Imposto negado

ICMS não é faturamento, portanto, não é base para Cofins

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21 de julho de 2007, 0h00

Com efeito, o presente estudo cinge-se à discussão de aspectos relativos à inclusão dos valores arrecadados a título de ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, conforme entendimento outrora pacificado nos enunciados de súmulas 68 e 94, editados pelo Superior Tribunal de Justiça.

O PIS foi instituído pela Lei Complementar 7/70 (Emenda 1/69, artigo. 62, § 2º), com a finalidade de promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas, tendo o artigo 3º dessa lei, posteriormente redefinido pelo o artigo 3º da Lei 9.715/98, disposto que sua base de cálculo seria o faturamento da empresa.

A COFINS foi criada pelo Decreto lei 1.940, de 25/05/1982, com a denominação de Fundo de Investimento Social (Finsocial) e regulamentada pelo Decreto 92.698, de 21 de maio de 1986. O Decreto lei. 1.940/82 foi expressamente recepcionado pelo artigo 56 dos ADCT da Constituição Federal de 1988.

A Lei 7.689/88 e posteriormente a LC 70, de 20 de dezembro de 1991, com fulcro no artigo 195, I, da Carta Constitucional de 1988, instituíram formalmente a Cofins, destinada a custear as despesas de saúde, previdência e assistência social, estabelecendo como hipótese de incidência o “faturamento mensal”, assim considerado “a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza” (artigo 2º).

Com a Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, estabeleceu-se, em seu artigo 2º, “que as contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento”, correspondente, no dizer de seu artigo 3º e §1º, à “receita bruta”, ou seja, à totalidade das receitas auferidas, independentemente “do tipo de atividade exercida e da classificação contábil adotada para as receitas”.

Indaga-se, portanto, se no conceito de faturamento previsto no artigo 195, I, Constituição Federal e na Lei 9.718/98, permite-se a inclusão do ICMS para fins de composição da base de cálculo da Cofins.

Estabelece o artigo 195, I, b, da Constituição Federal, ser a seguridade social “… financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre receita ou faturamento”.

Dessa forma, resta evidente que a regra de competência supra transcrita apenas autoriza a instituição de contribuição que grave a receita ou faturamento. A incidência de contribuição sobre grandeza distinta não encontra respaldo no texto constitucional. É o que acontece com a exigência das contribuições referidas sobre o ICMS devido em cada operação.

O Pleno do STF, por maioria, dando provimento em parte ao RE 357.950/RS, Rel. Min. Marco Aurélio de Melo, declarou a inconstitucionalidade do §1º do artigo 3º da Lei 9.718/98 (alteração da base de cálculo do PIS e da Cofins), porque, dando novo conceito ao termo “faturamento”, ampliara a base imponível da exação para abranger a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, pouco importando o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil porventura adotada para as receitas. Fez prevalecer, então, o artigo 3º, “b”, da LC 07/70 (Lei 9.715/98) e artigo 2º da LC 70/91, que consideram faturamento somente “a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza”.

Dessa forma, sob o conceito de receita bruta ou faturamento não parece possível acomodar um tributo que mais propriamente pode ser classificado como ônus do contribuinte, pois, afinal, nenhum agente econômico fatura o ICMS, mas apenas as mercadorias ou serviços. Sendo o ICMS uma receita do erário estadual, expressamente prevista no artigo 155, II, CF, não pode ser tido como fato imponível daquelas exações.

Para conceituarmos o vocábulo “faturamento” necessário atermos ao seu sentido etimológico, o qual aponta para um negócio jurídico advindo de operação mercantil na qual se percebe valores que ingressarão nos cofres daqueles que vendam mercadorias ou prestam serviços a terceiros.

Nesse sentido, estabelece o artigo 110 do CTN que “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados, expressa ou implicitamente, pela constituição federal, pelas constituições dos estados, ou pelas leis ordinárias do distrito federal ou dos municípios para definir e limitar competência tributárias”.

Resumindo, consistindo a base de cálculo para fins tributários num padrão ou unidade de referência utilizada na quantificação do fato tributário, se o ICMS não constitui ingresso patrimonial pela circunstância de simplesmente transitar pelo caixa do contribuinte, tido como mero agente repassador dos mencionados tributos, não há como admiti-lo na base de cálculo das contribuições previstas no artigo 195, I, “b”, CF, posto que estes incidem sobre a receita ou faturamento.

Aliás, conforme se observa da alínea “a”, do parágrafo único do artigo 2º da LC 70/91, o IPI, quando destacado em separado do documento fiscal, é expressamente excluído da base de cálculo da Cofins. Da mesma forma é o ICMS quando incidente no regime de substituição tributária (artigo 3°, § 2º, I, Lei 9.718/98).

Entretanto, diferentemente, entende o Fisco Federal que, quando o contribuinte vende a mercadoria estando embutido no preço o ICMS esse é receita e, portanto, base imponível do PIS e da Cofins.

Base imponível, segundo o mestre Geraldo Ataliba, em “Hipótese de Incidência Tributária, 6ª ed., SP, Malheiros, 2000, p. 108”, “…é uma perspectiva dimensível do aspecto material da h.i. que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quantum debeatur. A base imponível é a dimensão do aspecto material da hipótese de incidência. É, portanto, uma grandeza ínsita da h. i. É por assim dizer, seu aspecto dimensional, uma ordem de grandeza própria do aspecto material da h.i.; é propriamente uma medida sua”.

Nesse contexto, verifica-se que o sujeito passivo da COFINS não tem capacidade contributiva sobre receitas auferidas pelos Estados/Distrito Federal (no caso do ICMS) ou pela União Federal (no caso de IPI), sua carga tributária em relação a essas exações limita-se aos valores que serão destinados ao seu ativo por conta da venda de mercadorias, prestação de serviços e etc.

Decidindo a mesma questão ora posta em debate, enfatizou o eminente ministro Marco Aurélio, nos autos do RE 240.785/MG que faturamento “…decorre, em si, de um negócio jurídico, de uma operação, importando, por algum motivo, o que percebido por aquele que a realiza, considerada a venda de mercadorias ou mesmo a prestação de serviços. A base de cálculo da Cofins não pode extravasar, desse modo, sob o ângulo do faturamento, o valor do negócio, ou seja, a parcela recebida com a operação mercantil ou similar. O conceito de faturamento diz com riqueza própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda de mercadorias ou a prestação dos serviços, implicando, por isso mesmo, o envolvimento de noções próprias ao que se entende como receita bruta. Descabe assentar que os contribuintes da Cofins faturam, em si, o ICMS. O valor deste revela, isto sim, um desembolso à entidade de direito público que tem a competência para cobrá-lo … .”

Assim, se o ICMS é despesa do sujeito passivo da Cofins e receita do Erário Estadual, é injurídico tentar englobá-lo na hipótese de incidência desta exação. A inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS resulta em tributação de riqueza que não pertence ao contribuinte. Este, ao arcar com obrigação de tal ordem, suporta carga tributária além do que legalmente definido para o regular exercício da sua atividade econômica e além do que permite a Constituição Federal.

Sobre a matéria, segundo acima já ressaltado, continua o ministro Marco Aurélio, em voto até o momento acompanhado por seis dos 11 ministros que compõem a Suprema Corte, sustentando, que, entender de forma contrário, seria admitir “… a incidência da Cofins sobre o ICMS, ou seja, a incidência de contribuição sobre imposto, quando a própria Lei Complementar 70/91, fiel à dicção constitucional, afastou a possibilidade de incluir-se, na base de incidência da Cofins, o valor devido a título de IPI”.

Ressalta, também, o ministro, cujo voto, merece destaque, ser difícil “… conceber a existência de tributo sem que se tenha uma vantagem, ainda que mediata, para o contribuinte, o que se dirá quanto a um ônus, como é o ônus fiscal atinente ao ICMS. O valor correspondente a este último não tem a natureza de faturamento. Não pode, então, servir à incidência da Cofins, pois não revela a medida de riqueza apanhada pela expressão contida no preceito da alínea “b” do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal. Cumpre ter presente a advertência do ministro Luiz Gallotti, em voto proferido no Recurso Extraordinário 71.758: “se a lei pudesse chamar de compra e venda o que não é compra, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição” – RTJ 66/165. Conforme salientado pela melhor doutrina, “a Cofins só pode incidir sobre o faturamento que, conforme visto, é o somatório dos valores das operações negociais realizadas”.

A contrario sensu, qualquer valor diverso deste não pode ser inserido na base de cálculo da Cofins. Há de se atentar para o princípio da razoabilidade, pressupondo-se que o texto constitucional mostra-se fiel, no emprego de institutos, de expressões e de vocábulos, ao sentido próprio que eles possuem, tendo em vista o que assentado pela doutrina e pela jurisprudência. (…) Da mesma forma que esta Corte excluiu a possibilidade de ter-se, na expressão “folha de salários”, a inclusão do que satisfeito a administradores, autônomos e avulsos, não pode, com razão maior, entender que a expressão “faturamento” envolve, em si, ônus fiscal, como é o relativo ao ICMS, sob pena de desprezar-se o modelo constitucional, adentrando-se a seara imprópria da exigência da contribuição, relativamente a valor que não passa a integrar o patrimônio do alienante quer de mercadoria, quer de serviço, como é o relativo ao ICMS. Se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e não o vendedor da mercadoria. Admitir o contrário é querer, como salientado por Hugo de Brito Machado em artigo publicado sob o título: Cofins — Ampliação da base de cálculo e compensação do aumento de alíquota, em CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS — PROBLEMAS JURÍDICOS, “que a lei ordinária que defina conceitos utilizados por norma constitucional, alterando, assim, a lei maior e com isso afastando a supremacia que lhe é própria. Conforme o previsto no preceito constitucional em comento, a base de cálculo é única e diz respeito ao que faturado, ao valor da mercadoria ou do serviço, não englobando, por isso mesmo, parcela diversa. Olvidar os parâmetros próprios ao instituto, que é o faturamento, implica manipulação geradora de insegurança e, mais do que isso, a duplicidade de ônus fiscal a um só título, a cobrança da contribuição sem ingresso efetivo de qualquer valor, a cobrança considerada, isso sim, um desembolso.”

Com essas considerações, com o devido respeito aos entendimentos manifestados nos enunciados 68 e 94 das súmulas do STJ, mas deles discordando, entendemos que se os contribuintes do PIS e da Cofins não faturam o ICMS, que se constitui num ônus fiscal, cujo beneficiário é a entidade de direito público a quem compete cobrá-lo, os valores que ingressam nos seus cofres não revelam medida de riqueza apanhada pela expressão contida no preceito da alínea “b” do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, assim a impossibilidade da sua inserção na base de cálculo das aludidas contribuições.

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