Varas especiais

Foro privilegiado: a receita para mais descrença

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13 de julho de 2007, 11h42

A cena mostrava o cumprimento efusivo que se reserva aos velhos amigos. José Roberto Batochio, advogado de Paulo Maluf, e o então ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, reencontravam-se em incontida satisfação depois da sessão que concedeu habeas corpus ao ex-prefeito de São Paulo, preso por 41 dias na carceragem da Polícia Federal. Meses depois, eleito deputado federal pelo PP, Maluf recuperaria o privilégio daquele foro, a que recorrera em último recurso.

Resumia-se, naquela imagem, o acesso privilegiado à Justiça, fonte de indignação generalizada. A causa é nobilíssima e o apelo popular, evidente. Mas apenas a impotência de uma nação face à impunidade explica que o fim do foro privilegiado vire a panacéia do combate à corrupção.

Levantamento da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) mostrou que, em 130 ações penais protocoladas no Supremo Tribunal Federal nos últimos 20 anos, nenhuma autoridade havia sido condenada. O Supremo é foro para a investigação e condenação de todo o primeiro escalão dos três poderes da República.

Deve-se ao repórter Daniel Roncaglia, do Consultor Jurídico, os números reais da impunidade produzida pelo Supremo. Das 130 ações, 52 estão hoje em tramitação. Destes, apenas três estão há mais de quatro anos no STF. Em pelo menos 46 desses casos não houve julgamento porque os processos foram remetidos de volta para as instâncias inferiores – grande parte das vezes porque as autoridades perderam seus cargos ou mandatos. Essa delonga provocou a prescrição de 10% dos casos. Do total de 130 processos houve, efetivamente, 6 absolvições.

O problema, portanto, não parece ser que o Supremo sempre absolva, mas que pouco julgue. E isso acontece num momento em que nunca se produziram tantos julgamentos na Corte. O professor de Processo Penal da USP e integrante do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), Maurício Zanóide, abre a página do Supremo na internet e mostra: até 31 de maio houve 92.632 decisões no Supremo. Descontando-se o recesso de janeiro, apura-se uma média de 105 decisões por dia para cada um dos 11 ministros da Corte.

Fim do foro privilegiado não é a panacéia

É um crescimento de 73% em comparação com o mesmo período de 2006. Para isso contribuiu o julgamento em bloco de processos, até então inédito, além do aumento do número de sessões extraordinárias e do acesso simultâneo dos ministros às notas taquigráficas dos processos, que antes eram transportadas de um gabinete para o outro.

A questão, portanto, passa a ser por que a morosidade estaria concentrada nos processos de foro privilegiado. Acabar com o instituto pode parecer uma bandeira politicamente defensável, mas pode não ser o meio mais eficiente de se obterem condenações. Isso porque os processos, ainda que trazidos para a primeira instância, depois de todos os recursos, sempre acabam no Supremo, como no caso do habeas corpus de Maluf. E isso acontece porque a maior parte dos investigados cujos processos chegam ao Supremo têm acesso aos melhores advogados. “Assim como têm acesso às melhores escolas e aos melhores hospitais”, diz Zanóide. É uma justiça elitizada num país de elite. Não se lhe remenda acabando com a Corte criada pela República em substituição ao poder do imperador como última instância para resolução de conflitos.

Sua proposta para agilizar os julgamentos dos processos do foro privilegiado inclui a criação de varas específicas de maneira que os ministros do Supremo possam delegar à primeira instância a parte mais demorada dos processos , a instrução – notificar e ouvir réus e testemunhas, promover diligências.

É muito mais simples e eficiente espalhar varas especiais pelo país do que fazer passar pelo Congresso Nacional uma emenda constitucional que decrete o fim do foro privilegiado. Zanóide o inclui no rol das propostas que agudizam na população o sentimento de que a impunidade, já num patamar crítico, não tem como ser enfrentada. Isso só tende a aumentar o descrédito generalizado e dar combustível a discursos autoritários.

Não há como saber se os juízes de primeira instância condenariam mais ou menos autoridades do que o faz o STF. À alegação de que a Corte é composta por ministros escolhidos pelo presidente da República contrapõe-se o grande número de decisões colegiadas, que tendem a minimizar a pressão política. Além disso, é o único tribunal do país – e um dos poucos do mundo – cuja transmissão ao vivo das sessões permite que o congraçamento de juízes e advogados seja exposto para além dos bastidores do poder.

Artigo publicado no jornal Valor Econômico desta sexta-feira (13/7)

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