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Suplente não tem nem direitos nem deveres de parlamentar

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16 de julho de 2007, 20h27

Está na pauta do momento a questão relacionada com a quebra de decoro parlamentar. Quase todos os dias o noticiário informa sobre atos de corrupção verificados em várias áreas da administração pública. Atinge tal flagelo não só servidores das diversas áreas do serviço público, mas também parlamentares do Congresso Nacional. Há uma demanda geral dos homens de bem para que a mazela se acomode em patamares toleráveis, já que não é possível eliminá-la por completo. É nesse exato contexto que se situa o instituto do decoro parlamentar.

O artigo 55 da Constituição Federal explicita que perde o mandato de senador ou de deputado federal quem tiver procedimento declarado incompatível com o decoro parlamentar. Grosso modo pode-se dizer que decoro parlamentar é o conjunto de regras de conduta morais e éticas inerentes ao exercício parlamentar. Quem se afasta do cumprimento dessas regras está sujeito a responder por violação de decoro. A primeira delas está na própria Constituição e, depois, nas leis em vigor do país. Complementam-nas as normas prescritas pelo código de ética de cada uma das casas do Congresso — Senado e Câmara dos Deputados — e nos respectivos regimentos internos.

Já de início pode-se dizer acerca da diferença conceitual entre as figuras de titular e suplente de mandato eletivo. Titular é o candidato que se elegeu para determinada vaga parlamentar, foi diplomado e está apto a investir-se nas funções do mandato. Instalada a sessão administrativa, toma solenemente posse e passa a gozar das prerrogativas e restrições impostas pelas leis. Entre as prerrogativas está a de ser somente processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal, que é seu foro por prerrogativa de função. Entre as restrições está a de responder por quebra de decoro parlamentar, que é a violação ética dos deveres ético-funcionais. No juramento que presta, compromete-se a defender a Constituição, as leis do país e o regimento ao qual esteja vinculado.

O suplente não. Só passa a gozar dessas mesmas prerrogativas se convocado a ocupar a vaga do titular, em razão de renúncia, perda do mandato ou licença. Diga-se o mesmo quanto às restrições que a ele podem ser aplicadas, entre as quais se inclui a de responder por quebra de decoro parlamentar se houver praticado atos sujeitos a esse regime. Dito isso, fica claro que o suplente, se não ocupar o lugar do titular, apenas possui expectativa de direito de poder ser convocado. Enquanto o evento não se der, é cidadão comum, devendo como tal responder pelos atos comuns da vida civil.

Não bastasse o dispositivo constitucional antes mencionado, a jurisprudência do STF ainda o corrobora com a exegese de sua aplicação. Já mesmo sob a égide da Constituição de 1946, a corte, ao apreciar o HC 34.467, decidira que depois da posse é que o suplente passa a usufruir das garantias do mandato. Complementa o dispositivo da ementa da decisão que a pronúncia declarada por crime cometido por suplente não pode obstar-lhe a posse. Se o fato delituoso ocorreu antes da posse do suplente, não poderá ser esse fato obstáculo a que se emposse na vaga do titular.

No Agravo no Inquérito 2.453, o tribunal decidiu que a diplomação do suplente não lhe estende automaticamente o regime político-jurídico dos titulares por “constituir mera formalidade anterior e essencial a possibilitar à posse interina ou definitiva no cargo na hipótese de licença do titular ou vacância permanente.” É o que se disse acima.

Ora, se o suplente não se empossou na vaga de deputado federal ou de senador, por óbvio não usufrui nenhum dos direitos do titular, tampouco se sujeita a quaisquer das restrições a ele impostas. Também no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 199 (DJ de 7/8/98) proclamou-se que não há limitação ao exercício de cargo, emprego ou função pública de suplente por não exercer mandato eletivo.

Atos pretéritos que possam ser desabonadores da conduta de suplente não podem retroagir se vier ele a ocupar vaga do titular. De forma didática e incisiva, afirma o ministro Celso de Mello, em decisão proferida em 5 de março de 2003 (Mandado de Segurança 24.458), que a violação deve ser contemporânea ao exercício do mandato.

“Parece revelar-se”, diz ele, “essencial, portanto, para os fins a que se refere o artigo 55, parágrafo 2º da Constituição da República, a existência de uma necessária relação de contemporaneidade entre a prática do ato contrário ao decoro parlamentar, de um lado, e o exercício do mandato legislativo, de outro, mesmo que o ato ofensivo à dignidade institucional do mandato (e, também, à honorabilidade do parlamento) tenha ocorrido na legislatura imediatamente anterior, praticado por quem, naquele momento, já era integrante do Poder Legislativo”.

Se o país vive sob o Estado de Direito Democrático, é curial que as leis devam ser respeitadas. O contrário seria o império do totalitarismo, do caos jurídico, da balbúrdia. Por fim, pode-se concluir que os atos passados da vida do suplente não contaminam o direito à posse na vaga do titular do mandato.

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