Seqüestro na mídia

TV Globo deposita indenização por divulgar sequestro

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19 de julho de 2007, 0h01

A TV Globo tentou, mas não conseguiu suspender uma execução provisória de indenização no Superior Tribunal de Justiça. Agora, está obrigada a depositar em juízo R$ 2 milhões de indenização por danos morais para a família de Luís André Matarazzo. Motivo: divulgação do seqüestro de seu filho de 12 anos, em 2000.

A emissora tentou suspender o cumprimento da sentença até o julgamento do Recurso Especial para reduzir o valor da indenização. A intenção era escapar da execução provisória da sentença. O advogado da emissora, Luiz de Camargo Aranha Neto, acredita que vai conseguir reduzir o valor da indenização. Mas, de qualquer forma, o depósito prévio já foi providenciado.

O presidente do STJ, ministro Raphael de Barros Monteiro, negou o pedido da TV Globo. Ele entendeu que não cabe ao STJ exercer o controle sobre os atos praticados pelo juiz que preside a execução. Segundo o ministro, o controle deve ser feito no âmbito das instâncias ordinárias, por meio das medias e recursos oportunos e convenientes.

O ministro afirmou também que o pedido feito ao juiz originário de sobrestamento da execução até que o Recurso Especial seja julgado não foi ainda objeto de análise. O motivo é que foi dado aos Matarazzo a oportunidade de se manifestarem sobre o pedido então formulado.

Inicialmente, a emissora foi condenada pelo juiz Teodozio de Souza Lopes, da 17ª Vara Cível de São Paulo, a pagar indenização arbitrada no valor arrecadado com publicidade nos intervalos dos noticiários que abordaram o assunto, Jornal Nacional e Jornal Hoje, no dia 3 de março de 2000. Em seguida, o Tribunal de Justiça paulista redefiniu o valor da indenização de acordo com os prejudicados. Foram considerados prejudicados o marido, a mulher e o filho.

Ambas as partes recorreram ao STJ. A defesa da emissora pretende reduzir o valor da indenização para chegar aos parâmetros usados pelo STJ. O advogado da família Matarazzo, Manuel Alceu Afonso Ferreira, pede a divulgação da sentença condenatória, como prevê a Lei de Imprensa. “A simples indenização não supre a lesão que a parte sofreu”, afirma. O TJ paulista havia rejeitado este pedido por entender que não valia mais a pena rememorar o caso.

Em maio deste ano, foi dado início a execução provisória da sentença. De acordo com o Código de Processo Civil, passados 15 dias da citação da parte sobre a execução, é preciso efetuar depósito, sob pena de multa de 10% do valor da causa. Por isso, a emissora já viabilizou o depósito.

O seqüestro e o noticiário

Em 2000, a TV Globo divulgou o seqüestro do garoto Gonçalo antes que a Polícia solucionasse o caso. De acordo com a ação judicial, a Globo foi a única emissora a não acatar pedido de sigilo da família sobre o seqüestro com a argumentação do direito de informar os telespectadores.

Segundo a família Matarazzo, a criança havia se identificado com o sobrenome Lara. Os seqüestradores somente teriam descoberto a verdadeira identidade do garoto pelos telejornais da TV Globo. Os noticiários chegaram inclusive a apontar o empresário como “primo do senador Eduardo Suplicy e do secretário de Comunicação do governo, Andrea Matarazzo”.

A família Matarazzo afirma que depois dos seqüestradores terem visto os noticiários, obrigaram o garoto a confirmar o sobrenome e o torturaram, além de deixá-lo sem água e alimentação.

Roteiro trágico

Em novembro de 2005, entrevistado por este site, Manuel Alceu fez um relato das circunstâncias em que se deu a divulgação do sequestro. Leia os trechos:

ConJur — O senhor patrocina uma ação indenizatória contra a TV Globo, decorrente da divulgação de um seqüestro enquanto o mesmo ocorria. Isso é verdade?

Manuel Alceu — Sim. Patrocino uma ação indenizatória contra a TV Globo, cumulada com pedido de divulgação, na mesma emissora, da íntegra da sentença condenatória. É um caso de contraparentes meus. Um menino de 14 anos e seu pai transitavam por uma pequena estrada próxima ao clube Helvétia, em Campinas, quando foram seqüestrados. Jogados então no porta-malas do automóvel, o pai instruiu a criança para que omitisse, aos bandidos, o seu nome de família (Matarazzo), usando apenas o sobrenome da mãe, para com isso evitar que o nome Matarazzo fizesse com que os seqüestradores resolvessem exagerar no preço do resgate. E assim o menino fez, escondendo dos bandidos o verdadeiro nome. Quatro dias depois, o pai é libertado para buscar dinheiro. Estava estabelecido que o resgate seria de R$ 150 mil. Na saída deram até um tiro na perna dele para dizer que a ameaça era séria e que matariam a criança caso não recebessem o dinheiro. O pai conseguiu chegar a Campinas, todo ferido, foi atendido, e começou a providenciar o pagamento do resgate. Quando ele conseguiu reunir todo o dinheiro, recebeu a notícia de que a Globo iria divulgar o seqüestro, recebendo então a visita do repórter encarregado da matéria. Ele pediu muito para que a reportagem não fosse levada ao ar enquanto o filho dele não estivesse libertado. Apelou até a pessoas influentes junto à Globo, mas a emissora recusou. A família tentou de tudo para que a Globo não veiculasse. Em vão. Todos os pedidos foram recusados por quem à época era o diretor de jornalismo da Globo, Evandro Carlos de Andrade. A chamada do Jornal Nacional foi algo assim: “Matarazzo é seqüestrado ….”. Todas as outras emissoras, sem uma única exceção, mantinham-se no pacto de silêncio total sobre o assunto. Os seqüestradores, como era de se esperar, assistiram à reportagem e, verificando que a criança mentira sobre o nome de sua família, o chefe deles judiou bastante do menino, sonegando-lhe alimentação e água, e acorrentando-o a uma árvore. Felizmente, apesar dessa bárbara crueldade jornalística, no final a criança foi libertada. Aí eu entrei com uma ação contra a Globo. A emissora foi condenada a pagar uma indenização à família baseada no custo publicitário dos jornais da Globo que divulgaram o seqüestro. O juiz não nos concedeu a publicação da sentença condenatória, mas perseguindo esse objetivo recorremos, e o caso agora se acha no tribunal de justiça, aguardando o julgamento das apelações interpostas, a nossa e a da Globo.


ConJur — Os seqüestradores podiam ter matado o menino porque ele mentiu…

Manuel Alceu — O fato é que o menino correu o risco de ser morto por uma perversa irresponsabilidade jornalística. Certa feita, se não me falha a memória quando do seqüestro do sr. Luiz Salles, escrevi um artigo sobre o assunto no O Estado de S. Paulo, chamando a atenção para o fato de que nenhum veículo de comunicação tinha o direito de fazer periclitar a vida de ninguém. A partir de então, na excelente tradição que até hoje é mantida pela consciência ética de sua direção, o Estadão não mais divulgou seqüestros, enquanto em andamento. A preocupação primeira tem que ser com a vida do seqüestrado. E a Globo veio se defender invocando uma norma do manual interno de redação… que manual interno pode superar a Constituição, a dignidade das pessoas e a preservação da vida? Sofri na própria carne com esse assunto. Há muitos anos, tive um irmão seqüestrado em Salvador, Bahia, que permaneceu encarcerado por vários dias em uma jaula (isso mesmo, uma jaula!). Na ocasião, fui o encarregado de lidar com a imprensa. Para isso, diariamente recebia, em um salão de hotel que alugamos, os jornalistas de todos os veículos, informando-os sobre a evolução do episódio, o primeiro que por lá acontecia. A imprensa foi corretíssima, nada publicando até que, por obra do Senhor do Bonfim, meu irmão Willy tivesse sido libertado.

ConJur — Esse caso da Globo ilustra bem como o jornalismo se coloca em determinadas situações. Quem é mais arrogante, a imprensa ou a Justiça?

Manuel Alceu — A arrogância da imprensa é mais ostensiva, é mais presente e pode causar, através da divulgação a toda a coletividade, mais malefícios. Na verdade, choca mais do que a arrogância do Judiciário. De qualquer modo, venha de onde vier, a arrogância é detestável.

Leia a íntegra da decisão do TJ-SP

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO nº 219.389-4/0-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante LUIZ ANDRE MATARAZZO sendo apelado TV GLOBO LTDA:

ACORDAM, em Sexta Câmara “A” de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NÃO CONHECERAM DO AGRAVO RETIDO E DERAM PROVIMENTO PARCIAL AOS RECURSOS, V.U., SUSTENTARAM ORALMENTE OS DR. MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA E LUIZ DE CARMARGO ARANHA NETO”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores VITO GUGLIELMI (Presidente, sem voto), MÁRCIO ANTÔNIO BOSCARO e MARCELO BENACCHIO.

São Paulo, 10 de março de 2006.

Hamid Charaf Bdine Junior

Relator

Voto nº 427

Apel. Nº 219.389.4/0

Comarca: São Paulo

Aptes/ Apdos: Luiz André Matarazzo, Taisa Lara Campos Matarazzo e Gonçalo Lara Campos Matarazzo.

Apda/Apte: TV Globo Ltda.

Agravo retido interposto contra decisão que considera prejudicados os embargos de declaração. Agravo prejudicado em face do exame do mérito das alegações, com acolhimento da pretensão da ré, agravante. Agravo não conhecido. Dano moral. Imprensa. Divulgação do sobrenome do seqüestrado efetuado a despeito dos pedidos da família em sentido contrário, para evitar o agravamento do risco. Sobrenome associado a família dotada de fortuna. Agravamento do risco reconhecido. Desproporcionalidade entre o interesse da imprensa na divulgação da informação do fato e o risco à vida. Sentença condenatória mantida. Indenização. Valor arbitrado em primeiro grau no correspondente ao custo publicitário do tempo da divulgação da notícia. Critério substituído por fixação de indenização em valor certo. Anulação da sentença desnecessária. Suficiência da modificação do critério. Pedido de publicação da sentença condenatória. Ausência de dano à honra. Dano moral caracterizado, mas que não é reparado pela publicação da referida sentença. Finalidade da disposição legal desatendida na espécie. Publicação da sentença negada. Recursos das partes parcialmente providos.

1. Pedido de indenização por danos morais decorrentes da divulgação do nome da família dos autores que se encontravam seqüestrados pela ré foi julgado parcialmente procedente pela r. sentença de ps. 199/211, cujo relatório se adota.

Inconformadas, ambas as partes apelaram. Os autores postularam a majoração da verba indenizatória e a imposição à ré da obrigação de divulgar a sentença condenatória. Sustentaram que o valor indenizatório arbitrado não é satisfatório, tendo em vista o poder econômico da apelada e as características da ilicitude praticada por ela. Ponderaram ainda, que a obrigação de divulgar a sentença condenatória deve ser concedida, tendo em vista o disposto nos artigos 68 e 75 da Lei nº 5.250. A ré, por sua vez, apresentou apelação na qual reiterou pedido de apreciação do agravo retido que interpôs contra a decisão que deixou de enfrentar os embargos declaratórios por ela opostos. Ponderou que a r. sentença deve ser anulada, porque julgou “extra petita”, deixando de estabelecer o valor certo da condenação, que relegou para a fase de liquidação, dificultando a interposição de seu recurso com relação à estimativa monetária condenatória.


Quanto ao mérito, afirmou que se trata de caso em que a divulgação do seqüestro é fato jornalístico, de modo a não depender de autorização para sua divulgação. A divulgação, no entendimento de seu departamento de jornalismo, contribui para a solução do delito, não para o agravamento da situação dos seqüestrados. A divulgação da identificação da vítima não foi feita com exagero ou de forma irresponsável, limitando-se a identificar a qualificação profissional e as relações próximas de parentesco, sem nenhum intuito de prejudicar os autores. Informou que há hipóteses, na imprensa nacional e estrangeira, de divulgação dos seqüestros, antes inclusive, de sua solução. A final, reiterou o argumento relativo ao valor indenizatório, que deve ser certo e moderado diante das circunstâncias do caso.

Os Recursos processaram-se regularmente, com preparos (ps. 229/230 e 315) e contra-razões (ps. 317/343).

O parecer da Procuradoria Geral de Justiça é pelo parcial provimento do recurso dos autores (ps. 352/361).

É o relatório.

2. Examina-se, pela ordem, em primeiro lugar, a reiteração do agravo retido apresentado pela ré.

O agravo tem por objeto a decisão de ilustre sentenciante que considerou prejudicado o exame de embargos de declaração, por força do efeito suspensivo emprestado à apelação apresentada.

A solução do agravo e o exame da matéria articulada em embargos de declaração, porém, como se verá a seguir, fica prejudicada em face da substituição do critério de indenização adotado pelo digno julgador.

Tendo em vista que na decisão ora prolatada se estimará valor condenatório certo, como, aliás, pretendido pelas partes em suas razões de recurso, não se justifica o exame do agravo antes da decisão final que elucidará a questão referente ao montante indenizatório.

O agravo retido, portanto, fica prejudicado, dele não se conhecendo.

3. A questão relativa ao mérito é exclusivamente de direito, pois não há fatos controvertidos.

Autores e ré admitem que o autor Gonçalo estava seqüestrado e que os criminosos desconheciam o fato de que ele era membro da família Matarazzo, uma vez que essa circunstância foi omitida por ele e pelo pai, quando ambos foram apanhados e levados ao cativeiro.

Tais fatos não são controvertidos, assim como não há resistência da ré à afirmação de que divulgou o seqüestro e o nome do autor seqüestrado em seu Jornal Nacional.

Também não há divergência das partes quanto às inúmeras tentativas dos autores de evitar que a divulgação do nome dos autores fosse levada ao conhecimento público por intermédio de seus jornais.

Assim, portanto, estabelecidos os fatos, cumpre verificar se a divulgação do nome de família do autor justifica a postulação indenizatória da inicial.

Tradicionalmente, o sobrenome Matarazzo é associado a pessoas que detêm grande quantidade de capital. São, desse modo, usualmente associados a pessoas detentoras de fortuna.

Assim sendo, era natural a preocupação dos autores seqüestrados, Luiz e Gonçalo, que ocultassem dos criminosos o sobrenome Matarazzo.

Com a ocultação, visavam a evitar que a quadrilha dificultasse a negociação para pagamento do resgate, ou viesse a eleva-lo, na suposição de que a condição econômica das vítimas permitiria obtenção de maior valor de dinheiro.

A preocupação dos autores era, portanto, justificada.

A divulgação do nome família das vítimas pelo jornal da ré, portanto, seguramente potencializou o risco a que se submeteu o autor Gonçalo, que permaneceu em poder dos criminosos, enquanto seu pai, o autor Luiz André, foi libertado para obter o valor necessário ao pagamento do resgate.

A elevação do risco resulta, na hipótese, de duas razões.

Em primeiro lugar, a associação do sobrenome Matarazzo às pessoas dotadas de fortuna acarretaria o aumento da expectativa de valores pelos criminosos. Em segundo, o fato de os autores haverem ocultado dos delinqüentes o sobrenome Matarazzo, faria com que se sentissem ludibriados por eles, aumentando seu ressentimento e a perspectiva de

Para o julgamento da causa, portanto, com conseqüente reconhecimento da responsabilidade indenizatória da ré, é suficiente verificar se a divulgação referida caracteriza ilícito suficiente para a identificação da responsabilidade de indenizar.

A conclusão é afirmativa.

As testemunhas ouvidas em juízo (ps. 164/167), evidenciam a preocupação dos autores, que diligenciaram da forma que lhes dispuseram, com a intenção de evitar a divulgação pelo jornal da ré de que a pessoa em poder dos seqüestradores ostentava o sobrenome Matarazzo, com evidente intenção de evitar a elevação do risco.

A ré, contudo, desconsiderou a postulação da família e insistiu na divulgação do fato.


A Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos IX e XIV, contempla a liberdade de informação e expressão, de maneira que não se pode negar que a imprensa exerce papel preponderante na divulgação de informação.

Contudo, a Constituição Federal no mesmo artigo, em seu inciso X, contempla a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assegurando direito indenizatório por danos materiais ou morais decorrentes de sua violação.

Como se vê, é flagrante a necessidade de compatibilizar os dois direitos individuais referidos.

No caso dos autos, foi por essa razão que Oduvaldo Donnini e Rogério Ferraz Donnini acentuaram:

“Liberdade de imprensa significa que os meios de comunicação são livres para manifestar sua opinião, criticando, informando, investigando, denunciando, dentro dos limites impostos pela Constituição Federal e leis ordinárias. Esses limites podem ser internos e externos. Os primeiros referem-se às responsabilidades para com a sociedade e o compromisso com a veracidade, precisão, objetividade e equilíbrio na divulgação das informações. Os segundos dizem respeito ao confronto com outros direitos, também resguardados e considerados fundamentais pela Constituição Federal” (Imprensa Livre, Dano Moral, Dano à Imagem, e sua quantificação à luz do novo Código Civil, editora Método, 2002, p. 30).

Mais adiante, os ilustres juristas acrescentam que: “A Constituição Federal, consoante já afirmado, proteger da forma mais ampla, a liberdade de informação jornalística (CF, art. 220, parágrafo primeiro), mas, por outro lado, fixa parâmetros para essa liberdade diante de outros direitos também tutelados pelo texto consitucional” (obra citada, págs. 46/47).

Conclui-se, pois, que, se houver necessidade de restrição à liberdade de imprensa em benefício de um valor preponderante, assim deve ser feito.

Nesse sentido:

“O fato da imprensa ser livre não significa que haja um poder ilimitado, absoluto, incondicional, irrestrito, no direito de informar. Em verdade, essa limitação a esse direito advém, como dissemos, da própria Constituição Federal e leis federais, na medida em que outros bens também considerados fundamentais (liberdade, honra, imagem, vida privada, intimidade) são igualmente relevantes e indispensáveis numa democracia” (Oduvaldo Donnini e Rogério Ferraz Donnini, Imprensa Livre, Dano Moral, Dano à Imagem, e sua quantificação à luz do novo Código Civil, Método, 2002, p. 49).

Na hipótese desses autos, o que se verifica é a absoluta ausência de proporcionalidade, entre o interesse da ré em divulgar o sobrenome da vítima do seqüestro e o interesse dessa, de, para a proteção de sua vida, pretender evitar essa divulgação.

Paulo José da Costa Júnior observa que “num conflito entre ambos, todavia, deveria prevalecer o direito à intimidade, já que está ele inscrito em todas as consciências, ao passo que o direito da imprensa de noticiar é um direito puramente formal” (O Direito de Estar Só: Tutela Penal da Intimidade, RT, 1970, p. 65).

O resultado eventualmente útil da divulgação do nome da vítima do seqüestro antes da conclusão bem sucedida das negociações não é equivalente à potencialização do risco provocado pela divulgação indesejada.

Ainda que se possa admitir como válida a discussão a respeito do interesse da imprensa em divulgar os seqüestros e identificar as vítimas, no caso dos autos o tema deixa de ter relevância em razão das características especificas do fato em exame.

Ora, o autor Luiz André, libertado do cativeiro, informou ao órgão de imprensa que o sobrenome Matarazzo havia sido deliberadamente ocultado dos bandidos.

Essa circunstância, portanto, acentua a periculosidade da divulgação que, em conseqüência, não apresentava nenhuma vantagem específica.

Se em outras situações a divulgação do seqüestro pode, em tese, colaborar para a localização do cativeiro, como pretende sustentar a ré, na hipótese especifica esta vantagem é flagrantemente inferior ao risco criado pela divulgação do sobrenome.

É sabido o poder de penetração do Jornal Nacional da ré, suficiente para supor que esta circunstância fosse atingir os criminosos e consequentemente deixa-los irritados com as circunstancias referidas, quais sejam, a de terem em seu poder alguém de elevado poder econômico — ou ao menos superior àquele que imaginava — e o fato de terem sido ludibriados por suas vítimas.

Mais uma vez, Oduvaldo Donnini e Rogério Ferraz Donnini tratam especificamente do tem da divulgação pela imprensa dos casos de seqüestro. Assinalam que “tem sido freqüente nas grandes cidades brasileiras o pedido de sigilo na divulgação pela imprensa de notícias atinentes ao seqüestro de pessoas, em especial aquelas abastadas, embora essa prática criminosa atinja todas as classes sociais, pedido esses normalmente realizados pelos familiares da vítima” (Imprensa Livre, Dano Moral, Dano à Imagem, e sua quantificação à luz do novo Código Civil, Método, 2002, p. 50).


Mas adiante, ponderam que “se a divulgação de um fato como, v. g. um seqüestro, põe em risco a vida do seqüestrado, é evidente que entre a liberdade de informação e a vida, prevalece esta última” (obra citada, p. 51).

Os autores concluem que, se embora informada, a imprensa insiste em “divulgar o fato sem respeito à vida da vítima, havendo nexo de causalidade entre o dano e a veiculação, deve haver responsabilidade civil da empresa” (obra citada, p. 51).

Embora os autores citem o exemplo da morte do seqüestrado provocada com a comprovação entre o dano e nexo de causalidade com a divulgação da notícia, é certo que não há necessidade de óbito do seqüestrado para que se responsabilize o órgão de imprensa.

Ora, o dano moral não se caracteriza exclusivamente quando ocorrer falecimento, sendo evidente a sua ocorrência também em casos como o dos autos, em que a angústia e o sofrimento impostos aos autores se elevou e, no que diz respeito à própria vítima do seqüestro, que pode não ter tomado conhecimento do risco potencializado quando ainda no cativeiro, o dano moral se extrai do mero risco à segurança das pessoas:

“Sempre que houver risco para a segurança pessoa de pessoa inocente, é dever do jornal omitir informações que criem ou aumentem esse risco. Cabe ao jornal informar-se para decidir, sempre por conta própria, se a notícia é realmente perigosa. Esse princípio em aplicação freqüente, mas não obrigatória, em casos de seqüestros. Leva-se em conta o fato de que o respeito à privacidade de alguém tem um preço” (Manual de Redação e Estilo de “O Globo”, Editora Globo, 1992, p. 87).

No mesmo manual, mais adiante, há registro de que “devem ser omitidos rotineiramente, porque o potencial de risco é evidente e a supressão não afeta a integridade da notícia: nomes completos, endereços e fotos de testemunhas de crimes, principalmente aqueles cometidos por bandidos profissionais” (p. 87).

No mesmo sentido o Manual de Redação da Folha de São Paulo, 1992, ps. 21 e 43.

Conclui-se, portanto, pelo acerto da r. sentença atacada a respeito do reconhecimento da responsabilidade indenizatória da ré pela elevação do risco a que, injustificadamente, submeteu o autor Gonçalo, com flagrante angústia e aumento de sofrimento para seus pais, os autores Luiz André e Taísa.

Toda argumentação desenvolvida nas razões de recursos a propósito da liberdade de imprensa e da opção da ré pela divulgação dos casos de seqüestro não prevalece em face das peculiaridades do caso em exame no qual já havia conhecimento de que o risco seria agravado quando se associasse o nome do seqüestrado ao sobrenome Matarazzo.

Para reconhecimento da responsabilidade da ré, convém acrescentar que a culpa com que se houve no evento também decorre da violação ao primeiro de seus deveres, qual seja, o dever de cuidado com o que deve empreender sua atividade.

Como ensina Bruno Miragem, a respeito do tema, “o dever de cuidado, observado frente às circunstâncias próprias da atividade jornalística, deverá ser vislumbrado em face das características desse ofício. Englobará, então, dentre outras providencias, a necessidade de acesso e exame de todas as versões sobre o fato, a abstenção de promover juízo e valores antecipados — sem a posse de todas as informações disponíveis — e mesmo a necessidade de projetar, em estágio anterior à decisão de divulgar ou não o fato, as conseqüências identificáveis desta mesma divulgação. As situações da vida em que tais deveres serão colocados em relevo serão as mais diversas” (Responsabilidade Civil da Imprensa por Dano à Honra, Editora Livraria do Advogado, 2005, p. 244).

A culpa da ré evidencia-se por não ter tido, no caso, cuidado com a repercussão da notícia em relação à vida do seqüestrado, tudo a justificar o reconhecimento da responsabilidade indenizatória.

Ainda que houvesse interesse na divulgação do fato pela ré, nada a impedia que o fizesse sem divulgar o sobrenome do seqüestrado. Com esse procedimento, eventualmente de seu interesse, poderia conciliar a utilidade da divulgação sem submeter o seqüestrado ao aumento dos riscos decorrentes de seu sobrenome estar associado à fortuna.

Examinando hipótese semelhante, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de concluir:

“Responsabilidade civil – Direito à imagem – Canal de TV que exibe, contra a vontade da pessoa filmada, sua imagem para noticiar a prática de crime da qual foi vítima – Inexistência de interesse público que justifique a agressão aos valores de recato e privatividade (art. 5º, X, da CF) – Indenização devida – Provimento em parte, para fixar o “quantum” em 200 salários-mínimos” (Apelação nº 197.076-4/4, rel. Des. Enio Zuliani, j. 28.7.2005).


4. Por razões diversas, autores e rés não se conformaram com o critério de arbitramento de indenização pelo ilustre sentenciante, consistente em estabelecer esse montante no custo publicitário correspondente ao tempo consumido pela emissora com a divulgação do evento criminoso.

De fato, o critério adotado apresenta a dificuldade de se estimar o montante, pois não há como identificar a quanto corresponderá.

Não há, a rigor, correspondência entre o custo publicitário da divulgação do delito e a repercussão moral que vitimou os autores. É possível que esta quantia seja irrisória, ou que seja excessivamente elevada.

Para evitar, portanto, o risco de a decisão não haver estimado montante indenizatório adequado ao caso em exame é que se estabelecerá uma quantia indenizatória especifica, que permitira às partes e ao Juízo reconhecer a adequação da quantia reparatória estimada.

Assinale-se, porém, que ao contrário do que pareceu à ré, a modificação da quantia não implica nulidade da sentença.

É possível alterar esse critério, estabelecendo outro valor, sem necessidade de retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição.

Tal convicção ainda se reforça, em face do que dispõe o atual artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil.

O dispositivo autoriza ao julgador de segundo grau, proceder à decisão de mérito, quando o feito for extinto em primeiro grau de jurisdição, sem exame do mérito. Com mais razão, portanto, é justificado o enfrentamento da questão de mérito quando se trata de, exclusivamente, mudar o critério de fixação de indenização por dano moral.

No caso dos autos, a fixação da indenização por dano moral deve levar em conta as peculiaridades do caso concreto, isto é, a condição econômica de ambas as partes, a potencialidade de risco estabelecida na hipótese e o grau de culpa identificado no caso.

A condição econômica de ambas as partes, é expressiva. Os autores, como afirmado na inicial e na contestação, são empresários, integrantes de família de posse, de maneira que o montante indenizatório deve permitir-lhes compensação pela angústia provocada com a divulgação da notícia, que ampliou a preocupação relativa à manutenção do autor Gonçalo no cativeiro.

A ré é órgão de imprensa de expressão internacional, com situação econômica privilegiada, como é público e notório.

O risco à vida de Gonçalo, submeteu a ele e aos pais, os demais autores, a um grau de tensão e preocupação superior ao usual em casos que envolvem órgãos de imprensa.

Por outro lado, o comportamento da ré revela imprudência excessiva, pois, ainda que advertida do risco e do desinteresse na divulgação do sobrenome do seqüestrado, insistiu em sua opção pela divulgação do evento.

Ponderadas estas circunstâncias, adequada a fixação indenizatória em R$ 350.000,00 para cada um dos autores, corrigidos monetariamente a partir desta data e acrescidos de juros de mora contados da data da divulgação da notícia, nos termos da Súmula nº 54 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Os juros serão de 6% ao ano, até a entrada em vigor do novo Código Civil, quando passarão a 1% ao mês, nos termos do que dispõe o artigo 406 do Código Civil.

Além de compensar o sofrimento dos autores, o montante arbitrado tem natureza punitiva, para desestimular a ré a praticar atos desta espécie.

O arbitramento leva em consideração, as regras previstas no artigo 53 da Lei de Imprensa, ou seja, a intensidade do sofrimento dos autores, a gravidade e a natureza da ofensa, a posição social que ocupam e a intensidade do grau de culpa.

A respeito dos critérios adotados, confira-se a lição de Enéas Costa Garcia, em sua obra “Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação, Juarez de Oliveira, 2002, págs. 481/499”.

5. Conforme a lição de Enéas Costa Garcia “a publicidade a respeito do reconhecimento judicial da abusividade da conduta do jornalista pode atuar como reparação do dano suportado pela vítima” (Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação, Juarez de Oliveira, 2002, p. 500).

Na hipótese dos autos, o caso não é de ofensa à honra dos autores, mas de repercussão da divulgação da notícia no risco a sua vida.

Assim, a finalidade de reparar a honra não se justificaria com a publicação da sentença condenatória, tal como pretendido por ele em suas razões de recurso.

Desse modo, não havendo razão para a divulgação da decisão no órgão de imprensa, pois, repita-se, não se trata de reparação à honra, parece não atender ao espírito que norteia a Lei de Imprensa, o acolhimento da pretensão dos autores.

A publicação da sentença no Jornal Nacional em nada contribuiria para a reparação do dano suportado pelos autores que, pelas razões deduzidas nos dispositivos anteriores, a obterão por intermédio do pagamento da verba indenizatória.

Na lição de Enéas Costa Garcia, “a publicação da sentença condenatória terá, em forma preponderante, o objetivo de reparar a honra da vítima”, o que, insista-se, não se verificaria no caso dos autos (Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação, Juarez de Oliveira, 2002, págs. 500/509).

6. Diante do exposto, DÁ-SE parcial provimento aos recursos dos autores e da ré.

Hamid Bdine

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