‘Objeção de consciência’

Lei do aborto de Portugal sofre resistência de médicos

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17 de julho de 2007, 17h49

Os médicos portugueses alegarão “objeção de consciência” para impedir que as mulheres usem a nova lei que autoriza o aborto em até 10 semanas de gestação. A medida entrou em vigor no domingo (15/7), no país. Ela é resultado da vitória do “sim” de 59,3% da população pela interrupção voluntária no referendo realizado em 11 de fevereiro deste ano.

Depois da 10ª semana de gravidez, a interrupção voluntária é legal, até a 16ª semana em casos de estupro e quando for constatada má-formação congênita ou doença incurável do feto, até a 24ª semana.

Segundo a Inter Press Service, em um dia de vigência da lei, já é possível identificar que o problema não é técnico ou político. Os hospitais públicos provavelmente não conseguirão atender aos pedidos porque os médicos se negam a praticar o aborto.

O Ministério da Saúde reconheceu que a objeção de consciência alegada pelos profissionais deixa o Estado de mãos atadas. Para o governo, a alternativa será contratar médicos de hospitais particulares.

Vasco Freire, dirigente do Médicos pela Opção, um dos movimentos cívicos que se empenharam pelo “sim”, reconheceu que há colegas alegando preceitos morais para não realizar abortos. “Em muitos casos, a objeção de consciência é aplicada apenas em hospitais do Estado e não na medicina privada”.

A opinião é compartilhada pelo ginecologista Miguel de Oliveira e Silva, autor de livros sobre o aborto, para quem o problema central reside na mentalidade dos médicos portugueses. Existem casos em que “pela manhã, no Serviço Nacional de Saúde, os médicos alegam questão de consciência, mas, à tarde, quando praticam a medicina privada, já não o são”, afirmou Oliveira e Silva.

Os casos mais evidentes são os dos hospitais de Santo Antonio (Porto), Viana do Castelo e Matosinhos, São Francisco Xavier (Lisboa), Torres Vedras e Caldas da Rainha (na região central do país); o de Évora (sul), e dos os dos arquipélagos de Madeira e Açores.

Em Madeira, a região mais religiosa e conservadora do país, a polêmica adquiriu um contorno dramático. O secretário regional de Assuntos Sociais da Madeira, Francisco Jardim Ramos, disse que Lisboa “não pode impor colonialmente a esta região autônoma uma lei que 64% da população do arquipélago rejeitou no referendo”.

No domingo (15/7), movimentos contrários ao aborto fizeram manifestações diante de hospitais em todo o país. “Ações que simbolizam o que defendemos: apresentar alternativas a uma lei que é obviamente má”, disse Catarina Almeida, ativista contra o aborto.

Com esta lei, Portugal deixa o grupo dos países mais conservadores da União Européia nessa área, formado por Irlanda, Malta e Polônia. Até fevereiro, Portugal era o único da UE onde as mulheres que decidiam abortar eram condenadas a três anos de prisão.

Custo do aborto

A nova lei custará até € 6,1 milhões (R$ 15,6 milhões) ao Serviço Nacional de Saúde. O levantamento usou como base uma previsão entre 17 mil a 18 mil abortos. Cada aborto custará com medicamentos ou cirurgias até € 444 euros (R$ 1.139).

Um estudo da Associação para o Planejamento da Família indicou que as portuguesas praticaram, no ano passado, entre 17,3 mil a 18 mil abortos. O levantamento consultou 2 mil mulheres e identificou que o método mais utilizado é a raspagem, seguido de comprimidos e aspiração.

A tabela publicada pelo governo mostra que se a mulher for internada os custos sobem para € 829,91 euros (R$ 2.130) em aborto com medicamento e € 1.074,45 (R$ 2.758) para as intervenções cirúrgicas.

A regulamentação da lei, publicada em 21 de junho em Diário da República, prevê que uma consulta obrigatória seja marcada, em no máximo, cinco dias depois que a grávida comunicar a decisão.

Caso a mulher solicite, ela poderá ser acompanhada por um psicólogo ou assistente social por três dias para um “período de reflexão”. A mulher é obrigada passar por uma consulta de saúde reprodutiva ou de planejamento familiar em até 15 dias após o aborto.

A partir das dez semanas de gestação “por se tratar de uma situação mais complexa, de maior risco e com maior consumo de recursos”, de acordo com a portaria, o valor passa para € 719,53 (R$ 1.848), em interrupção com medicamentos, e para € 931,56 (R$ 2.393) para procedimento cirúrgico.

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