntamente com a Polícia Militar, realizaram diligências de busca e apreensão, prenderam pessoas, interrogaram-nas, ouviram testemunhas e requisitaram perícias, tudo isso, estranhamente, sem qualquer participação da Polícia Civil (fls. 113/165 – doc. 3).

2.2. Tal proceder foi alvo de inúmeras críticas não só por parte dos pacientes, como das autoridades policiais de diversas cidades do Vale do Paraíba, que pediram a apuração dos fatos (fls. 302/313 – doc. 4).

2.3. Indignados com as notícias veiculadas (fls. 13, 15, 16 – doc. 5) e diante do Relatório de Inteligência que informava que “as pessoas “detidas” durante a diligência em epígrafe não foram conduzidas a qualquer Unidade Policial da Comarca, e sim conduzidas pela Polícia Militar até a Promotoria de Justiça de Lorena” (fls. 12 e 12 A – doc. 6), tomaram providências no sentido de determinar a apuração dos fatos.

2.4. Nesse contexto, em 31 de agosto de 2.006, o então Delegado de Polícia Assistente da Delegacia Seccional de Guaratinguetá, o paciente ANTONIO LUIZ MARCELINO, em despacho fundamentado, baixou Portaria nos seguintes termos:

“com fulcro no artigo 5°, inciso I, do Código de processo Penal, artigo 5°, LV e 144 §4°, da Constituição Federal, declaro instaurado o competente Inquérito Policial n.° 50/S/06, para apurar eventuais crimes funcionais ‘in thesi”, perpetrados pelos Representantes do Ministério Público, e Integrantes da Polícia Militar que participaram do trabalho investigativo questionado. Determino a Sra. Escrivã de Policia de meu cargo que após A.R. esta, adote as providências infra:

(…) 3. Nos termos do artigo 40, Parágrafo Úniico da Lei n.° 8.625 de 12.02.93, remeta-se o presente inquérito policial ao IImo. Juiz Corregedor da Polícia Judiciária da Comarca de Lorena, com o fito de conhecer e deliberar pelo envio ao Excelentíssimo Senhor Doutor Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo” (fls.11—doc. 7).

2.5. Antes da Portaria inaugural do Inquérito Policial, em 24 de agosto de 2.006, o paciente WALDOMIRO BUENO, despachando ofício encaminhado pelo Delegado Seccional de Polícia, o paciente JOSÉ ANTONIO DE PAIVA GONÇALVES, junto ao qual este último encaminhava o referido relatório do Setor de Inteligência, bem como matéria jornalística (fls. 11-A – doc. 8), determinou:

“Informe o Sr. Seccional se foi instaurado inquérito policial para apuração de eventual crime de abuso de autoridade nos termos da Lei 4.898/65, §3º, “a a f” e §4°, “a a i”.Providencie representação sobre o abuso, encaminhando cópia à O.A.B. local e nacional, ao MP e ao Tribunal de Justiça. Após, cls. para outras providências.

Obs: Exceção só se permite onde não existe Estado de Direito Democrático. No Brasil existe o império da Lei e de Ordem para garantia jurídica” (fls. 11-A — doc. 8 – verso).

2.6. Em 18 de setembro de 2.006, o paciente ANTÔNIO LUIZ MARCELINO encaminha ofício ao MM. Juiz Corregedor “com o fito de conhecer e deliberar pelo envio ao Excelentíssimo Senhor Doutor Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo” (fis. 22 – doc. 9).

Eminentes Desembargadores:

2.7. Desde logo, devem-se fazer três considerações:

i) o Inquérito Policial foi instaurado para apurar eventuais crimes funcionais “in thesi”, perpetrados pelos Representantes do Ministério Público e Integrantes da Policia Militar que participaram do trabalho investigativo questionado;

ii) observa-se, no entanto, que além da Portaria, não foi realizado qualquer ato investigatório por parte dos pacientes;

iii) ao contrário, desde a Portaria, destacou- se a necessidade de encaminhamento do expediente ao Procurador Geral de Justiça, o que, efetivamente, ocorreu.

2.8. Colocados os fatos no seu devido lugar, observa-se que as condutas imputadas aos pacientes na inicial acusatória não configuram de forma alguma o delito de abuso de autoridade e, muito menos, o de denunciação caluniosa. É que, com a devida venia, o fato de os pacientes “agirem, invadindo a atribuição exclusiva do Procurador Geral de Justiça” (fl. 4 – doc. 1), instaurando inquérito policial em face de membro do Ministério Público, não demonstra a prática delitiva imputada. Muito menos há qualquer indicação concreta de que a instauração do inquérito tenha se dado de forma ardilosa para apurar o crime de abuso de autoridade “do qual sabiam ser as vítimas inocentes”(fl. 5 – doc. 1).


3. Eminentes Desembargadores, ainda que os pacientes, autoridades policiais de alta patente dentro da Polícia Civil, tenham, nas palavras da denúncia, “invadido a atribuição do PGJ” e lavrado a Portaria do Inquérito Policial — insista-se, sem a realização de qualquer ato investigatório – quando, segundo as “sedizentes vítimas” deveriam ter apenas comunicado os fatos ao Procurador Geral de Justiça para que lá, se o caso, fosse instaurado inquérito, é evidente que daí não decorrem as práticas criminosas imputadas aos pacientes.

3.1. Fosse diferente, toda a investigação instaurada por autoridade incompetente, remeteria à denunciação caluniosa, o que, com todo o respeito, representa um rematado disparate.

3.2. Aliás, não é demais dizer que a Lei Orgânica do Ministério Público em seu artigo 40, inciso IV dispõe que é prerrogativa dos membros do Ministério Público “ser processado e julgado originariamente pelo Tribunal de Justiça de seu Estado…” e, no parágrafo único do mesmo artigo destaca: “quando no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar remeterá, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador Geral de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração”.

3.3. Ora, daí se depreende que os pacientes nada fizeram de errado e, muito menos, de ilícito. Imediatamente após instaurado o inquérito policial determinaram o seu encaminhamento ao Corregedor para que este o remetesse ao Procurador Geral de Justiça, exatamente como obriga a lei. Nenhum ato, absolutamente nenhum ato de investigação para apurar os fatos envolvendo os Promotores de Justiça foram praticados pelos pacientes.

3.4. Dessa forma, a afirmação de que, ao terem instaurado inquérito policial contra membros do Ministério Público sabendo que não tinham atribuição, praticaram o crime de denunciação caluniosa e abuso de autoridade, é, para se dizer o mínimo, esdrúxula.

3.5. Da mesma forma e, aqui parece ser o ponto fulcral da acusação e sua consequente atipicidade, da narrativa dos fatos não se vislumbra qualquer intenção dos pacientes de investigar alguém que sabiam inocente. A intenção única e exclusiva era apurar os fatos que, em tese, aos olhos dos pacientes, pareciam configuradores do delito de abuso de autoridade ou outro crime funcional não nominado.

3.7. O artigo 339, do Código Penal, indica constituir crime a conduta de quem:

“DAR CAUSA A INSTAURAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL OU DE PROCESSO JUDICIAL CONTRA ALGUÉM, IMPUTANDO-LHE CRIME DE QUE O SABE INOCENTE”.

Analisando-se o tipo penal, constata-se que se exige para a sua caracterização três requisitos fundamentais:

i) uma pessoa determinada, ou seja, quem se acusa de crime de que o sabe inocente deve ser identificado;

ii) o elemento subjetivo do tipo, qual seja, o dolo específico de dar causa, propositadamente, a investigação ou processo judicial, sabendo conscientemente que o acusado é inocente e,

iii) saber, sem qualquer dúvida, ser inocente quem se acusa.

3.8. Como é indiscutível, de fato, foram os pacientes responsáveis (direta ou indiretamente) pela instauração de investigação policial em face dos representantes ministeriais. No entanto, também é indiscutível que não o fizeram sabendo-os inocentes, como exige o tipo penal.

4. Eminentes Desembargadores: a conclusão da inicial acusatória é manifestamente divorciada da realidade fática. Não há qualquer elemento, ainda que indiciário, que demonstre que os pacientes instauraram o inquérito policial sabendo ser inocentes aqueles que se pretendia investigar. Aliás, a Portaria é muito clara dizendo que se instaurava o inquérito para apurar “EVENTUAIS CRIMES FUNCIONAIS “IN THESI”, PERPETRADOS PELOS REPRESENTANTES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E INTEGRANTES DA POLÍCIA MILITAR…” (fls. 10).

4.1. Remarque-se: o inquérito pretendia apenas apurar fatos.

4.2. Ora, como é iterativo em nossa jurisprudência:

“Ementa oficial: Para a configuração do crime tipzficado no art. 339 do CP, é preciso que o autor tenha plena certeza da inocência da vítima e mesmo assim dê causa à instauração de investigação policial ou judicial contra alguém. imputando-lhe crime que o sabe inocente “(TRF 2ª Região, Rel. Des. Fed. SILVÉRIO CABRAL, RT 736/713).

4.3. No corpo do v. acórdão, se afirmou:

“… Não basta para a configuração do crime em tela, tipificado no art. 339 do CP, que a polícia, ao checar as ‘denúncias’, realize diligências e conclua pela inocorrência dos fatos narrados, conforme destaca a denúncia do órgão do MP Federal, é preciso, sim, que tenha o autor a intenção de “dar causa à instauração de investigação policial ou processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime que o sabe inocente”.


Assim é que leciona o Prof Damásio E. de Jesus, valendo transcrever:

“Não há delito quando o sujeito apenas tem dúvida a respeito da existência do crime ou de sua autoria. A figura típica requer que tenha plena certeza da inocência da vítima”(in Direito Pnal, 4º Vol, Parte Especial, Saraiva, 6ª Ed.).

Não discrepa dessa orientação Celso Delmanto, anotando que: “Tipo subjetivo: É o dolo direito, não bastando o dolo eventual, pois o agente precisa saber, sem dúvida, que o imputado é inocente”. (in Código Penal Comentado, Renovar, 3ª ed.) “(RT 736/713).

4.4. No mesmo sentido:

“DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA — Descaracterização — Imputação de fato criminoso por agente que tinha dúvida quanto à inocência do imputado — Inteligência do art. 339, do CP.

Ementa da Redação. Para a tipificação do delito de denunciação caluniosa é necessário que o sujeito ativo tenha ciência da inocência do imputado, seja porque não foi ele o autor do crime, ou porque o delito não existiu, pois o simples estado de dúvida descaracteriza o delito do art. 339 do CP” (TJMG, Rel. Des. ODILON FERREIRA, RT 757/618).

4.5. E no corpo do v. aresto, lê-se:

“Ora, necessário se faz, para a tipificação do referido crime que o sujeito ativo tenha ciência da inocência do imputado, “seja porque não foi o autor do crime seja porque o delito não existiu “(Celso Delmanto, Código Penal comentado, 3ª. Ed. 1991, p. 520).

“Exige o nosso Código o dolo direito em relação ao conhecimento da inocência do acusado. É necessário que o gente saiba, sem qualquer dúvida, que a acusação é falsa, agindo, assim, de má-fé, que não se excluiu pela forma dubitativa da denúncia. O dolo eventual não basta. O elemento subjetivo do crime consiste na vontade conscientemente dirigida à provocação de investigação policial ou processo contra alguém, atribuindo-lhe crime de que o sabe inocente”( ALBERTO SILVA FRANCO, “Código Penal e sua interpretaçâo jurisprudencial”, 5ª. Ed., p. 3.216, 1995,)”(’RT 757/619).

4.6. E continua o v. aresto:

“E, a propósito, nossos Tribunais há muito vêm orientando no sentido de que: « A denunciação caluniosa exige consciência da inocência do imputado. O simples estado de dúvida afasta a tipicidade do delito» (nesse sentido, RT 549/315 e RT 612/288). E que: «O delito de denunciação caluniosa pressupõe a acusação contra alguém, ciente aquele que acusa de ser falta, caluniosa, a imputação. Exige-se a má-fé, o dolo direito na provocação do procedimento contra outrem, sabendo o denunciante que este é inocente” (‘RJTJSP 3/358-359).

Inclusive este nosso E. Tribunal de Justiça já deixou consignado que:

«Para a caracterização da denunciação caluniosa é indispensável se prove o dolo específico» (TJMG — ac. Rel. Des. Maurício Delgado, RT 634/326) – (RT 757/620)”.

4.7. E ainda:

“DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA — Descaracterização — ausência de dolo específico.

Ementa da redação: Configura-se o crime de denunciação caluniosa através do dolo específico, onde o denunciante tem a consciência de que não existiu o fato e, mesmo assim, acusa alguém inocente, dando causa a investigação policial ou processo criminal, Inexistente o dolo específico, descaracterizado está o delito” (TJSP, lª Câm., Rel. Des. DAVID HADDAD, RT 739/586).

4.8. No corpo v. aresto deste e. Tribunal de Justiça, citando outro precedente lê-se:

‘O crime de denunciação cailuniosa exige o dolo específico para a sua configuração, consistente em ter o denunciante consciência de que não existiu o fato e mesmo assim acusar alguém inocente, dando causa a investigação policial ou processo criminal”(TJSP — HC — rei. Des. Gonçalves Santana — RT 393/63) – (TJSP, 1ª Câm., Rel. Des. DAVID HADDAD, RT739/586).

5. Se é assim, eminentes Desembargadores, seja porque o simples fato de os pacientes terem instaurado inquérito policial, quando, segundo o Ministério Público, não teriam atribuição para fazê-lo; seja porque os pacientes não deram causa à investigação para apurar fatos relacionados a Promotores de Justiça que sabiam inocentes, é manifesta a atipicidade do crime imputado.

5.1. A grande questão que a denúncia oferecida contra os pacientes esconde é o inconformismo dos membros do Ministério Público com o fato de não terem poderes investigatórios e, de fato, usurparem (eles sim!) as funções típicas da Polícia Judiciária. Pode ser – e este é o entendimento de alguns – que o Ministério Público possua poderes investigatórios. O fato, porém, é que o tema é altamente controverso havendo não poucos julgados que negam a existência de tais poderes.

5.2. Aliás, a col. 16ª Câmara deste Tribunal de Justiça de São Paulo, por votação unânime, em acórdão da lavra do em. Des. CLAUDIO CALDEIRA, negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público, destacando ser:


“Inegável que a atual ordem jurídica constitucional (e, por subordinação, a ordem jurídica infra-constitucional) não confere ao Ministério Público a possibilidade de realizar ou presidir atos investigatórios criminais. (…) Cabe-lhe, pois, e com exclusividade, a promoção da ação penal pública. E a ação penal é posterior ao inquérito, com ele não se confunde. Se fosse permitido ao Ministério Público a realização de investigação policial (a própria palavra já é referencial, pois diz respeito à polícia), a Constituição Federal o afirmaria, tanto que o fez quando tratou do inquérito civil e a ação civil pública, pois registrou, no art. 129, III, são funções institucionais do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”(RSE n.º 822612.3/8, 23/1/2006).

5.3. Não por outra razão, a e. Segunda Turma do col. Supremo Tribunal Federal em recente acórdão da lavra do eminente Min. NELSON JOBIM, confirmou que “a Constituição Federal dotou o Ministério Público de poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. A norma constitucional não contemplou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e presidir inquérito policial” (RHC n.º 81.326-7/DF, DJ 6.05.2003). No seu voto, invocando precedente do preclaro Min. NELSON HUNGRIA, Sua Excelência destacou que “o Código de Processo Penal não autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da competência, ou seja, a substituição da autoridade policial pela judiciária e membro do MP na investigação do crime”.

5.4. Também por isso, em acórdão da lavra do eminente Desembargador OLIVEIRA RIBEIRO, deste col. Tribunal de Justiça, destaca-se:

“É certo que a investigação plausível ao órgão do Ministério Público, para legitimar a sua convicção sobre a existência de uma infração penal, há de ser a de natureza complementar, para que não haja, em hipótese alguma, a derrogação do preceito do artigo 144, § 4º, da Constituição Federal.

Claro está que se o Promotor de Justiça urdiu a investigação centrando-a totalmente em suas mãos, suprimindo com esta inusitada invasão a competência da Polícia Judiciária, nula será a denúncia conseqüente a esta elocubração substitutiva da adequada função policial”(HC n.º 368.651.3, julgado em 26.03.2002).

5.5. Aliás, não foi à toa que, o Ato n.º 168/98-PGJ-CGMP editado pelo Exmo. Procurador Geral de Justiça e o Corregedor-Geral do Ministério Público com fundamento na Lei Complementar n.º 734 de 24 de novembro de 1998 estabelece, em seu artigo 105, que “os Promotores de Justiça Criminais poderão instaurar procedimento administrativo, de ofício ou em face de representação ou outra peça de informação, quando houver necessidade de esclarecimentos complementares para formar seu convencimento”. É que, as investigações criminais principais competem exclusivamente à polícia civil.

5.6. No entanto, no caso em exame, os representantes do MP tomaram para si a totalidade das investigações e, sem que nenhuma diligência fosse requisitada à Polícia Judiciária, investigaram os fatos tidos como delituosos até a sua conclusão, chegando, inclusive, como já se disse, a deter pessoas e interrogá-las em seu gabinete.

5.7. Tal proceder viola frontalmente o entendimento do col. Supremo Tribunal Federal segundo o qual “é inconcebível que se chegue à conclusão de que o Ministério Público deva, ele próprio, atuar como parte e, também, como órgão investigador das circunstâncias de um possível crime“ (Min. MARCO AURÉLIO, in: Informativo da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, ano I, nº 03, setembro/2000).

5.8. No mesmo sentido, v. acórdão da Col. Terceira Câmara Criminal deste e. Tribunal de Justiça:

“(…) há um aspecto preocupante com relação à investigação empreendida pelo Ministério Público. Ele será parte na ação penal possivelmente instaurada. Não seria tentado a assumir ações unilaterais de acusação, produzindo, na fase pré-processual, provas, averiguando somente os fatos que o autorizassem a denunciar? Dir-se-á que também a Polícia Judiciária e o Poder Judiciário, este em hipóteses restritas, agem assim. Mas a polícia não é parte no processo-crime que eventualmente se instalará. Também não o é o juiz. Afirmar-se-á que também ao investigado é dado produzir prova que o favoreça. Sim, mas não com o aparato estatal a auxiliá-lo”. (HC n.º 394.150.3/5, Rel. Des. WALTER GUILHERME, j. 5.11.2002).

5.9. Por aí se vê que quando o paciente WALDOMIRO escreveu “Exceção só se permite onde não existe Estado de Direito Democrático. No Brasil existe o impérito da Lei e da Ordem para garantia jurídica”, estava absolutamente convencido, não de que as prerrogativas do MP haviam sido ofendidas, mas exatamente o contrário, as da polícia é que o foram e daí, a apuração de abuso de autoridade. Aliás, exatamente, pela controvérsia (vexata quaestio) existente em torno das supostas “prerrogativas investigatórias” do MP é que não se pode falar em abuso de autoridade. E como quer que seja, a posterior instauração do inquérito policial, na verdade, um ato meramente formal, já que logo se remeteu o expediente à Procuradoria Geral de Justiça, em nada afetou “os direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional” do Ministério Público.


6. Ora, se os pacientes acreditavam, como acreditam, que o poder investigatório não é direito e garantia do Ministério Público e, por isso, deram início à investigação que entendiam absolutamente legítima diante da evidente usurpação das funções da Polícia Judiciária exercida de forma exclusiva pela Polícia Civil, é evidente que não praticaram abuso de autoridade.

6.1. Como lecionam os eminentes Des. GILBERTO PASSOS DE FREITAS e VLADIMIR PASSOS DE FREITAS sobre o crime de abuso de autoridade previsto na alínea “j”, da Lei n.º 4.898/65, referindo-se aos direitos previstos com relação aos advogados, mas que se aplica na mesma medida aos Promotores de Justiça, “o intérprete deve ter cautela na análise da máteria. Não deverá concluir, apressadamente, que qualquer violação daquele dispositivo implicará crime de abuso de autoridade. Nem sempre a autoridade, ou seu agente, desobedecendo a um daqueles itens, estará incorrendo em delito. Imprescindível será que esteja agindo com dolo” (“Abuso de Autoridade”, 9ª ed., São Paulo, ed. RT, 2000, p. 62).

6.2. Ademais, segundo os referidos autores, como se depreende do Projeto 741/72, do Dep. JOSÉ ALVES, referida alínea tem como objetivo “assegurar o livre exercício profissional” e, “embora a inovação tenha sido criada visando o exercício da advocacia, a verdade é que o texto alcança todas as profissões regulamentadas” (ob. cit., p. 61).

6.3. Em primeiro lugar, deve-se dizer que a conduta dos pacientes não violou o exercício profissional dos Promotores de Justiça ou impediu que este fosse exercido. Aliás, o inquérito foi instaurado após a realização das condutas pelos representantes do Ministério Público, que se reputou abusivas porque fora da atribuição ministerial.

6.4. De outra parte, ainda com os ils. autores acima citados, “cuida-se de norma penal em branco, uma vez que para existir o atentado é necessário que haja direitos e garantias previstos em lei específica” (ob. cit., p. 62). Ora, qual lei prevê especificamente que os Promotores de Justiça possam exercer todas as funções da Polícia Judiciária, realizando com exclusividade as investigações, prendendo pessoas, requisitando perícias, interrogando acusados?

6.5. Não se encontra entre os direitos e garantias dos membros do Ministério Público, com a devida venia e, por mais controvertida que seja a matéria, o tipo de atuação exercida pelos Promotores de Justiça que se dizem vítimas dos pacientes.

6.6. Eminentes Desembargadores, os pacientes agiram dentro da sua convicção e na linha dos inúmeros julgados antes transcritos: os membros do Ministério Público usurparam a função da Polícia Judiciária e, por isso, suas condutas mereciam ser investigadas porque, em tese, poderiam configurar “crime funcional” ou “abuso de autoridade”.

6.7. Certa ou errada a intelecção dos pacientes, amparada, insista-se, em abalizada jurisprudência antes citada, não se pode conceber imputação do delito de abusto de autoridade e, tampouco, denunciação caluniosa. Aliás, em antigo julgado do colendo Superior Tribunal de Justiça sobre este último crime, se decidiu:

“HC – PREFEITO MUNICIPAL – DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA – FALTA DE JUSTA CAUSA – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

Não se pode falar em denunciação caluniosa quando o acusado tinha motivos veementes para crer em prática delituosa, por parte do denunciante. Trancamento da ação penal que se impõe, visto descaracterizado o tipo penal que é o dolo direito pela certeza do agente da inocência do imputado (art. 339, do CP).”(STJ, Rei. Mm. CID FLAQUER SCARTEZZINI, HC 3795/SP, DJ 26.02.1996).

7. Afora o mais, é preciso observar que a denúncia foi oferecida sem qualquer tipo de investigação prévia que permitisse afirmar que os pacientes agiram com o dolo específico necessário à configuração da denunciação caluniosa. Tudo ficou no campo das presunções. As afirmações lançadas na denúncia são, na verdade, hipóteses situadas no terreno das conjecturas.

7.1. É por isso que em casos como o dos autos, o colendo Supremo Tribunal Federal, pela voz do eminente Ministro MOREIRA ALVES já decidiu:

“As circunstâncias existentes ainda são imprecisas para servir de base ao juízo que delas se pretende extrair, o que importa dizer que a denúncia se estriba, não em presunção comum decorrente de indícios, mas em conjecturas ou suposições, que são juízos sem base precisa.

E mesmo para a denúncia é necessário que as circunstâncias em que ela se baseia autorizem a conclusão a que ela chega, o que, no caso, não ocorre” (RTJ 128/1.238).

7.2. Com a mesma propriedade, neste passo, a lição do eminente Desembargador DANTE BUSANA:

“A persecução penal (…) não pode ter lugar sem razão de direito que a legitime, ou, nas palavras da lei, sem justa causa. Essa razão de direito varia de intensidade conforme a fase da persecução penal e na medida em que, no seu interesse, seja necessário restringir o direito de liberdade. Assim, para a instauração de inquérito policial basta a simples suspeita (notitia criminis), para o processo a suspeita fundada sobre a existência do crime e autoria (fumus boni juris) e para a prisão cautelar o fumus boni juris e a urgência (periculum in mora). Porque este é o sistema do Direito Processual Penal moderno e da nossa lei, a imputação deve ter por lastro suspeita fundada geradora do juízo de probabilidade, que só elementos concretos podem autorizar. Esses elementos devem instruir a denúncia, de sorte a patentear, desde logo, a existência de justa causa”(RJTJSP, Lex 158/324).


7.3. Como parece claro, eminentes Desembargadores, não é esta situação lembrada na lição do eminente Des. DANTE BUSANA, que se vislumbra no caso em exame. Aqui há um vazio absoluto. Uma acusação recebida pela d. autoridade coatora sem qualquer lastro. Pura conjectura.

7.4. Já ensinava o saudoso e eminente Prof. JOSÉ FREDERICO MARQUES que o processo penal atinge o “status dignitatis” do cidadão, donde exigir-se, para a instauração da ação penal, a existência de “fumus boni iuris”, a fim de que possam ser minimizados os riscos de sujeitar-se alguém indevidamente à condição de réu em um processo-crime.

7.5. Por isso é que “a denúncia ou a queixa, além de conter a descrição de crime em tese, deve, também e obrigatoriamente, apoiar-se em indícios razoáveis de autoria, guardando estreita compatibilidade com o elenco das provas amealhadas na fase investigatória que lhe tenha servido de base. Não pode ser recebida, por exemplo, a denúncia que, embora descrevendo crime em tese, possa ter sido fruto da criação mental de seu subscritor, sem o mínimo amparo em alguma prova”(HC n.º 341.802/9 – TACRIM/SP).

7.6. É, em suma, “preciso primeiro investigar e, depois, processar, com respaldo de elementos indicativos do fumus boni iuris, porque, do contrário, havendo descompasso, divórcio entre a imputação fática e os elementos formadores coletados no inquérito, se impõe a declaração de inépcia da denúncia” (TJSP, HC n.º 293.772-3/7, 5ª Câm. Criminal, rel. Des. CELSO LIMONGI, j. em 07/10/99, apud: Boletim da AASP n.º 2171).

7.7. Ante o exposto e, sobretudo, contando com os doutos suprimentos de Vossas Excelências, aguarda-se o reconhecimento da inépcia material da denúncia e o conseqüente trancamento da ação penal por falta de justa causa, como medida da melhor J U S T I Ç A!

III – DO PEDIDO LIMINAR:

8. O fumus boni iuris encontra-se evidenciado por toda a argumentação acima exposta a qual demonstra que os pacientes não deram causa à investigação contra pessoa a qual sabiam inocente e, muito menos, violaram qualquer direito ou garantia dos membros do Ministério Público prevista em lei. Os pacientes são Delegados de Polícia exercendo altas funções dentro da Polícia Civil. Instauraram o inquérito policial para apurar fatos que em tese poderiam configurar prática criminosa. Tal hipótese, seguindo a intelecção deste e. Tribunal de Justiça, como acima destacado, jamais poderia configurar os crimes imputados na denúncia.

8.1. O periculum in mora também é inquéstionável na exata medida em que os pacientes serão interrogados no próximo dia 20 de julho em ação penal manifestamente carente de justa causa e, dadas as relevantes funções públicas que exercem, o interrogatório atinge de forma inapagável suas reputações.

8.2. Bem por isso, como procedentemente adverte o eminente Min. CELSO DE MELLO:

“A medida liminar, no processo penal de habeas corpus, tem o caráter de providência cautelar. Desempenha importante função instrumental, pois destina-se a garantir – pela preservação cautelar da liberdade de locomoção física do indivíduo – a eficácia da decisão a ser ulteriormente proferida quando do julgamento definitivo do writ constitucional” (RTJ 147/962).

8.3. Em face do exposto, em caráter liminar, a fim de se evitar prejuízo irreparável aos pacientes, roga-se apenas o sobrestamento do interrogatório designado até o final julgamento deste writ.

8.4. Ao final, contando com os doutos suprimentos de Vossas Excelências, aguarda-se o reconhecimento o trancamento da ação penal por falta de justa causa com a concessão da ordem como medida de

J U S T I Ç A !

São Paulo, 3 de julho de 2.007.

ALBERTO ZACHARIAS TORON

O.A.B./SP n.º 65.371

CARLA VANESSA T.H. DE DOMENICO

O.A.B./SP nº 146.100

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