Dívida reversa

Penhora pode ser trocada por crédito de precatório, diz TJ-RS

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16 de julho de 2007, 17h34

A 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que é possível substituir a penhora de um prédio por um precatório. O recurso da Asun Comércio de Gêneros Alimentícios contra o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul pediu a troca da penhora por créditos de precatórios vencidos e não pagos no valor de R$ 100 mil.

A execução fiscal tramita na comarca de Tramandaí (RS), que deu ao Estado a penhora de um prédio, onde a empresa devedora mantém um de seus supermercados. O Asun pediu a substituição por crédito de precatórios adquiridos de terceiros. A juíza Laura Ullmann Lopez negou o pedido da empresa, que recorreu ao TJ.

Para o desembargador Arno Werlang, embora seja admitida a substituição do bem oferecido à penhora apenas por dinheiro ou fiança bancária, o precatório expedido equivale a dinheiro. Ele afastou o argumento de que a ordem legal foi ferida, uma vez que a empresa deverá se situar como credor comum na fila dos precatórios.

Werlang ponderou que o imóvel penhorado é indispensável às atividades da Asun. Tomá-lo da empresa seria de eficácia duvidosa, uma vez que é objeto de garantia em outras execuções. Votou de acordo o desembargador Roque Joaquim Volkweiss.

Já o desembargador João Armando Bezerra Campos divergiu do voto. Argumentou que a compensação de crédito na esfera tributária é poder discricionário da administração, sendo vedado ao magistrado deferi-la sem expressa previsão legal. No Rio Grande do Sul, destacou que não existe lei de crédito tributário. O Estado do Rio Grande do Sul vai interpor Recursos Especial e Extraordinário.

Processo 70.018.566.182

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA POR CRÉDITO DE PRECATÓRIO. POSSIBILIDADE.

1. É possível a substituição da penhora por precatório expedido e já vencido, no qual é devedor o IPERGS, autarquia pertencente ao credor, para garantir execução fiscal promovida pelo Estado, tratando-se de crédito líquido, certo e exigível. Outrossim, não há falar que o pagamento mediante precatório burla a ordem legal ditada pelo art. 100 da CF, porquanto o exeqüente há de se situar, como credor comum, na fila dos precatórios. Por último, não se visualiza ofensa ao art. 16, § 3º da Lei de Execução Fiscal, pois não objetiva, a executada, com a nomeação à penhora do precatório, a extinção de seu débito, mas tão-somente garantir o juízo pela penhora. 2. Ainda, no caso, além do imóvel penhorado ser indispensável às atividades da empresa, duvidosa a eficácia da sua constrição tendo em vista que também é objeto de garantia em várias outras execuções.

AGRAVO PROVIDO, POR MAIORIA.

Agravo de Instrumento Segunda Câmara Cível

Nº 70018566182 Comarca de Tramandaí

ASUN COMERCIO DE GENEROS ALIMENTICIOS LTDA AGRAVANTE

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL AGRAVADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar provimento ao recurso, vencido o Des. João Armando Bezerra Campos.


Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Roque Joaquim Volkweiss e Des. João Armando Bezerra Campos.

Porto Alegre, 18 de abril de 2007.

DES. ARNO WERLANG,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Arno Werlang (RELATOR)

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por ASUN COMÉRCIO DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS LTDA., de decisão que, nos autos da execução fiscal que lhe move o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, indeferiu o pedido de substituição da penhora por créditos de precatórios.

Alega a agravante, em síntese, que postulou a substituição de penhora por créditos decorrentes de precatórios vencidos e não pagos no valor de R$ 100.791, 24, o que restou indeferido. Nesse sentido, afirma que a decisão a quo não pode prevalecer, porquanto não há motivos para a recusa dos créditos de precatórios para fim exclusivo de garantir a execução, ainda mais quando a penhora recai sobre bens essenciais às atividades da empresa. Ainda, assevera que o crédito oriundo de precatório equivale a dinheiro, sendo, portanto, um bem preferencial, tratando-se de um crédito do próprio Estado (fls.02/36).

Foi deferido o efeito suspensivo pleiteado (fl.136/137).

Transcorreu in albis o prazo para manifestação da parte agravada (fl.142).

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

VOTOS

Des. Arno Werlang (RELATOR)

Eminentes Colegas. Como já asseverei quando do deferimento do efeito suspensivo pleiteado, embora só se admita o pedido de substituição do bem oferecido à penhora, segundo o art. 15, da Lei 6830/80, por dinheiro ou fiança bancária, no caso, tenho que verossímeis as alegações da agravante, porquanto tenho entendido que o precatório expedido e já inscrito para pagamento, no qual é devedor o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul, equivale a dinheiro. Além do mais, a recusa do credor à nomeação deve ser fundada em elementos convincentes, o que não visualizo no caso dos autos.


Nesse sentido, após um período de reflexão, aderi ao entendimento de que possível a penhora (não a compensação) de precatório para garantia da execução, porque não se sustentam os argumentos geralmente suscitados pelo Estado para a não-aceitação da nomeação à penhora do precatório: (a) a não-observância da ordem estabelecida no art. 11 da Lei 6.830/80; (b) de que o pagamento mediante precatório burla a ordem legal ditada pelo art. 100 da CF; e (c) a impossibilidade de compensação do crédito tributário com o precatório, porque a gradação estabelecida na lei para efetivação da penhora tem caráter relativo, devendo ceder ante as circunstâncias do caso concreto.

Ora, trata-se de oferta de crédito líquido, certo e exigível, pois já inscrito em precatório expedido e já vencido, no qual é devedor o IPERGS, autarquia pertencente ao credor, e, dessa forma, equivale a dinheiro. É certo que o valor efetivo do crédito, quando o precatório não pertence originariamente a quem o oferece em garantia, é fator que deverá ser avaliado por ocasião do processo de liquidação.

Por conseguinte, não há razão para a não-aceitação da substituição da penhora.

Sobre o tema já se manifestou esse egrégio Tribunal de Justiça:

DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA POR PRECATÓRIO ORIGINÁRIO DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO: VIABILIDADE. Plenamente viável deferir, nos termos do inciso I, do art. 15, da Lei nº 6.830/80, a substituição da penhora por crédito junto à autarquia estadual previdenciária, inscrito em precatório, porquanto trata-se de ordem de pagamento, justificável, ademais, por substituir constrição de máquinas e equipamentos da empresa e, bem assim, por observância ao princípio da menor onerosidade disposto no art. 620 do CPC. AGRAVO PROVIDO, POR MAIORIA. (Agravo de Instrumento Nº 70016868838, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 13/12/2006).(grifei).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DE BEM PENHORADO. NOMEAÇÃO À PENHORA DE CRÉDITO INSCRITO EM PRECATÓRIO CONTRA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. CESSÃO. POSSIBILIDADE. O direito do devedor em nomear bens à penhora é de ser garantido, pois previsto no Estatuto Processual Civil em vigor. A recusa do credor à nomeação deve ser fundada em elementos convincentes. Gradação legal instituída pelo art. 655, do CPC, que não é absoluta. Possibilidade de o devedor nomear à penhora, em substituição a bem imóvel do devedor submetido à constrição judicial, crédito relativo à condenação imposta em execução de sentença, inscrito em precatório já vencido e expedido contra Autarquia Previdenciária Estadual, que lhe foi cedido. Tratando-se de crédito líquido, certo e exigível, equivale a dinheiro. Regra do art. 620 do C.P.C. que deve nortear a execução. Precedente do STJ. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70017086232, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Henrique Osvaldo Poeta Roenick, Julgado em 22/11/2006).(grifei).


Outrossim, não há falar que o pagamento mediante precatório burla a ordem legal ditada pelo art. 100 da CF, porquanto o exeqüente há de se situar, como credor comum, na fila dos precatórios. Também, não se visualiza ofensa ao art. 16, § 3º da Lei de Execução Fiscal, pois não objetiva, a executada, com a nomeação à penhora do precatório, a extinção de seu débito, mas tão-somente garantir o juízo.

É nesse sentido que já decidiu a colenda Segunda Câmara Cível, quando do julgamento do Agravo de Instrumento n. 70009588971, do qual foi Relator o Des. Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. OFERTA DE PRECATÓRIO PARA GARANTIA DO JUÍZO. CABIMENTO. INOCORRÊNCIA DE QUEBRA DA PRECEDÊNCIA PREVISTA PELO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO, NO CASO CONCRETO, DO IMPEDIMENTO IMPOSTO NO ART. 16, § 3º, DA LEI 6.830/80. I – Tratando-se, o precatório, de verdadeiro título executivo, possível é sua indicação à penhora em execução fiscal promovida pelo próprio ente público. II – Não há falar em quebra de precedência o acolhimento de tal oferta, não restando ferida a previsão do art. 100 da Constituição Federal, porquanto o exeqüente há de se situar, como um credor comum, na chamada ‘fila dos precatórios’. III – Na espécie, não se vislumbra o impedimento do art. 16, § 3º, da Lei 6.830/80, porquanto não está a pretender, a executada, a extinção de seu débito por encontro de contas, senão que a segurança do juízo, exigência da lei para que possa, no processo executivo, oferecer resistência. AGRAVO PROVIDO POR MAIORIA.” (Agravo de Instrumento Nº 70009588971, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior, Julgado em 10/11/2004). (grifei).

Por último, não se pode deixar de levar em consideração que, além do bem imóvel penhorado ser indispensável às atividades da empresa, duvidosa a eficácia da sua constrição tendo em vista que também é objeto de garantia em várias outras execuções.

Diante do exposto, dou provimento ao agravo.

Des. Roque Joaquim Volkweiss – De acordo com o Relator.

Des. João Armando Bezerra Campos

João Monteiro conceitua penhora como “o ato pelo qual são depositados tantos bens do executado quantos bastem para a real segurança da execução.”

Esta função acautelatória da penhora não é, todavia, única, como bem esclarece Liebman (Processo de Execução, 4ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1980, pág. 123) que após defini-la como “o ato pelo qual o órgão judiciário submete a seu poder imediato determinados bens do executado, ficando sobre eles a destinação de servirem à satisfação do direito do exeqüente”, diz: “A penhora tem finalidade dupla: I. visa individuar e apreender efetivamente os bens que se destinam aos fins da execução, preparando assim o ato futuro de desapropriação; II. visa também conservar os bens assim individuados na situação em que se encontrem, evitando que sejam escondidos, deteriorados ou alienados em prejuízo da execução em curso”.


A penhora é um ato executório de preparação à expropriação, natureza jurídica adequadamente caracterizada na assertiva de Frederico Marques de que a penhora é ato de imperium do juízo da execução, com que se vinculam bens ao processo executório. É a atuação coercitiva da sanctio juris, ato processual da instância de execução e providência preambular da execução forçada.

São princípios da penhora: a suficiência (constrição de bens suficientes para garantia da execução) e utilidade (a insuficiência de bens do devedor manifesta afasta a constrição evitando-se a execução infrutífera), especificidade (bens constritos ficam vinculados, por força de norma processual, àquele crédito daquele credor específico, como forma da aplicação do princípio do credor mais diligente), afetação (direito de seqüela que decorre da constrição) e humanização (existência de bens absolutamente ou relativamente impenhoráveis por questões humanitárias).

A penhora, cujo nome teve origem no instituto romano da pignus in causa iudicati captum, introduzido pelo Imperador Antonino Pio no processo extra ordinem, em nosso direito, tem um efeito meramente processual, vinculando o bem constrito à satisfação de um crédito determinado. A esse fenômeno se denomina insensibilidade processual, significando a ineficácia dos atos realizados no plano do direito substancial para o feito executivo.

Sobre o tema esclarece Celso Nunes (Comentários ao Código de Processo Civil, VII Volume, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1977): “Em verdade, guardados os planos do material e do processual, a penhora subordina os bens apreendidos à realização da responsabilidade executória do devedor, sem afetar, fora do processo, a disponibilidade que conserva, não obstante a penhora. Tanto que a venda dos bens penhorados é válida extraprocessualmente, mas ineficaz, processualmente. Por isso, não obstante a alienação, no plano do direito material, a execução se perfaz, no plano do processo, esteja o bem em poder de quem estiver”.

A respeito do objeto da penhora preleciona Antônio Carlos Costa e Silva (Tratado do Processo de Execução, 2º Volume, Aide Editora, Rio de Janeiro, 2ª edição, 1986, pág. 805): “são os bens penhoráveis do devedor, isto é, aqueles bens que a lei não onera com as cláusulas de impenhorabilidade ou da inalienabilidade, aí incluídos, também, os que são onerados por disposição de última vontade, porque a impenhorabilidade, em princípio, ou decorre de uma imposição legal, ou promana de um encargo devido à coisa, em virtude de cláusula, ou condição de inalienabilidade a que se encontra submetida”.

O sistema da impenhorabilidade consiste: I. impenhorabilidade material absoluta (bens que por disposição de direito material estão fora do comércio); II. impenhorabilidade material relativa (bens não inalienáveis, mas que, por disposição de direito material, são excluídos da responsabilidade executória por aplicação do princípio da humanização); III. impenhorabilidade processual absoluta (bens que por disposição processual, tutelando interesse público, exclui a possibilidade de penhora – incisos II e IX do artigo 649 do Código de Processo Civil); IV. impenhorabilidade processual relativa (bens que por disposição processual são subtraídos transitoriamente aos atos expropriatórios – incisos I e II do artigo 650 do Código de Processo Civil).

A gradação estabelecida para efetivação da penhora (artigo da Lei nº 6830 e artigo 655 do Código de Processo Civil) não tem caráter rígido, sendo relativizada pelas circunstâncias do caso concreto, com atenção à finalidade do processo executivo (satisfação do crédito ao credor de modo mais eficaz) e do princípio de sobredireito processual estatuído pelo artigo 620 do Código de Processo Civil (princípio da menor onerosidade)

Segundo Celso Neves, “a evolução do sistema de execução, desde o direito romano, assinala um caminhamento no sentido de se resguardar, de excessos, o devedor, soerguendo-se, daí, o princípio de que a execução se deve fazer com o menor sacrifício possível do executado.” (Comentários ao CPC, Ed. Forense, Vol. III, pág. 17).

Carlos Callage argumenta que a idéia assente no Direito moderno é de que o devedor responde por dívidas com o seu patrimônio, ou no dizer simples, próprio dos mestres: “quem se obriga, obriga o que é seu”. (Planiol e Ripert – Tratado Elementar de Derecho Civil, Vol. IV, Pág. 135 – Cardenas Editor).


Acrescenta o articulista que a impenhorabilidade é admitida como exceção e, por isso, sujeita-se a regras e princípios rígidos, não se permitindo o legislador infraconstitucional uma interpretação ampliativa e genérica, deve se ajustar à realidade sócio-econômica. A impenhorabilidade, não deve, portanto, estimular o não pagamento de dívidas e o conseqüente comportamento desregrado da pessoa na contratação de suas obrigações, pois tem exatamente caráter inibitório a função jurídica da execução forçada (Planiol e Ripert, ob. cit., pág. 132), não cabendo ao Estado incentivar tal comportamento, sob pena de suprimir a eficácia coativa, e de ferir-se a paz social e atingir o fundamento da dignidade humana.

“Os bens do devedor são a garantia do credor para a hipótese de a obrigação deixar de ser cumprida, configurando-se o inadimplemento. Ao constituir-se a obrigação, o credor tranqüiliza-se, porque, incontinente, obteve o direito, se necessário, de tornar os bens do devedor responsáveis, satisfazendo-se do dano sofrido; e, consequentemente, o devedor passou a arcar com o ônus de seus bens responderem por sua violação ao compromisso assumido ou pelo ato ilícito praticado.” (Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao Código Civil Brasileiro, VI Vol., Tomo II, pág. 473).

Versa a hipótese sobre a nomeação a penhora, em execução fiscal, de direito de crédito, objeto de precatório.

Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo X, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1976, 1ª edição, pág. 471) define precatório como o ato processual mandamental pelo qual o juiz requisita (= precata) à Fazenda Pública o pagamento de um crédito, por intermédio do Presidente do Tribunal competente. Trata-se, portanto, de um direito de crédito.

No tocante à penhora do direito de crédito, objeto de precatório, em executivo fiscal firmou-se o entendimento quanto a sua impossibilidade, pois consistiria em forma indireta de extinção de débito tributário por exceção de compensação.

O destino da hasta pública é um daqueles previstos no Código de Processo Civil (adjudicação, arrematação, remição, etc.). Ora, evidente que um crédito sujeito a precatório não atende ao fim teleológico da praça pública. A pretensão do devedor é, por vias oblíquas, efetuar a compensação entre duas obrigações heterogêneas, sem se perder de vista que, se aceita, poderia fulminar o princípio constitucional da ordem cronológica dos precatórios.

Por outro lado, a compensação de crédito na seara tributária consiste em poder discricionário da Administração, sendo vedado ao magistrado deferi-la sem expressa previsão legal.

Estabelece o artigo 170 do Código Tributário Nacional:


“A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.”

Saliente-se que o art. 170, por si só, não gera direito subjetivo à compensação. O Código Tributário simplesmente autoriza o legislador ordinário de cada ente político (União, Estados e Municípios), a autorizar, por lei própria, compensação entre créditos tributários da Fazenda Pública e do sujeito passivo contra ela.

No Estado do Rio Grande do Sul não há lei admitindo a compensação de crédito tributário. De resto, mesmo admitida a compensação haveria, em tese, possibilidade de desconsideração da ordem de preferência estabelecida pelo artigo 100 da Constituição Federal.

Neste sentido, tem sido o entendimento deste Tribunal:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTARIO. EXECUCAO FISCAL. PENHORA. NOMEACAO PROCEDIDA PELO DEVEDOR. RECUSA DO CREDOR. VALIDA A RECUSA PROCEDIDA PELO CREDOR, RELATIVAMENTE A NOMEACAO A PENHORA DE VALORES REFERENTES A PRECATORIO CEDIDO AO DEVEDOR POR TERCEIRO, ATRAVES DE ESCRITURA PUBLICA. DO CONTRARIO, TER-SE-IA, VIA TRANSVERSA, A POSSIBILIDADE DE COMPENSACAO DE CREDITOS TRIBUTARIOS, A QUAL SO PODE SER DEFERIDA NOS MOLDES DEFINIDOS EM LEI, ATRAVES DE ACAO PROPRIA REGULARMENTE INSTRUIDA E EM QUE FOI ESTABELECIDO O CONTRADITORIO. INTELIGENCIA DOS ARTS. 170 DO CTN E 16, § 3.º, DA LEF. AGRAVO INTERNO MANEJADO CONTRA DECISAO DO RELATOR QUE NAO CONCEDEU O EFEITO SUSPENSIVO ATIVO, QUE RESTA PREJUDICADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO NAO PROVIDO, POR MAIORIA. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO.” (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70004182804, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK, JULGADO EM 29/05/2002)

Esta era, igualmente, a posição histórica do Superior Tribunal de Justiça:

 
“RECURSO ESPECIAL - ALÍNEA "A" - EXECUÇÃO FISCAL - SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA POR CRÉDITO CONTRA O EXEQÜENTE - IMPOSSIBILIDADE – PRETENSA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 15, INCISO I, DA LEF - INOCORRÊNCIA – ALEGADA OFENSA AOS ARTIGOS 397 E 668 DO CPC - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. Em execução fiscal, não é defesa a substituição de um bem penhorado por outro; daí, não há inferir que tal substituição possa ocorrer entre um bem que poderá ir à praça pública em condições de satisfazê-la com outro como aquele apresentado pela executada, i. e., crédito seu contra a Fazenda, uma vez que este não pode de pronto, tal qual se encontra, ser praceado. Um crédito sujeito a precatório não atende ao fim teleológico da praça pública. A pretensão do devedor menos não fora que, por vias oblíquas, efetuar compensação entre duas obrigações heterogêneas, sem se perder de vista que, se aceita, poderia fulminar o princípio constitucional da ordem cronológica dos precatórios. A compensação de créditos na seara tributária consiste em poder discricionário da Administração, sendo vedado ao magistrado deferi-la sem expressa vênia legal (cf. § 3º do artigo 16 da LEF). Não há razão que justifique a condenação do ente político, vencedor na demanda, por litigância de má-fé. Recurso especial não conhecido.” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RESP 157913/RS ; MINISTRO FRANCIULLI NETTO; SEGUNDA TURMA; JULGADO EM 10/09/2002)
 
Também o Supremo Tribunal Federal adotou a mesma linha decisória:

LIMINAR – ADI – INFORMAÇÕES – DECURSO DO PRAZO. As informações de que cuida o artigo 10 da Lei nº 9.868/99 devem ser prestadas em cinco dias, prazo que, ultrapassado, viabiliza o exame do pedido de concessão de liminar. PRECATÓRIO – CESSÃO – TRIBUTO – LIQUIDAÇÃO DE DÉBITO. A previsão normativa de cessão de precatório e utilização subseqüente na liquidação de débito fiscal conflitam, de início, com o preceito maior do artigo 100 da Constituição Federal. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ADI 2099 MC/ES; RELATOR MIN. MARCO AURÉLIO; JULGAMENTO: 17/12/1999; ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO)

 
Cabe, por adequado, citar trecho do voto do Ministro Marco Aurélio que bem analisa o tema:
 
“A relevância do pedido formulado faz-se presente não só considerado o vício de forma, como também o de fundo. Relativamente ao primeiro, note-se ser da competência privativa do Chefe do Poder Executivo a iniciativa das leis que versam sobre matéria tributária e orçamentária, entre outras. Ora, a lei em análise possui íntima ligação com o tema tributário (gênero) e a problemática orçamentária, a partir da previsão de extinção de débitos de contribuintes com a absorção de receita. Sob o ângulo material, nota-se a colocação em plano secundário da moralizadora regra do artigo 100 da Carta da República, no que veio à balha para afastar, justamente, a quebra da isonomia, implementando—se tratamento igualitário observada a ordem cronológica de apresentação dos precatórios. A regência verificada, conquanto atenda à necessidade de o Estado liquidar ns respectivos débitos, acaba por conduzir a um verdadeiro círculo vicioso. Em primeiro lugar, estimula a negociação dos precatórios, e, diante das notórias dificuldade de caixa, ao que apontei, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade e n 1.098, de São Paulo, como calote oficial, induz os titulares de precatórios a negociarem o título executivo com deságio. Uma vez realizada a cessão, aquele que o adquira liquidará dívida fiscal, deixando, assim, de recolher o valor em pecúnia. Esse procedimento afasta, iniludivelmente, a possibilidade de alcançar-se receita. Com isso, os demais credores do Estado, até mesmo aqueles que contam com o precatório relativo à dívida alimentícia, estarão prejudicados. Considere-se, para tanto, a diminuição de aportes e, portanto, da receita do próprio Estado. Há 3.e caminhar-se, é certo, para a solução do quadro que se veriFica, atualmente, em relação às unidades federadas e também à União, liquidando-se os débitos para com os cidadãos em geral. Não obstante, impõe-se o respeito ao que estabelecido na Carta, da República e que é fator de equilíbrio, de segurança jurídica, nas relações entre cidadão e Estado.”

No caso, entretanto, o desacolhimento do oferecimento não decorre apenas deste entendimento. Com efeito, a agravante ao oferecer a penhora o direito de crédito, objeto de precatório, o fez inobservando a ordem legal prevista no artigo II da LEF e 655 do Código de Processo Civil. Possuindo outros bens livres desembaraçados optou pela oferta de mero crédito, colocado na última posição da ordem legal.

À evidência, a mera escritura de cessão do precatório não se mostra suficiente ao preenchimento dos requisitos previstos no inciso IV do § 1º do artigo 655 do Código de Processo Civil. Assim, como assinalou a decisão agravada, mostrou-se ineficaz a nomeação, pois não obedeceu a ordem legal (inciso I do artigo 656 do Código de Processo Civil), sendo as indicações sobre o bem oferecido insuficientes (inciso VI do artigo 656 do Código de Processo Civil).

Nesta linha, tem decido esta Corte:

“EXECUCAO FISCAL. OFERTA SOBRE DIREITOS SOBRE PRECATORIO. INADMISSIBILIDADE. PENHORA SOBRE BENS PREFERENCIAIS. HAVENDO BENS PREFERENCIAIS PASSIVEIS DE PENHORA, CORRETA A RECUSA DE CREDITO SOBRE PRECATORIO OFERECIDOS PELO DEVEDOR. APLICACAO DOS ARTIGOS 11 E 15, II, DA LEI N. 6830/80. PRECEDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTICA. AGRAVO DESPROVIDO.” (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70000692442, PRIMEIRA CÂMARA ESPECIAL CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, JULGADO EM 13/06/2000)

Outro não tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

 
“Trata-se de agravo de instrumento manifestado por Irmãos Ribeiro Exportação e Importação Ltda. e outros contra decisão que inadmitiu recurso especial, no qual se alega negativa de vigência aos arts. 195, 620 e 656, do CPC, 11, da Lei 6.830/80, além de dissídio jurisprudencial, em questão retratada nesta ementa (fl. 24): "Execução. Penhora sobre crédito de precatório. Impugnação. Preclusão. O credor não está obrigado a aceitar a penhora sobre precatório, mormente na hipótese do devedor possuir bens livres e desembaraçados, em face da liquidação daquele ficar na dependência de cumprimento por Estado da Federação. A ordem do art. 656 do CPC e 11 da Lei 6.830/80 apresenta relatividade, frente ao caso concreto e interesses do credor e da execução. Afastada a alegação de preclusão, vez que as questões de cunho especial relativas à validade da penhora devem ser decididas no juízo deprecante, onde corre o processo principal e a impugnação foi protocolizada tempestivamente. Agravo improvido." Não demonstrou o agravante, como lhe cumpria, em que consistiu a visualizada ofensa aos dispositivos processuais invocados. Limitou-se a transcrever o texto legal e só. Inobstante, o acórdão está consentâneo com a jurisprudência do STJ, conforme demonstra a decisão agravada, o que atrai a Súmula 83. Também incide, na espécie, a Súmula n. 7 do STJ. Pelo exposto, nego provimento ao agravo.” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, AG 536280; RELATOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR; JULGADO EM 29 DE MARÇO DE 2004)

De resto, mostrar-se-ia inviável a compensação com débito de terceiro, devedor do crédito cedido o IPERGS. Nesta linha já decidiu esta Câmara:

“AGRAVO INTERNO. DECISÃO DENEGATÓRIA DE SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ICMS. PENHORA. PRECATÓRIO. IPERGS. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. O entendimento desta C. Câmara é pela impossibilidade de compensação de crédito tributário com crédito de precatório oriundo de decisão judicial proferida contra o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul, conforme restou demonstrado através dos precedentes exemplificativamente citados na decisão denegatória de seguimento. Cada câmara, turma ou seção especializada funcionará como tribunal distinto dos demais (art. 101, § 4º, da LOMAN). O cotejo entre orientações divergentes de órgãos fracionários de uma mesma corte de justiça se estabelece mediante incidente de uniformização da jurisprudência (art. 237 do RITJRGS), e, entre Tribunais diversos, mediante recurso especial, a teor dos arts. 105, III, alínea c, da Constituição Federal. Não há como contrapor as decisões um órgão fracionários em face de outro, visto que todos guardam a mesma hierarquia, quando qualquer de seus órgãos decide quem é o próprio tribunal. Precedentes da Corte. AGRAVO DESPROVIDO.” (TJRS, AI 70012019618, Segunda Câmara Cível, rel. Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, j.em 27/07/05)

Vai, assim, desprovido o agravo.

DES. ARNO WERLANG – Presidente – Agravo de Instrumento nº 70018566182, Comarca de Tramandaí: "DERAM PROVIMENTO, POR MAIORIA, VENCIDO O DES. JOÃO ARMANDO BEZERRA CAMPOS."

Julgadora de 1º Grau: LAURA ULLMANN LOPEZ

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