Tiete de tribunal

Conheça seu Israel, o maior frequentador de Júri do Brasil

Autor

21 de julho de 2007, 0h00

A não ser que o caso tenha um réu ou uma vítima famosa, o Tribunal do Júri não costuma atrair a atenção do público leigo. Não chega a ser um programa atraente assistir às sessões intermináveis de julgamento, quebrando a cabeça para entender o intrincado linguajar jurídico e acompanhar a desgastante estrutura do processo — oitiva do réu, das testemunhas, leituras de peças, debates, sentença. Além disso, Júri não tem hora certa para começar e muito menos para acabar, sem contar que, com freqüência, tem de ser adiado para satisfazer às manobras da defesa ou acusação. Mas é justamente o fator surpresa que transformou o seu Israel num freqüentador assíduo do Plenário do Júri na Barra Funda, zona oeste de São Paulo.

Feirante aposentado, 67 anos, semi-alfabetizado (mas muito bem articulado), Israel Laércio André, há dois anos, ocupa uma cadeira no 1º Tribunal de Júri de São Paulo, três vezes por semana. O estranho hobby começou por acaso. Ele passava na frente do Fórum Ministro Mário Guimarães e resolveu entrar para conhecer o prédio. Assistiu a uma sessão plenária do Júri e nunca mais passou uma semana sequer sem comparecer ao tribunal.

Seu Israel não só é conhecido de todos como conquistou a confiança dos funcionários da casa. Ele é cumprimentado pelo juiz e pela faxineira. Não passa por ninguém sem desejar boa tarde. Tem acesso aos lugares de uso restrito e de tomar café diretamente na copa.

No Plenário, escolhe cuidadosamente o lugar para se instalar — sempre na primeira fila, do lado esquerdo de quem entra na sala do Júri, de onde tem a melhor visão dos jurados e da tribuna do juiz. Não fica sem receber o aperto de mão do juiz, promotor e defensor. Tem advogado que mostra para ele peças do processo, empresta livro, recomenda filme. “O júri é minha casa”, admite.

De tantos júris, seu Israel adquiriu o que pode ser chamado de notório saber jurídico — pelo menos em matéria criminal, que é de que trata o Tribunal de Júri. Ele não diz jurados, mas sim “conselho de sentença”. Afirma que o promotor apresenta, depois da “sentença de pronúncia”, o “libelo crime acusatório”. Sabe que jurado gosta de ser chamado pelo nome quando promotor e defensor tentam convencê-los e é capaz até de explicar o princípio da presunção de inocência.

“O Tribunal do Júri é uma aula gratuita de Justiça, conhecimento e cidadania. Pena que só é divulgado quando o crime tem grande repercussão. Mas não é o personagem que faz um júri ser bom, mas sim a tese discutida”, afirma seu Israel.

Ele conta que já ajudou até defensor a escolher o conselho de sentença. “Era o primeiro júri de uma advogada dativa. Percebi que ela estava nervosa e fui conversar. Dei dicas sobre como escolher os jurados e o cliente dela foi absolvido. Somos amigos até hoje”, conta.

“Dá para perceber se alguém será um bom jurado pelo olhar dele quando é sorteado”, ensina. Um bom jurado, para ele, é aquele que tem experiência e que gosta da missão. “Jurado que faz cara feia ao ser sorteado, não vai dar certo”, diz ele.

Espectador inusual de um espetáculo inusitado, seu Israel é testemunha freqüente de histórias incomuns. Numa tarde de julgamento, ele viu o que achava ser uma mulher ser conduzida por um policial homem até o banco dos réus. Estranhou o fato, já que quando o réu é mulher, quem a acompanha até o tribunal é uma policial, e decidiu ficar até o fim para tirar a dúvida. “O nome dela era Cláudio e fiquei admirado por ser uma mulher perfeita”. O travesti Cláudio foi absolvido. “O conselho de sentença entendeu que o crime foi praticado por injusta provocação da vítima e forte emoção”, diz.

De tanto freqüentar o Júri,seu Israel aprendeu lições que não estão nos livros e que não são ensinadas na escola. Só de reparar no comportamento do juiz e do promotor ele já é capaz de antecipar qual será o destino do réu. “Se o juiz manda tirar a algema do réu é porque confia na tese da defesa. Se pede para o réu demonstrar os golpes do suposto crime, é porque desconfia do laudo dos peritos e da denúncia do Ministério Público. É absolvição na certa”, garante.

Seu Israel também descobriu hábitos de juízes, advogados e promotores. Tem promotor que não cumpre as duas primeiras horas de debate porque fuma demais; tem advogado que não fala no plural e juiz que passa quase todo o tempo despachando outros processos e não dá atenção ao debate no plenário. “Já vi até réu fugir”, conta. A intimidade com o Júri chegou ao ponto de seu Israel saber como promotor e advogado vão cumprimentar o juiz, antes dos debates. “O autor mais citado é Dostoiévski”, completa.

Família de luta

Seu Israel abandonou a escola na terceira série do ensino fundamental para trabalhar. Entre seus amigos de infância estavam Eder Jofre, o maior campeão de boxe que o Brasil já produziu, e o atleta Adhemar Ferreira da Silva, bicampeão olímpico no salto triplo (em 1952 e 1956). Na adolescência, treinava boxe com Éder. O técnico era Kid Jofre, pai de Éder.

Ele desistiu do boxe depois que perdeu uma luta. “O juiz disse que perdi, mas até hoje não concordo com isso. Fiquei tão decepcionado que não quis mais lutar”, lembra. Sua primeira filha deu seqüência à dinastia de lutadores da casa. Soraia André aderiu ao judô e no tatame conquistou duas medalhas de bronze (1983/87) e uma de ouro (1982), em Jogos Panamericanos. Hoje, dá aulas de educação física.

Outra filha é caixa de banco. A menina caçula é agente carcerária e o filho é guarda-civil metropolitano. Seu Israel é casado há 43 anos. “Quando não estou no Júri, vou para o baile da terceira idade. Sou muito ativo. Tenho muita energia para gastar”.

Aos 67 anos, Israel Laércio André ainda sonha ganhar uma bolsa de estudos para fazer a faculdade de Direito e atuar no Tribunal do Júri. “Este é meu maior sonho. Modestamente, tenho certeza que serei um bom promotor, ou um bom defensor. O júri é uma grande paixão”, finaliza.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!