Democracia e controle

Advocacia da Fazenda Pública precisa de autonomia

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16 de julho de 2007, 0h00

Democracia e controle são duas palavras que andam juntas. A partir dos movimentos revolucionários ocorridos no século XVIII, na Inglaterra, Estados Unidos e França, o constitucionalismo passou a ser observado como fonte normativa da política, consistindo em uma técnica específica de “limitação de poder com fins garantísticos”, conforme N. Matteuci, citado por J.J. Canotilho.

Foi com a laicização do Estado que a humanidade tomou para si a tarefa de salvar-se por si mesma, abandonando dogmas celestiais em favor de outros mais concretos, como o de construir uma sociedade justa, fraterna e igualitária através de um governo popular. Para tanto, utilizou-se da técnica de fragmentação do poder, democratizando-o, com a adoção de um sistema de controle baseado nos freios e contrapesos, necessários para a complexidade social daquela época.

Estavam, desta forma, institucionalizados os três poderes, harmônicos e independentes entre si, suficientes para a condução do Estado Liberal moderno na tarefa de observar o exercício da liberdade por cidadãos, aprioristicamente, livres.

Com a crise do Estado Liberal e o surgimento do Welfare State, o legislativo e o judiciário se viram diminuídos com o agigantamento progressivo do Executivo. Este aumentou sua complexidade e uma instituição, em especial, embora já existente com as feições atuais desde 1690, ganhou força diante do aparecimento dos chamados direitos sociais, de segunda geração. Trata-se do Ministério Público, o fiscal da lei e guardião dos interesses coletivos e difusos. A atuação positiva do Estado exigia, na época, um olhar atento e independente que era exercido pelos membros do parquet.

Entre nós, brasileiros, infelizmente, as funções exercidas pelo Ministério Público somente ganharam a expressão e a independência atuais após a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando houve a institucionalização parcial da advocacia da Fazenda Pública, a qual era exercida anteriormente pelo MP.

Atualmente vivemos outro estágio político, com uma configuração que já não é mais a mesma do Estado Social, e nem mesmo – se formos mais fundo – a das democracias fundadas no início da era moderna. A complexidade decorrente da liberalização dos mercados e da globalização demonstra que o Estado moderno não tem mais condições estruturais de desenvolver os fins estabelecidos no século XVIII, com as adaptações econômicas e jurídicas procedidas posteriormente pela proposta keynesiana.

De fato, o aumento da complexidade social, em todos os aspectos, torna necessário o aprimoramento técnico das funções e dos processos desenvolvidos, principalmente, no âmbito do Estado, seja na função judicial, seja na função legiferante e na função administrativa.

Elas, por si mesmas, e com o apoio do Ministério Público, não são mais capazes de exercer, plenamente e com a eficiência necessária, o controle para que a sociedade obtenha o equilíbrio desejável. Neste aspecto, a advocacia da Fazenda Pública ganha relevo, pois se trata de mais um mecanismo técnico disponível na democratização e no aperfeiçoamento da gestão pública.

A advocacia da Fazenda Pública, desenvolvida pela AGU, pelas PGE’s e pelas PGM’s, nos três níveis de governo, tornam-se fundamentais diante dos problemas técnico-jurídicos enfrentados pelo Sistema de Gestão do Estado. Isso porque a Fazenda Publica, embora não seja titular, é, no entanto, a gestora dos interesses difusos. Qualquer descontrole administrativo se torna, assim, perigo à democracia e aos interesses públicos primários da sociedade.

Além do mais, um outro paradigma de direito está surgindo, com a possibilidade de aprofundamento do Mercosul, que já conta inclusive com eleição direta, secreta e universal, a ser realizada até 2010. É mais um fator a exigir a especialização técnica do controle sobre as atividades de gestão da administração pública.

Por esses motivos, a autonomia da advocacia da Fazenda Pública é necessária atualmente, para garantir o equilíbrio desejável em tempos de franca insegurança e fragilidade do Estado.

Finalmente, e a guisa de conclusão, considero que essa necessidade já foi reconhecida, pelo simples fato de um deputado federal do vizinho Maranhão, oriundo da magistratura federal, ter proposto, no início do mês de junho passado, uma PEC especificamente para alterar a redação dos artigos 132, 135 e 168 da Constituição Federal. O objetivo é conceder, formalmente, as defendidas autonomias funcional, administrativa e financeira da advocacia da Fazenda Pública, cujas ausências tanto nos sufocam.

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