Depois da reforma

Honorário deve ser pago também no cumprimento da sentença

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19 de julho de 2007, 0h00

O advento da Lei 11.232/05 (estabeleceu a fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogou dispositivos relativos à execução fundada em título judicial) fez com que uma série de questionamentos passassem a ser feitos a respeito de pontos que não foram expressamente abordados pela reforma do Processo Civil.

Dentre tantos, entendemos ser de especial relevância a discussão sobre a atribuição de honorários advocatícios aos patronos do vencedor que atuem na chamada “fase de cumprimento de sentença”, que outrora o Código intitulava simplesmente de “execução de título judicial”.

A questão é suscitada tendo em vista o fato de que alguns magistrados vêm se manifestando em sentido negativo, muito embora a questão seja incipiente e existam decisões judiciais em ambos sentidos.

Sustentam aqueles que entendem que a reforma suprimiu os honorários advocatícios, que a partir da Lei 11232/05 o trabalho dos advogados passou a ser exercido em uma única “fase processual” integrante da ação de conhecimento, denominada de “cumprimento de sentença”, e não mais em um “processo de execução”, como se dava sob a égide dos dispositivos legais anteriores, e por isso os honorários seriam unos houvesse ou não esta fase eventual.

Do outro lado alega-se que o trabalho exercido pelo patrono da parte credora será exatamente o mesmo do outrora processo de “execução de título judicial”, alterando-se tão somente a denominação atribuída pelo legislador aos atos processuais praticados, razão pela qual não haveria sentido em suprimir os honorários nessa etapa.

Diante do confronto de idéias tão divergentes, parece-nos razoável recorrermos às lições da Hermenêutica a fim de encontrarmos a solução harmônica com nosso ordenamento jurídico.

Determina o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que a melhor interpretação que se faz sobre qualquer norma é aquela que atende aos objetivos sociais a que ela se destina, ou seja, a chamada interpretação teleológica, que busca aplicar a lei conforme a finalidade para a qual foi concebida.

Perguntamos então, que princípios ou objetivos levaram o legislador a determinar junto ao artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, a obrigatoriedade de serem atribuídos honorários advocatícios aos patronos do vencedor?

Parece-nos que aquele dispositivo, preliminarmente, reconheceu a essencialidade do advogado à administração da Justiça, assim como o faz nossa Carta em seu artigo 133, bem como também atestou a necessidade do vencido arcar com essa remuneração, tendo em vista a ela ter dado causa, em conformidade com a complexidade do trabalho desempenhado, assim como em razão do tempo e zelo dedicados (leia-se o parágrafo 3º. do artigo 20, daquele Codex).

Aliás, nem poderia ser diferente, pois, trata-se de princípio geral resguardado por nosso sistema a remuneração de todo trabalho licitamente realizado, sendo contrário a moral e ao Direito presumirmos que o trabalho do advogado, salvo renúncia expressa, fosse realizado a título gracioso, razão pela qual nada mais natural que o devedor arcar com a sucumbência proveniente de sua injusta resistência.

Note-se também que a execução, sem distinção quanto ao título que a fundamentava sempre recebeu previsão expressa quanto aos honorários advocatícios, os quais segundo o parágrafo 4º daquele mesmo dispositivo legal, seriam fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz.

Nem se diga que aquele dispositivo legal se tornou inaplicável à hipótese pelo fato de fazer menção à “execução” e não ao “cumprimento de sentença”, uma vez que mesmo os artigos da reforma continuam em diversos trechos utilizando a expressão “execução” em seu corpo, não sendo o método gramatical o mais indicado para a solução do problema.

Ademais, diante de tal interpretação podemos simplesmente contrapor o fato de que caso o legislador quisesse alterar tal sistemática o teria feito revendo expressamente a redação daquele dispositivo legal, o que sabemos não fez.


Inteiramente absurdo também, seria admitirmos a tese de que a multa de 10% sobre o débito não adimplido voluntariamente em quinze dias (estabelecida pelo novo artigo 475-J), seria um substitutivo a justificar o banimento dos honorários advocatícios nessa fase, isto porque primeiramente o destinatário de tal verba será sempre o credor e não o seu advogado e ainda, e, fundamentalmente, pelo fato de que a natureza jurídica da multa é a de sanção civil, tendo por objetivo desestimular o inadimplemento, punindo o devedor que busca adiar a satisfação do crédito e ao mesmo tempo recompensando o vencedor da demanda pela demora.

Dessa forma a tese da supressão da verba honorária acabaria por tornar inócua a multa de 10% (dez por cento), uma vez que embora esta desencoraje o devedor, de outro lado ele teria um novo “benefício”, antes não previsto, qual seja o de não arcar com os honorários nesta etapa processual.

Cássio Scarpinella Bueno, entendendo desse modo, assevera que “não cumprido o julgado tal qual constante da ‘condenação’ (o título executivo judicial), o devedor, já executado, pagará o total daquele valor acrescido da multa de 10% esta calculada na forma do n.4.3, infra, e honorários de advogado que serão devidos, sem prejuízo de outros, já arbitrados pelo trabalho desempenhado pelo profissional na ‘fase’ ou ‘etapa’ de conhecimento, pelas atividades que serão, a partir daquele instante, necessárias ao cumprimento forçado, ou, simplesmente, execução, do julgado.”[1]

No mesmo sentido, Athos Gusmão Carneiro, comentando o tema, alerta que o Superior Tribunal de Justiça, tratando do artigo 20, parágrafo 4º, do CPC já houvera decidido ser induvidoso o cabimento de honorários em execução, mesmo se não embargada (EREsp.nº158.884, j.30.10.2000, rel.Min.Gomes de Barros), consignando ainda que tal orientação permanece válida mesmo sob a nova sistemática de cumprimento de sentença, sendo “irrelevante, sob este aspecto, que a execução passe a ser realizada em fase do mesmo processo, e não mais em processo autônomo”[2]

Araken de Assis também registrou em sua obra a respeito do cumprimento de sentença que “harmoniza-se com o espírito da reforma, e, principalmente, com a onerosidade superveniente do processo para o condenado que não solve a dívida no prazo de espera de quinze dias, razão pela qual suportará, a título de pena, a multa de 10% (art.475-J, caput), a fixação de honorários em favor do exeqüente, senão no ato de deferir a execução, no mínimo na oportunidade do levantamento do dinheiro penhorado ou produto da alienação dos bens.”[3] E segue afirmando: “Do contrário, embora seja prematuro apontar o beneficiado com a reforma, já se poderia localizar o notório perdedor: o advogado do exeqüente, às voltas com difícil processo e incidentes, a exemplo da impugnação do art.475-L, sem a devida contraprestação”[4].

Há aqueles que, tentando buscar uma solução paliativa, sustentam que os honorários só seriam devidos na hipótese do devedor oferecer impugnação ao cumprimento da sentença, nos termos do artigo 475-J, §1º, do CPC, entretanto, parece-nos, data maxima venia, que o arbitramento de honorários antecede essa hipótese, bastando que não haja o pagamento voluntário no prazo de quinze dias, para que, com ou sem impugnação, sejam tomadas medidas executivas, as quais só podem ser levadas adiante mediante requerimento expresso do credor.

Destarte, parece-nos de melhor alvitre que, independentemente do incidente de impugnação, em não havendo o pagamento voluntário do débito pelo vencido, em sendo necessária assistência de um profissional habilitado, tal atuação deva ser remunerada sob pena de admitirmos inclusive o enriquecimento sem causa daqueles que se beneficiaram direta ou indiretamente pelo trabalho do advogado.

Sob esse aspecto não há dúvidas de que, também na hipótese de assistência judiciária gratuita, caso o Estado se recuse a remunerar os profissionais que mediante convênio atuam perante a Assistência Judiciária, haveria evidente locupletamento, tendo em vista o fato de que estes advogados exercem funções que a Defensoria Pública deveria exercer, cumprindo um “munus” público.


Não obstante as ponderações até então realizadas é fundamental que nós questionemos ainda e a fim de que não restem dúvidas, se a Lei 11.232/05 teria procedido a alguma mudança significativa na forma de atuação profissional dos advogados, a ponto de dispensar a atribuição de honorários, ou mesmo considerar insignificantes os atos praticados se comparados à regulamentação vigente à época da denominada “execução de título judicial”.

Ressaltamos que esta análise é necessária na medida em que não merece acolhida a tese de que a simples alteração de uma “terminologia” pelo legislador possa modificar o significado do trabalho exercido pelos advogados em busca do interesse de seus clientes.

Assim sendo, o objetivo deste questionamento sem sombra de dúvidas não é o de nos debruçarmos sobre a reforma processual havida, mas apenas demonstrar que as inovações trazidas pela Lei 11.232/05 em nenhum momento dispensaram a figura do advogado, muito menos tornaram insignificante sua atuação em comparação com a antiga sistemática, mas tão somente objetivam tornar mais célere a satisfação do crédito, estando nesse rumo: a dispensa da citação anteriormente exigida (artigo475-J, “caput”), a possibilidade de indicação dos bens pelo exeqüente desde o requerimento (artigo 475-J, parágrafo 3º), a possibilidade de alterar-se a competência funcional nesta fase (art.475-P, parágrafo único), etc., enfim mudanças que não eliminam nem minimizam, como já dito, a atuação diligente do patrono do credor.

Ao contrário, todos os que atuam na prática forense sabem que muitos dos atos de execução despendem mais tempo e dedicação que qualquer fase de conhecimento.

Vê-se, portanto, que no plano legal em nada restou minimizado o trabalho do advogado, pois não havendo pagamento voluntário no prazo de 15 (quinze) dias, conforme determina o Código, faz-se necessária e imprescindível a intervenção profissional a fim de requerer e acompanhar as medidas cabíveis em favor do credor, o qual não possui capacidade postulatória para fazê-lo sozinho.

Logo, o não arbitramento de honorários na fase de cumprimento de sentença caracteriza premiação indevida ao devedor e simultaneamente desrespeito à dignidade da advocacia, uma vez que ignora a indispensabilidade do trabalho realizado pelo advogado do vencedor em face da injusta resistência do réu.


[1] BUENO, Cássio Scarpinella. “A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil”, São Paulo:Saraiva, 2006, p.75.

[2] CARNEIRO, Athos Gusmão. “Cumprimento da Sentença Civil”, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.108.

[3] ASSIS, Araken de. “Cumprimento da Sentença”, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.264.

[4] Idem nota 3.

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