Denúncia vazia

Leia a denúncia do MPF contra financiador do Corinthians

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13 de julho de 2007, 12h23

Na ligeireza de denunciar o suposto financiador do futebol do Corinthians, o russo Boris Berezovsky, como um barão do crime organizado e da lavagem de dinheiro internacional, o Ministério Publico Federal consegue exatamente a proeza inversa. Provou que os US$ 32.541.940 que a MSI, o fundo de investimentos acusado de ser a fachada para as falcatruas do bilionário russo, investiu no time paulista ingressaram no país dentro da mais estrita legalidade, com o devido registro no Banco Central.

A exemplo do Ministério Público do Estado de São Paulo, que apresentou denúncia similar em abril de 2005, o MPF baseia sua denúncia no perfil pretensamente criminoso de Berezovsky, que, é apontado, com base em afirmação do presidente corintiano Alberto Dualib, como o principal investidor da MSI. É até possível que Berezovsky não seja flor que se cheire. O problema é que o MPF não consegue demonstrar isso, tarefa que possivelmente esteja muito além de sua competência.

O MPF relata a espantosa evolução patrimonial e ascensão no mundo dos negócios do russo, mas não prova nenhum crime: Conta que Berezovsky passou de um modesto professor de matemática com salário equivalente a US$ 300 dólares a dono de um patrimônio de US$ 20 milhões de dólares no espaço de cinco anos. “Ou seja, um rendimento de 80.000% (oitenta mil por cento) em cinco anos. Sem dúvida uma cifra espantosa e insuperável mesmo para países de tradição capitalista”, diz a denúncia. Espantosa, sem dúvida, mas lícita até que se prove o contrário.

Mais adiante o MPF levanta suspeitas também em relação às preferências políticas do investidor: “Entre 1992 e 1999, Berezovsky viu ampliar seu poder econômico e ganhou ascendente influência política durante os dois mandatos sucessivos de Boris Yeltsin. Participou ativamente na candidatura de Vladimir Putin, sucessor de Yeltsin, eleito em 2000. Na mesma campanha, já um milionário influente, também Berezovsky foi eleito representante no Duma, casa legislativa da Federação da Rússia”.

E finalmente mostra como Berezovsky se torna um asilado político na Inglaterra: “Ainda em 2000, com a prisão de seu associado empresarial Nikolai Gluchkov, e temendo o mesmo destino, fugiu da Rússia, tendo passado pela França e posteriormente obtido asilo político na Inglaterra”.

A denúncia cuida também de colocar no rol das malfeitorias de Berezovsky as supostas tratativas que teria mantido com o ex-ministro José Dirceu para obter asilo político no Brasil e para comprar a Varig, então em estado pré-falimentar.

E possível que ilicitudes pululem na prodigiosa história de sucesso empresarial do magnata russo, que soube aproveitar as oportunidades de negócio no turbulento processo da transformação da antiga União Soviética socialista para a Rússia com economia de mercado. Mas não há nos dados apurados e denunciados pelo MPF nada que leve a esta conclusão. Como não há nenhum dado objetivo para sustentar a afirmação de que o iraniano Kia Joorabchian, o administrador da MSI junto ao Corinthians, é o “testa de ferro” de Berezovsky.

A denúncia do MPF abunda em dados surpreendentes sobre Berezovsky, seus parceiros misteriosos e seus negócios nebulosos. Falha apenas em demonstrar que é ilegal a origem do dinheiro que pavimentou o caminho do Corinthians para o título de campeão brasileiro de 2005? E como ninguém demonstra que o dinheiro tem origem legal, depois desta segunda denúncia a dúvida continua: de onde veio o dinheiro.

Leia a denúncia do MPF

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Excelentíssimo Senhor Juiz Federal da 6ª Vara Criminal da 1ª

Subseção Judiciária do Estado de São Paulo

O Ministério Público Federal, pelos Procuradores da República signatários, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência oferecer DENÚNCIA em face de:

1. Boris Abramovich Berezovsky, que também usa o nome de Platon Elenin, russo, casado, nascido em 23.01.1946, portador do passaporte britânico nº C00165789, com endereço comercial em 2nd floor, Interpark House, 7 Down Street, Londres W1J7AJ;


2. Kiavash Joorabchian, que também usa os nomes de Kia Joorabchian e Kia Kiavash, iraniano, cidadão britânico, solteiro, nascido em 25.07.1971, portador do passaporte britânico nº 093023841 e do CPF nº 059.823.607-40, filho de Mohammed Joorabchian e Sharzad Joorabchian, atualmente residente na Inglaterra em local não sabido;

3. Alberto Dualib, brasileiro, casado, nascido em 01.01.1920, filho de Abílio Dualib e Hiland Dualib, portador da cédula de identidade RG 1.029.682 SSP/SP e CPF 027.896.208-49, com 2006.61.81.008647-8 endereço residencial à rua Murajuba, 52 e endereço comercial à rua São Jorge, 777, nesta capital;

4. Nesi Curi, brasileiro, viúvo, filho de Abrahão João Curi e Helena Curi, portador da cédula de identidade RG 1.244.183-1 SSP/SP e CPF 007.024.598-36, com endereço residencial à avenida Jurucê, 135, aptº 112 e endereço comercial à rua São Jorge, 777, nesta capital;

5. Renato Duprat Filho, brasileiro, casado, filho de Renato Duprat, portador da cédula de identidade RG 6.610.836 SSP/SP e CPF 567.734.638-15, com endereço comercial à rua Leopoldo Couto de Magalhães Júnior, 110, 12º andar, conjunto 123, nesta capital;

6. Alexandre Verri, brasileiro, casado, filho de Antônio Verri e Izabel Catanho da Silva Verri, portador da cédula de identidade RG 12.277.216 SSP/SP e CPF 082.290.548-51, com endereço residencial à rua Coronel Raul Humaitá Vila Nova, 74, aptº 41 e comercial à avenida Nações Unidas, 12.995, 18º andar, nesta capital;

7. Paulo Sérgio Scudiere Angioni, brasileiro, casado, portador do RG 2.300.914-5 SSP-SP e CPF 097.699.277-91, com endereço residencial à rua Eleonora Cintra, nº 960, aptº 610, nesta capital;

8. Nojan Bedroud, iraniano, cidadão britânico, solteiro, nascido em 04.06.1963, filho de Roben Bedroud e Shokouh Salman, portador do passaporte britânico nº 094538819 e do CPF nº 059.967.527-60, atualmente em local não sabido; pelos fatos a seguir descritos:

1. Boris Berezovsky

Quando interrogado em maio de 2006 (fls. 143/149 do apenso VII aos autos principais), Boris Berezovsky declarou ter sido professor de matemática da Academia de Ciências da União Soviética até 1989, quando tinha 43 anos de idade, recebendo, até então, o equivalente a trezentos dólares mensais. Três anos antes, em 1986, por ocasião da abertura econômica e política da União Soviética, teria aplicado o correspondente a cinco mil dólares numa joint venture entre o Instituto de Ciências e Controle da Academia de Ciências, a Autovaz, empresa fabricante de automóveis, e a empresa italiana Logosystems. Outros quatro sócios teriam aplicado valores semelhantes. Cinco anos depois, em 1991, o patrimônio desses cinco afortunados investidores teria atingido a espantosa cifra de 20 milhões de dólares. Ou seja, um rendimento de 80.000 % (oitenta mil por cento) em cinco anos. Sem dúvida uma cifra espantosa e insuperável mesmo para países de tradição capitalista.

Entre 1992 e 1999, Berezovsky viu ampliar seu poder econômico e ganhou ascendente influência política durante os dois mandatos sucessivos de Boris Yeltsin. Participou ativamente na candidatura de Vladimir Putin, sucessor de Yeltsin, eleito em 2000. Na mesma campanha, já um milionário influente, também Berezovsky foi eleito representante no Duma, casa legislativa da Federação da Rússia.

Ainda em 2000, com a prisão de seu associado empresarial Nikolai Gluchkov, e temendo o mesmo destino, fugiu da Rússia, tendo passado pela França e posteriormente obtido asilo político na Inglaterra.

Assim, em um período de apenas dez anos, coincidente com a privatização de ativos da extinta União Soviética, Berezovsky tornouse de obscuro e mal remunerado professor de matemática em político influente e poderoso multimilionário.


De acordo com documentos recebidos da Procuradoria Geral da Federação da Rússia, devidamente traduzidos por tradutores públicos, por fatos ocorridos no mesmo período, Berezovsky responde, naquele país, a três investigações policiais:

a) Em abril de 1993, o governo da Federação Russa criou a Aeroflot – Linhas Aéreas Internacionais Russas, com 51 % (cinqüenta e um por cento) das ações pertencentes ao Estado. Menos de um ano depois, Boris Berezovsky e Nikolai Gluchkov constituíram, na Confederação Suíça, a empresa Andava. A Andava, por seu turno, criou a Corporação Financeira Unida FOK, tendo sido designado Cheinin como seu diretor geral. Utilizando-se de sua influência, Berezovsky conseguiu que Gluchkov e Krasnenker fossem designados, respectivamente, como vice-diretor geral e vice-diretor geral para comércio e propaganda da Aeroflot. Berezovsky, Gluchkov e Krasnenker, em comum acordo com Kryzhevskaya, contadora-chefe da Aeroflot, e sob o pretexto de manutenção de recursos no Exterior, desviaram para a conta corrente corrente nº 423237, mantida pela Andava junto ao UBS, em Lausane, na Confederação Suíça, recursos da Aeroflot correspondentes a cerca de duzentos e cinqüenta e dois milhões de dólares. Da conta corrente da Andava, tais recursos foram transferidos para contas pessoais de Gluchkov, Krasnenker, Kryzhevskaya e Cheinin e para a conta corrente nº 90-254.646.1 no UBS, de titularidade da empresa Ruko Trading, cujo proprietário é Boris Berezovsky. Para garantir que os recursos não pudessem ser reclamados pela Aeroflot, os nominados forjaram contratos e títulos com a Corporação FOK, associando, de maneira dissimulada, ao capital desviado, juros e multas contratuais.

Conforme tradução pública da sentença juntada aos autos, Gluchkov , Kryzhevskaya e Cheinin responderam a processo criminal e foram condenados como incursos no artigo 159, parte 3 (b) do Código Penal da Federação Russa. A conduta praticada amolda-se ao peculato, conforme previsto no art. 312 do Código Penal Brasileiro.

Também por esses fatos, Boris está sendo investigado pelo delito estampado no art. 174 parte 3 do Código Penal da Federação Russa, correspondente, em nossa legislação penal, à lavagem de capitais praticada por organização criminosa. Boris Berezovsky fugiu antes do início do processo e, pelas leis processuais vigentes à época, não poderia ser processado à revelia.

A atuação de Boris Berezovsky, bem como dos demais envolvidos, é objeto de investigação criminal na Confederação Suíça.

b) Entre 1994 e 1995, Boris Berezovsky teria comandado um grupo organizado do qual participaram Patarkatsichvili e Dubov. Berezovsky, presidente do Conselho de Diretores da Logovaz, empresa que comercializava automóveis e detentor de 7,7% (sete inteiros e sete décimos por cento) do capital inicial da sociedade, obteve 2322 (dois mil, trezentos e vinte e dois) automóveis em consignação da empresa fabricante Autovaz. Vendidos os automóveis, os recursos correspondentes não foram pagos ao fabricante mas desviados em proveito dos acima nominados, visando-se diversas finalidades, entre elas o pagamento de ações da ORT – Televisão Russa Social, adquiridas por Boris Berezovsky, assegurando-se sua eleição como primeiro vice-presidente do Conselho de Diretores e o controle do primeiro canal de televisão da Federação Russa. Ademais, em assembléia do Conselho de Diretores obteve a nomeação de Patarkatsichvili como primeiro vice-diretor geral de comércio e finanças da ORT. Os recursos desviados também foram utilizados, conforme extensa relação contida nos documentos oriundos da Procuradoria Geral da Federação Russa, para a compra da Editora Ogoniok e aquisição de imóveis junto à empresa Soiuz International, entre eles um chalé para a filha de Boris Berezovsky, Elena Berezovskaia.

Visando-se ocultar os valores desviados, Boris Berezovsky fez com que a Logovaz assumisse de maneira dissimulada, através da entrega fictícia de títulos, os débitos fiscais que a Autovaz possuía junto ao distrito de Samara. Tal compensação de créditos nunca ocorreu de fato.

Por conta de tais fatos, Boris Berezovsky também responde, nesse caso, a investigação por infração ao artigo 159, parte 3 (b) do Código Penal da Federação Russa (antigo art. 147 do mesmo diploma legal), correspondente ao delito de peculato previsto no art. 312 do Código Penal Brasileiro.


c) Em 1994, Boris Berezovsky, diretor geral da ABBA – Aliança Automobilística de Toda a Rússia, amparado no decreto presidencial nº 2286, de 26 de dezembro de 1993 sobre medidas de auxílio à sociedade de ações ABBA, e sob o pretexto de necessidade de um local para a promoção de encontros com delegações nacionais e internacionais de alto nível, obteve a posse de uma propriedade rural na região de Krasnogorski. Ato contínuo, Berezovsky, presidente do Conselho de Diretores da Logovaz, empresa que comercializava automóveis e seu acionista, fomentou a eleição de Dubov como diretor geral da sociedade e instigou-o a comprar a casa de campo nº 2 situada na referida propriedade, transferindo-a para os ativos da Logovaz. Em seguida, o referido imóvel foi vendido pela Logovaz à filha de Boris Berezovsky, Elena Berezovskaia.

Por conta de tais fatos, Boris Berezovsky também responde, nesse caso, a investigação por infração ao artigo 159, parte 4 do Código Penal da Federação Russa, correspondente a peculato praticado por organização criminosa e em valores elevados.

Considerando-se as investigações criminais supracitadas, foi determinada, pela Federação da Rússia, a prisão de Boris Berezovsky em cada um dos procedimentos criminais correspondentes.

Finalmente, na França, segundo documentos de fls.3/5 dos autos referentes ao pedido de cooperação judicial com aquele país, Boris Berezovsky é investigado por lavagem de capitais e utilização de documentos falsos, entre outros delitos, em virtude da aquisição, em dezembro de 1996, do Castelo de Garoupe por 55 milhões de francos.

Em julho de 1997, também foi adquirido o Campanário de Garoupe por 90 milhões de francos, bem como móveis para o castelo num montante de 24 milhões de francos.

2. Kia Joorabchian: primeiros passos no Brasil

Em meados de 2004, conforme narrado (fls.77/81 do apenso VII) por Antonio Roque Citadini, conselheiro vitalício do Sport Club Corinthians Paulista (SCCP), ele, Alberto Dualib, presidente do clube, e sua neta Carla Dualib participaram de uma reunião de negócios no Hotel Fasano em São Paulo.

Nessa reunião, Renato Duprat Filho apresentou ao grupo o iraniano Kia Joorabchian que, inicialmente, manifestou interesse na aquisição de direitos de transmissão das partidas do campeonato brasileiro de futebol tendo, em reuniões posteriores, proposto a formação de uma parceria entre a empresa que dizia representar, a MSI – Media Sports Investment Limited, e o SCCP.

Embora Kia se apresentasse como procurador da MSI, empresa off shore sediada na Inglaterra e com endereço indicado à 71, Kingsway, 5th floor, WC2B 6ST, em Londres, é de se observar que, na época indicada, a empresa sequer existia, de fato ou formalmente, e, portanto, não possuía qualquer histórico que lhe conferisse credibilidade. De fato, a empresa somente foi constituída, conforme fls. 1814 do apenso XI, em 31 de agosto de 2004.

Temeroso dos prejuízos que a parceria proposta pudesse trazer ao clube, Antonio Roque Citadini não mais participou das reuniões que se seguiram.

3. Renato Duprat Filho e Kia Joorabchian: os intermediários de Boris Berezovsky

3.1 Renato Duprat Filho foi administrador da Saúde Unicor Assistência Médica Ltda. (Unicor), empresa liqüidada extrajudicialmente pela ANS – Agência Nacional de Saúde em 2001 devido a graves anormalidades econômico-financeiras. A Unicor havia patrocinado o Santos Futebol Clube na década de 1990.

3.2 Kia Joorabchian, nascido no Irã, que também responde por Kia Kiavash e Kiavash Joorabchian, e apresenta nacionalidades britânica e canadense e duas datas de nascimento, a saber, 14.07.1971 e 25.07.1971, era desconhecido no mundo dos negócios até que em junho de 1999, juntamente com outro iraniano chamado Reza Irani-Kermani, ambos à frente de um também desconhecido fundo de investimentos recém constituído e sediado nas Ilhas Virgens Britânicas, o American Capital LLC, e sem falarem uma palavra em russo, adquiriram de Vladimir Yakovlev, fundador e sócio majoritário da empresa, 85% (oitenta e cinco por cento) do Kommersant Publishing House, famoso grupo editorial russo responsável pela publicação de um jornal diário e duas revistas especializadas, respectivamente, em política e finanças.


Na mesma época, 15% (quinze por cento) das quotas pertencentes ao então diretor geral do grupo Leonid Miloslavsky foram adquiridos por Boris Berezovsky que já havia, algum tempo antes, manifestado interesse na aquisição da empresa.

Algum tempo depois, Boris Berezovsky “comprou” as quotas de seu testa-de-ferro Kia Joorabchian, e tornou-se o único controlador do grupo, tendo-o vendido em 2006 a seu amigo, o também milionário Badri Patarkatsishvili.

4. A primeira viagem a Londres e o verdadeiro

proprietário da MSI

No dia 05 de agosto de 2004, Alberto Dualib e Nesi Curi, pelo SCCP e Kia Joorabchian, pela MSI, assinaram um instrumento particular de pré-contrato (fls.27/36 do apenso I), segundo o qual o SCCP manifestava interesse em firmar contrato de gestão exclusiva de seu departamento de futebol e licenciamento de propriedade intelectual com a MSI, que faria jus a 51% (cinqüenta e um por cento) do lucro líqüido auferido pelo SCCP. Em contrapartida, a MSI obrigava-se a aportar o equivalente a US$ 35.000,000,00 (trinta e cinco milhões de dólares) no SCCP.

No dia 7 de agosto de 2004, uma delegação de dirigentes do clube, composta por Alberto Dualib e Nesi Cury, respectivamente presidente e vice-presidente do SCCP, Andres Navarro Sanchez, vicepresidente de futebol, e Carla Dualib, embarcou com destino a Londres visando-se conhecer os futuros parceiros do SCCP. Essa seria apenas a primeira de uma série de viagens de dirigentes do SCCP à Inglaterra.

Em Londres, mantiveram reuniões e participaram de jantares com Boris Berezovsky bem como, a bordo de seu jato executivo particular, embarcaram para a Geórgia, ex-república soviética, onde se reuniram com Badri Patarkatsishvili, milionário presidente do clube de futebol Dínamo de Tbilisi e amigo íntimo de Boris, conforme declarado por este último em seu depoimento (fls. 143/149 do apenso VII), bem como demonstram ao fotos do casamento da filha de Badri, apreendidas em poder do Boris, um dos convidados da cerimônia (fls. 122 do apenso VIII).

Embora à época (fls.98/103 do apenso VII), Alberto Dualib tivesse afirmado desconhecer que Berezovsky era investidor da MSI, quando ouvido às fls. 60/64, retratou-se e declarou que Berezovsky, Badri e Pinni Zahavi eram os principais investidores da parceira MSISCCP.

Quando de seu retorno, Albert Dualib, segundo Antonio Roque Citadini (fls.78 do apenso VII), relatou sua viagem durante uma reunião do conselho de orientação (CORI) do clube, enfatizando a grande capacidade econômica dos investidores.

Conforme relatórios do monitoramento telefônico conduzido pela Polícia Federal, os investigados, em diversas oportunidades fizeram referência a Boris Berezovsky como o homem que detinha o poder de decisão, sendo constantemente alvo de cobranças e consultas (fls. 1129, 1223, 1268, 1304, 1307, 1309, 1310, 1311, 1370, 1371, 1487, 1488 e 1544 dos autos de interceptação telefônica). Ademais, quando intimados a depor no inquérito policial, logo após o interrogatório de Boris, os investigados manifestaram preocupação com o teor de seu depoimento e com o que cada um dos intimados iria afirmar junto a Polícia Federal, de modo que suas declarações não fossem conflitantes.

Nos últimos meses, registrou-se um intenso movimento dos investigados, em especial Alberto Dualib e Renato Duprat Filho no sentido de se obter, junto ao Ministério da Justiça, normalmente através de um intermediário chamado Breno Altman, a concessão da condição de asilado político a Boris Berezovsky, visando-se garantir uma vinda tranqüila de Boris ao Brasil (fls. 1586, 1619, 1653, 1703, 1704, 1757, 1759, 1760, 1796, 1845, 1848, 1851, 1922,1924, 1925, 1967 e 1969 dos autos de interceptação telefônica). Nesse aspecto, há menção a contatos supostamente mantidos junto a vários integrantes do alto escalão do governo federal.

Ademais, quando de sua vinda ao Brasil em maio de 2006, Boris, conforme suas próprias declarações e pelos cartões de visita apreendidos em seu poder (fls. 120 do apenso VIII), manteve contato com o ministro de planejamento e diretores da Petrobrás, Embraer e Embratur, além de executivos de empresas privadas, como a Varig, visando, segundo ele, novos investimentos.


5. O contrato de parceria

Em 24.08.2004, conforme ata acostada às fls. 261/276 do apenso II, Alberto Dualib, por ocasião da reunião do conselho deliberativo, expôs entusiasticamente o plano de parceria SCCP-MSI e através de slides (fls. 262/264 do apenso II), apresentou a MSI como integrante de um grupo de empresas controladas por uma holding, segundo eles de origem inglesa, denominada GIBM . Além da MSI, fariam parte desse grupo as empresas Westa, Invicta, IIDC (International Investment Develpment Council), Karmaa Sports, Karmaa Racing e Petrol Supermarket. Nada além dos nomes fantasia dessas empresas foi trazido aos autos. A MSI era apresentada (fls.262) como uma empresa nova, cujo primeiro negócio no Brasil seria com o SCCP, embora, conforme fls.263, já tivesse negócios com o Dínamo, clube de futebol da Geórgia, ex-república soviética.

Ao fim dessa primeira reunião, o conselho deliberativo designou uma comissão destinada a elaborar uma minuta do contrato definitivo de parceria.

Na época, todos já estavam cientes das sérias dúvidas quanto a idoneidade da MSI e de Boris Berezovsky.

Outras duas reuniões do conselho deliberativo se sucederam. Na primeira, em 05.11.2004 (ata às fls.296/309 do apenso II), discutiu-se o parecer do CORI sobre o contrato de parceria. Na segunda, ocorrida em 23.11.2004 (ata às fls. 310/335 do apenso II) aprovouse o parecer do conselho de orientação, autorizando o presidente a assinar o contrato de parceria com a MSI.

O contrato de parceria foi finalmente celebrado em 24 de novembro de 2004 (fls.222/238 do apenso II) e assinado por Alberto Dualib, Nesi Curi e Kiavash Joorabchian.

Através da cláusula 1.1. do referido contrato, a MSI obrigavase a constituir, no Brasil, a empresa MSI Licenciamentos e Administração Ltda. e, de acordo com a cláusula 1.7, a integralizar seu capital social no valor em reais equivalente a US$ 20.000.000,00 (vinte milhões de dólares), parte do investimento de trinta e cinco milhões de dólares inicialmente previsto no pré-contrato.

6. Estrutura societária da MSI: a garantia do anonimato No Brasil foi contratada a Veirano Advogados para criar uma estrutura societária que garantisse o ingresso de numerário do Exterior.

O advogado Alexandre Verri era o responsável pela operação.

Em 19.10.2004, quase dois meses após a primeira apresentação da proposta da MSI ao conselho deliberativo do SCCP feita por Alberto Dualib, foi constituída, no Brasil, a MSI Brasil Participações Ltda., cujos sócios eram Alexandre Verri e Carlos Fernando Sampaio Marques, ambos advogados do escritório Veirano Advogados (fls. 1427/1433 do apenso IX).

Em 07.12.2004, visando-se atender a cláusula 1.1 do contrato de parceria, a razão social da MSI Brasil Participações Ltda. foi alterada para MSI Licenciamentos e Administração Ltda. (fls.1418/1426 do apenso IX) e Maurício Fleury Pereira Leitão, também advogado da Veirano Advogados, substituiu Alexandre Verri no quadro social da empresa.

Em 09.02.2005, por ocasião da 2ª alteração contratual (fls.1405/1417 do apenso IX), Maurício e Alexandre retiraram-se do quadro social, cedendo suas quotas a três empresas off shore: Devetia Limited, Just Sports Inc. e MSI – Media Sports Investment Limited. As duas primeiras eram sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas, notório paraíso fiscal e a última em Londres, em endereço que, constatou-se posteriormente, abrigava apenas uma academia de ginástica pertencente a Kia Joorabchian. Paulo Sérgio Scudiere Angioni, à época administrador esportivo do SCCP constou, em referida alteração contratual, como procurador das três empresas acima elencadas. Em seu depoimento, às fls. 89/93 do apenso VII, Paulo Sérgio confirmou essa função.

Embora Kia Joorabchian tivesse declarado às fls. 482/488 do apenso III ser simplesmente um dos investidores da Just Sports Inc., às fls.1676 do apenso XI ele consta como diretor da empresa.

Em 20.04.2005, por ocasião da terceira alteração contratual (fls.1393/1404 do apenso IX), a empresa MSI Group Limited, também sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, ingressou no quadro social tendo, da mesma forma que os demais sócios, Paulo Sérgio na qualidade de procurador.


Com relação a MSI Group Limited, é de se observar que a Exnon Holdings Limited, empresa off shore sediada nas Ilhas Virgens Britânicas e constituída em 29.11.2000 (fls.1853/1911 do apenso XI) apenas em 08.09.2004, ou seja, duas semanas após a primeira apresentação da proposta da MSI ao conselho deliberativo do SCCP feita por Alberto Dualib, teve sua razão social alterada para MSI Group Limited (fls. 1856 do apenso XI).

A MSI Group Limited é uma empresa “ao portador” e os supostos detentores de seus certificados de propriedade são da Geórgia, ex-república soviética ((fls. 1900 do apenso XI) Ao longo de 2005 e 2006, mantendo-se a mesmo quadro de sócios, houve sucessivos aumentos de capital social da MSI Licenciamentos e Administração Ltda. Finalmente, em 18.09.2006, por ocasião da 18ª alteração contratual, todas as quotas foram cedidas a Devetia Limited e a MSI Group Limited, ambas também sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas e que permaneceram como únicas sócias da empresa brasileira. Paulo Sérgio foi substituído, na qualidade de procurador, pelo advogado Alexandre Verri.

Às fls.1682 do apenso XI, Nojan Bedroud consta como diretor da MSI – Media Sports Investment Limited.

Os iranianos Kia Joorabchian e Nojan Bedroud apresentavam-se, então, em referida alteração contratual, como diretor presidente e diretor sem designação, respectivamente, da MSI Licenciamentos e Administração Ltda.

Às fls. 1685/1687 do apenso XI, tem-se que a Devetia Limited é controlada por uma outra empresa denominada GGAW Limited, que nada teria a ver com a GIBM apresentada por Alberto Dualib (fls. 262/264 do apenso II) como controladora de várias empresas, entre elas a MSI – Media Sports Investment Limited.

Observa-se pois, que foi criada uma rede composta por várias empresas off shore, cujos efetivos proprietários têm suas identidades protegidas pela garantia de anonimato fornecida pelo paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, ex-colônia da Inglaterra, país que, coincidentemente, abriga Boris Berezovsky na condição de refugiado político.

Além disso, conforme pedido de assistência judicial em matéria penal, encaminhado pelo Ministério Público da Confederação Suíça, Kia Joorabchian mantém no UBS uma conta corrente em nome de sua empresa, a Gagliano Holdings Corp.. Em 17 de dezembro de 2004, pouco depois da assinatura do contrato de parceria com o SCCP, a Devetia Ltd. depositou três milhões e seiscentos mil dólares nessa conta corrente.

7. O ingresso de valores

Entre dezembro de 2004 e abril de 2007, a MSI Licenciamentos e Administração Ltda. recebeu da Devetia Limited e, em alguns casos, da Altus Investment Management Limited, conforme informações do Banco Central do Brasil e do Banco Bradesco S.A. , US$ 32.541.940,00 (trinta e dois milhões, quinhentos e quarenta e um mil, novecentos e quarenta dólares) a título de investimentos diretos no País, empréstimos ou pagamentos de passes de atletas profissionais.

A relação completa desses ingressos pode ser vista na tabela abaixo.

Data

Valor (US$)

Recebedor

Natureza da Operação

29.12.2004

1.999.965,00 Sport Clube Corinthians

empréstimo direto

09.02.2005

1.300.000,00 MSI

investimento direto

10.02.2005

1.200.000,00 Sport Clube Corinthians

passes de atletas

17.03.2005

700.000,00 MSI

empréstimo direto

21.03.2005

700.000,00 MSI

investimento direto

07.04.2005

700.000,00 MSI

investimento direto

12.04.2005

200.000,00 MSI

investimento direto

26.04.2005

470.000,00 MSI

investimento direto

05.05.2005

700.000,00 MSI

investimento direto

05.05.2005

2.000.000,00 MSI

investimento direto

31.05.2005

570.000,00 MSI

investimento direto

31.05.2005

245.000,00 MSI

investimento direto

08.06.2005

850.000,00 MSI

investimento direto

20.06.2005

1.026.837,00 MSI

investimento direto

05.07.2005

850.000,00 MSI

investimento direto

15.07.2005

110.000,00 MSI

investimento direto

18.07.2005

1.250.000,00 MSI

investimento direto

22.07.2005

500.000,00 MSI

investimento direto

11.08.2005

633.147,00 MSI

investimento direto

15.08.2005

850.000,00 MSI

investimento direto

25.08.2005

300.000,00 MSI

investimento direto

28.09.2005

2.792.191,00 MSI

investimento direto

21.10.2005

730.000,00 MSI

investimento direto

28.10.2005

4.800,00 MSI

investimento direto

07.11.2005

810.000,00 MSI

investimento direto

21.11.2005

1.000.000,00 MSI

investimento direto

05.12.2005

1.850.000,00 MSI

investimento direto

01.01.2006

1.300.000,00 MSI

investimento direto

30.01.2006

800.000,00 MSI

investimento direto

02.02.2006

1.500.000,00 MSI

investimento direto

03.04.2006

450.000,00 MSI

investimento direto

28.04.2006

200.000,00 MSI

investimento direto

01.06.2006

1.000.000,00 MSI

investimento direto

02.06.2006

400.000,00 MSI

investimento direto

02.06.2006

300.000,00 MSI

investimento direto

28.07.2006

250.000,00 MSI

investimento direto

18.09.2006

1.000.000,00 MSI

investimento direto

18.09.2006

500.000,00 MSI

investimento direto

31.01.2007

300.000,00 MSI

investimento direto

11.04.2007

200.000,00 MSI

investimento direto

Total

32.541.940,00 MSI

investimento direto

Os contratos de câmbio, registros de empréstimos estrangeiros e investimentos externos diretos e contratos de câmbio relativos a MSI foram assinados por Kia Joorabchian, Nojan Bedroud, Paulo Sérgio e Alexandre Verri (volumes 6, 7 e 8 da documentação enviada pelo Banco Bradesco S.A.).

Os recursos recebidos do Exterior a título de investimento direto no País foram creditados, via de regra, na conta corrente nº 303.247-7, aberta pela MSI Licenciamentos e Administração Ltda. junto ao Banco Bradesco S.A. e posteriormente parte deles foi transferida para a conta corrente nº 209.000-7, de titularidade do SCCP junto à mesma instituição financeira, conforme documentação acostada aos apensos formados pela documentação encaminhada pelo banco.

Por conta da parceria com a MSI, o SCCP também recebeu, em 29.12.2004 (vide tabela acima), US$ 1.999.965,00 (um milhão, novecentos e noventa e nove mil, novecentos e sessenta e cinco dólares) a título de empréstimo. Esses recursos teriam como origem uma pessoa chamada Zaza Toidze, natural da República da Geórgia.

Segundo Kia Joorabchian (fls.482/488 do apenso III), Zaza estaria transferindo diretamente ao SCCP, recursos correspondentes a um empréstimo contraído em ocasião anterior com a Devetia Limited.

Como se tratou da primeira remessa após a celebração do contrato de parceria, os denunciados provavelmente cometeram, devido à pressa com que desejavam os recursos, uma falha operacional, revelando algo que não desejavam.

Também é de se observar que, após 5 de maio de 2006, data em que Boris Berezovsky foi detido e interrogado no Brasil, apenas US$ 3.950.000,00 (três milhões, novecentos e cinqüenta mil dólares) ingressaram no País por conta da parceria MSI-SCCP, ou seja, cerca de 12% (doze por cento) do total que ingressou no País desde a assinatura do contrato. Nos dezoito meses anteriores, o valor transferido do Exterior foi de mais de vinte e oito milhões de dólares, o que parece revelar o receio de Boris Berezovsky com o futuro de seus investimentos.

É de se observar, finalmente, que jogadores como Carlos Tevez (adquirido, conforme contrato acostado às fls. 920 do apenso correspondente, por vinte milhões e seiscentos mil dólares) e Javier Mascherano (adquirido, conforme contrato acostado às fls. 931 do apenso correspondente, por oito milhões, quinhentos e quarenta e um mil euros), não foram pagos com os valores que ingressaram em território nacional, mas diretamente no Exterior em datas, valores e contas não revelados.

Pelo acima exposto, os denunciados :

a) Ao se associarem em quadrilha com o propósito estável e permanente, de, valendo-se do Sport Clube Corinthians Paulista, cometer crime previsto na Lei 9.613/98, incorreram no art. 288 do CP, de forma organizada, nos termos da Lei 9.034/95 e da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Internacional, promulgada pelo decreto 5.015/2004

b) Ao ocultarem a origem e a propriedade de valores oriundos da prática de crimes contra a Administração Pública e praticados por organização criminosa os quais o Brasil se obrigou a reprimir conforme as Convenções das Nações Unidas contra o Crime Organizado Internacional e contra a Corrupção, promulgadas, respectivamente, pelos decretos 5.015/2004 e 5.687/2006, incorreram no art. 1º da Lei 9.613/98 c.c. incisos V e VII do mesmo dispositivo.

Requeiro, portanto, a instauração de ação penal e citação dos acusados, prosseguindo-se nos demais atos processuais até ulterior condenação.

Requeiro, finalmente, a intimação de Antonio Roque Citadini (fls.28/31 dos autos do inquérito policial) para depor sobre os fatos sob as penas da lei.

São Paulo, 10 de julho de 2007

Rodrigo de Grandis Sílvio Luís Martins de Oliveira

Procurador da República Procurador da República

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