Esconderijo cobrado

Acusados de extorquir foragido são condenados em Minas

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12 de julho de 2007, 18h06

Acusados de extorquir um médico foragido, um corretor de imóveis e um autônomo tiveram a condenação confirmada, por maioria de votos, pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O TJ mineiro manteve a decisão de primeira instância e condenou um corretor a 6 anos de prisão e 40 dias-multa, e um autônomo, que já tinha antecedentes criminais, a 7 anos e 50 dias-multa, ambos em regime inicialmente fechado.

De acordo com o voto que confirmou a condenação, há provas suficientes do crime. “Não há dúvidas acerca da configuração do delito de extorsão, que requer, para sua consumação, o mero constrangimento da vítima a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, em função de violência ou grave ameaça exercida, com a finalidade de obter indevida vantagem econômica”, afirmou o desembargador Walter Pinto da Rocha.

O médico teria sido obrigado a assinar uma nota promissória no valor de R$ 20 mil e a entregar seu veículo como garantia. A quantia teria sido cobrada pelo corretor e pelo autônomo para que o médico não fosse encontrado pela Polícia, já que havia um mandado de prisão contra ele, remetido pela Justiça de Sumaré (SP).

Para o desembargador William Silvestrini, voto vencido, os dados apresentados na ação são confusos. Segundo ele, o médico não pareceu ter sido constrangido. Ele se baseou no testemunho da dona da pousada em que o médico se escondeu antes de ser preso. De acordo com ela, o médico parecia tranqüilo e, se quisesse, poderia ter fugido do corretor e do autônomo.

Conforme os autos, o corretor era amigo do médico e o hospedou em sua casa. Por desconfiar do comportamento dele, que há 12 dias não ligava sequer para a família, investigou e descobriu que o médico tinha contra si uma ordem de prisão. Aproveitando-se da situação, aliou-se ao autônomo, cobrando do médico os R$ 20 mil para mantê-lo escondido e livre da Polícia.

Leia a decisão:

APELAÇÃO CRIMINAL 1.0251.03.007143-4/001 – COMARCA DE EXTREMA – APELANTE(S): ANTONIO DIMAS DO COUTO PRIMEIRO(A)(S), MOISES DE MOURA CABRAL SEGUNDO(A)(S) – APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS – RELATOR: EXMO. SR. DES. WILLIAM SILVESTRINI – RELATOR PARA O ACÓRDÃO: EXMO SR. DES. WALTER PINTO DA ROCHA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM REJEITAR PRELIMINAR À UNANIMIDADE E NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS, VENCIDO O DESEMBARGADOR RELATOR.

Belo Horizonte, 06 de junho de 2007.

DES. WALTER PINTO DA ROCHA – Relator para o acórdão.

DES. WILLIAM SILVESTRINI – Relator vencido.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. WILLIAM SILVESTRINI:

VOTO

Moisés de Moura Cabral e Antônio Dimas do Couto foram denunciados como incursos nas penas do artigo 158, § 1º, do Código Penal, porque, segundo consta da peça de fls. 02/04, no início de agosto de 2003, na Cidade de Extrema-MG, aproveitando-se do fato de que a vítima Herval Saretti Filho encontrava-se hospedada na casa do primeiro, com a finalidade de evitar prisão preventiva decretada em seu desfavor pela Justiça da Comarca de Sumaré-SP, constrangeram-na mediante grave ameaça e com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica, afirmando saberem da ordem de prisão e que a Polícia do Estado de São Paulo estaria a caminho, fazendo com que o ofendido assinasse uma nota promissória no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais), exigindo-lhe, ainda, a entrega de um veículo VW Gol, que se encontrava em sua posse, como garantia de pagamento, dizendo, em troca, que contavam com a proteção de policiais civis da cidade.

Consta, ainda, que o primeiro denunciado, na qualidade de corretor de imóveis, havia feito vários negócios com a vítima, ocasião em que se tornaram amigos e, ao recebê-la em casa como hóspede, percebendo sua aflição, acabou descobrindo que pesava em seu desfavor um mandado de prisão preventiva, quando então, contando com a participação do co-réu Antônio, este último simulou que lhe daria proteção juntamente com policiais civis de Extrema, não deixando que a Polícia de Sumaré-SP cumprisse a ordem, exigindo, no entanto, o pagamento da quantia mencionada até o dia 23 daquele mês e ano, levando-a, primeiro, para a casa do pai de Moisés, em Toledo-MG, e, em seguida, para a Pousada das Montanhas, localizada no Bairro dos Pessegueiros, em Extrema, onde deveria permanecer sem sair.

Por fiel aos fatos, adoto o relatório da r. sentença de fls. 365/382, acrescentando que o pedido foi julgado parcialmente procedente e os réus condenados como incursos nas sanções do artigo 158, caput, do CPB.

O réu Antônio Dimas do Couto restou condenado às penas de 06 (seis) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 40 (quarenta) dias-multa, no mínimo legal. Inconformada com a condenação, a Defesa apelou à f. 383, ofertando razões às fls. 403/412, requerendo a absolvição do réu com fundamento no artigo 386, incisos III e VI, do Código de Processo Penal.


Por sua vez, o réu Moisés de Moura Cabral foi condenado às penas de 07 (sete) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, e 50 (cinqüenta) dias-multa, no mínimo legal. Inconformado, apelou à f. 390. As razões foram apresentadas às fls. 397/400, nas quais se suscitou, em preliminar, a nulidade do processo por irregularidades cometidas na fase inquisitorial. Quanto ao mérito, pediu-se a absolvição do réu.

Contra-razões às fls. 420/422.

Intimações regulares (fls. 388/389 e f. 427 e verso).

Parecer ministerial às fls. 433/435, pelo desprovimento dos recursos.

É o relatório.

Conheço dos apelos, estando presentes os pressupostos de admissibilidade e processamento, inclusive quanto à adequação e à tempestividade.

Examino-os em conjunto.

Preliminarmente – nulidade do processo.

Requereu a Defesa do segundo apelante fosse decretada a nulidade do processo, ao argumento de que o inquérito policial padece vícios.

Em suas próprias palavras, afirmou ser “… impossível não ressaltar as atrocidades vistas a olhos nus, praticadas nos presentes autos, como por exemplo, a larga atuação da equipe policial civil mineira Apontada/Acusada, presidindo o IP” (sic, f. 398).

Asseverou que:

“A bem da verdade, certa e inegável, arbitrária se faz a atuação da polícia civil local nos presentes autos, vez que consta do próprio corpo da denúncia sua participação no crime em tese. Ao arrepio da lei, toda a equipe, à época dos fatos deveria ter sido afastada por suspeição” (sic, f. 398).

A presente argüição é de todo impertinente, data venia.

Ora, cediço que o inquérito policial é mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a embasar a atuação do órgão ministerial, que é o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela polícia judiciária.

Assim sendo, ainda que presentes eventuais irregularidades a macular tal procedimento, a jurisprudência vem, de forma uníssona e reiterada, entendendo que:

“(…) Eventuais vícios formais concernentes ao inquérito policial não têm o condão de infirmar a validade jurídica do subseqüente processo penal condenatório. As nulidades processuais concernem, tão-somente aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo da ação penal condenatória” (HC n. 73.271-2-SP, 1ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 19/3/96, DJU de 4/10/96, p. 37.100, ementa parcial).

“Por se tratar de peça meramente informativa da denúncia ou da queixa, eventual irregularidade no inquérito policial não contamina o processo, nem enseja a sua anulação” (HC n. 74.198-3-SP, 2ª Turma, rel. Min. Carlos Velloso, j. 24/9/96, DJU de 6/12/96, p. 48.711).

“O inquérito policial é mero procedimento administrativo preparatório para a ação penal, e sua instauração nada tem de ilegal, visto que tem por objetivo a apuração de fatos tidos por delituosos e a respectiva autoria” (RHC n. 5.432-SP, 5ª Turma, rel. Min. Flaquer Scartezzini, j. 14/5/96, DJU de 5/8/96, p. 26.373).

“O inquérito policial é mera peça informativa destinada à formação da opinio delicti do Parquet, simples investigação criminal, de natureza inquisitiva, sem natureza de processo judicial, mesmo que existissem irregularidades nos inquéritos policiais, tais falhas não contaminariam a ação penal. Tal entendimento é pacífico e tão evidente que se torna até mesmo difícil de discuti-lo” (LEX 62:268, ementa parcial).

“Segundo lição do Pretório Excelso, ‘sendo o inquérito peça meramente informativa, não há como pretender-se que vício seu possa projetar-se na ação penal, acarretando a nulidade desta’. Impossível o trancamento da ação penal, se a denúncia, descrevendo a ocorrência de crime em tese, está ancorada em fato descrito no inquérito policial” (RT 721:532).

“Inquérito Policial é ‘mera peça investigatória’. Não tem, em si, nenhuma força conclusiva” (RT 713:400, ementa parcial).

Amparado em tais fundamentos rejeito, sob a égide da brevidade, a presente preliminar.

O SR. DES. WALTER PINTO DA ROCHA:

VOTO

De acordo.

O SR. DES. ELI LUCAS DE MENDONÇA:

VOTO

De acordo.

O SR. DES. WILLIAM SILVESTRINI:

VOTO

Mérito.

Antes de adentrar o mérito propriamente dito, necessário se faz tecer algumas considerações.

“Em geral, a extorsão apresenta dois elementos essenciais, que são a coação da vítima e a obrigação de agir ou deixar de agir, de modo a proporcionar o proveito ilícito para o autor do delito.

(…)

A conduta típica do artigo 158, caput, consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa, a fim de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica (…). O verbo constranger deve ser entendido como coação, obrigação determinada pelo sujeito ativo, mediante violência ou grave ameaça. Decorrem daí os seguintes requisitos da extorsão: a) constrangimento do sujeito passivo, mediante emprego de violência ou grave ameaça, para que se faça, deixe de fazer, ou tolere que se faça alguma coisa; b) finalidade de obter (para si ou para outrem) indevida vantagem econômica” (in Curso de Direito Penal Brasileiro, Luiz Regis Prado, Vol. 2, Parte Especial, Ed. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2004, páginas 423 e 424).


Fernando Capez leciona:

“A ação nuclear do tipo consubstancia-se no verbo constranger, que significa coagir, compelir, forçar, obrigar alguém a fazer (…), tolerar que se faça (…) ou deixar de fazer alguma coisa (…). Há primeiramente a ação de constranger realizada pelo coator, a qual é seguida pela realização ou abstenção de um ato por parte do coagido” (in, Curso de Direito Penal, Parte Especial, Vol. 2, Ed. Saraiva, 5ª ed., 2005, páginas 426 e 427).

Ao exame do conjunto probatório coligido ao feito, não fiquei convencido de que a vítima, em momento algum, tenha, de fato, ficado atemorizada. Em realidade, toda a estória destes autos está muito mal contada, data venia.

De fato, as palavras da vítima Herval Saretti Filho não convencem. Convenhamos, a uma acurada leitura do caderno processual, ressoam insiceras, inverídicas.

Colhe-se do testemunho de Abigail da Silva:

“(…) Que, é proprietária da ‘Pousada da Montanha’; que, conheceu Moisés no dia em que chegou na pousada, acompanhado de um Sr. chamado Herval; que, Moisés só levou Herval até a pousada; que, logo em seguida Moisés foi embora; que, Herval se apresentava como um cliente comum; que, Herval não aparentava nervosismo ou qualquer outra característica incomum; que, Herval ficou na pousada durante aproximadamente de 03 a 04 dias; que, Herval só saiu da pousada preso, sob a custódia da polícia (…) que, os policiais falaram para a depoente que Herval era estelionatário; que, no local acredita que havia três policiais de Extrema; que, não conhece o acusado Antônio Dimas; que, havia uma pessoa (homem) que levava almoço para Herval, todos os dias; que, não conhece esta pessoa; que esta pessoa chegava em um carro Brasília; que, esta pessoa ficava pouco tempo na pousada indo embora; que, não viu esta pessoa nunca mais, nem mesmo em companhia de Moisés. (…) que, Herval se apresentou para a depoente como Dr. Herval, falando que era advogado (…) que, Herval era uma pessoa que falava muito pouco (…) que, a depoente somente viu a movimentação policial próximo a sua pousada no dia da prisão de Herval (…) que, esta terceira pessoa que ia levar comida a Herval se apresentou com o nome de Antônio; que, não se recorda se Herval se apresentou como Dr. Amauri; que, Antônio comentou com a depoente que iria fazer um churrasco no sábado, na pousada em companhia de Herval e mais pessoas; que, uma mulher também visitou Herval, esclarecendo que apesar de acompanhada não soube identificar a pessoa; que, esclarece que Herval ficou com a cópia da chave de seu quarto e também com a do portão de entrada; que, Herval ficou com a cópia do portão de entrada pois precisa abri-lo quando a pessoa que ia levar comida chegava; que, Herval não usou telefone em nenhuma oportunidade, esclarecendo que se Herval quisesse ter usado poderia tranqüilamente ter usado o telefone; que, a distância entre a pousada e a estrada mais próxima é de 50,00 mts.; que esta estrada é a Fernão Dias; que, quando ficou sabendo do churrasco, que gostariam de fazer, Herval e a terceira pessoa chamada de Antônio estavam conversando na beira da piscina, tranqüilamente” (termo de fls. 302/303) (destaquei).

Eis aí trechos do único testemunho que tenho por confiável nestes autos, redobradas vênias. Ora, não é crível que uma pessoa que estivesse sendo vítima de um crime gravíssimo – extorsão – apresentasse tanta tranqüilidade, sendo ainda hospedada em uma pousada bonita e aconchegante (vide fotos de fls. 196/201), com todo o conforto, e também com ampla possibilidade de fuga, já que localizada às margens de uma rodovia tão movimentada (Fernão Dias)!

Lado outro, não pode passar despercebido o fato de a vítima Herval Saretti Filho, sempre que ouvida, ter procurado a todo custo inocentar o réu Moisés de Moura Cabral, justamente um de seus algozes. De se conferir, verbi gratia, o termo de fls. 287/288.

Frise-se: o crime de extorsão, para caracterizar-se, exige o emprego de violência ou grave ameaça como meio de constrangimento, visando à obtenção da indevida vantagem econômica. Em assim sendo, é de se ter como certo que, para a configuração de tal crime, indispensável o efetivo constrangimento da vítima, de modo a atemorizá-la, amedrontá-la, aterrorizá-la, etc…

A extorsão é delito grave, que fixa severas penas, impondo extremo cuidado ao julgador, mormente ao condenar alguém.

Repito, ao exame da prova coligida, tenho que não restou cabalmente comprovada a tipicidade do delito in specie.

É da jurisprudência:

“EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – EXTORSÃO – CONCURSO – COMPROVAÇÃO – PROVA DÚBIA – CONDENAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE.

Não existindo elementos de convicção quanto ao real constrangimento da vítima a fazer, deixar de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa, mediante ameaça ou violência, com intuito de obterem os agentes para si ou para outrem indevida vantagem econômica, descaracteriza-se a tipicidade necessária à comprovação da extorsão qualificada por concurso de pessoas.


Padecendo dúvidas quanto à culpabilidade, devem os agentes ser absolvidos (in dubio pro reo).” (Apelação Criminal nº 2.0000.00.446625-1/000, Relator Juiz Ediwal José de Morais).

“PENAL – EXTORSÃO – AUSÊNCIA DE VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA – ABSOLVIÇÃO MANTIDA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

A grave ameaça não se caracteriza se a vítima não se sentiu amedrontada ou atemorizada com a ameaça. Recurso improvido” (TJMG – 5ª Câmara Criminal – AC 479224-5 – Rel. Des. Hélcio Valentim – Comarca de Belo Horizonte – j. 02/08/2005).

“Para que se tipifique o delito de extorsão mister é que o meio coativo utilizado pelo agente (violência física ou moral) seja de tal intensidade que sobrevenha à vítima um constrangimento, levando-a a fazer, tolerar ou omitir alguma coisa” (TACRIM – SP – AC – Rel. Gonçalves Nogueira – RT 616/318).

Não há dúvidas de que os apelantes tendem à delinqüência (CACs de fls. 250/251, respeitante a Moisés de Moura Cabral, e de fls. 259/260, relativa a Antônio Dimas do Couto). Todavia, como já anotado, as palavras da vítima soam insinceras! Assim, devem ser recebidas com extrema reserva.

A mim me parece mais ter havido um conluio qualquer entre réus, vítima e outras pessoas que não restaram, por motivos vários, devidamente identificadas e/ou devidamente denunciadas e processadas, menos que Herval Saretti Filho tenha sido, verdadeiramente, submetido à pratica de extorsão.

É fato, não se afigura identificável o efetivo constrangimento ilegal, violento ou sob grave ameaça, sofrido pela vítima, que o artigo 158 do CP reputa indispensável à configuração do delito.

Tenho, pois, que o conjunto probatório afigura-se insuficiente – confuso, dúbio – para incutir a certeza necessária à manutenção do decreto condenatório proferido em primeira instância e, pairando dúvida, deve ela ser reconhecida em favor dos réus.

Com a habitual proficiência, a em. Des. Maria Celeste Porto já deixou registrado que:

“Consoante os princípios do Estatuto Processual pátrio, a dúvida não poderá, jamais, ser sopesada contrariamente ao réu, visto que a condenação exige certeza, clareza e segurança, repelindo ilações ou conjecturas. Portanto, a mera suposição ou, ainda, indícios, mesmo que veementes, não subsistem à nebulosidade gerada pela incerteza, devendo, nesse caso, ser o réu socorrido pelo vetusto princípio in dubio pro reo.

(…)

Esta Corte, em diversas ocasiões, já se manifestou no sentido de que:

‘Para se obter a certeza da criminalidade, é necessário que a prova indiciária apresente valor decisivo, acima de qualquer dúvida, apontando, sem esforço, o acusado como responsável pelo crime que lhe é imputado.

Indícios, suspeitas, ainda que veementes, não são suficientes para alicerçar um juízo condenatório.

A prova indiciária somente é bastante à incriminação do acusado quando formadora de uma cadeia concordante de indícios graves e sérios, unidos por um liame de causa e efeito, excludentes de qualquer hipótese favorável ao acusado.

Para a condenação é mister que o conjunto probatório não sofra embate da dúvida’ (TAMG – AP nº 204.264-4 – Rel. Juiz Audebert Delage – Julg. 27/2/96 – RT 732/701).

No mesmo sentido, o magistério de Fernando Pedroso:

‘A sentença de conteúdo condenatório exige, para sua prolação, a certeza de ter sido cometido um crime e de ser o acusado o seu autor. A menor dúvida a respeito acena para a possibilidade de inocência do réu, de sorte que a Justiça não faria jus a essa denominação se aceitasse, nessas circunstâncias, um édito condenatório, operando com uma margem de risco – mínima que seja – de condenar quem nada deva. Como ressaltou o Juiz Lúcio urbano, do TAMG, ao relatar a Ap. Crim. nº 5.520, de Belo Horizonte, ‘Tudo aquilo que oferece duas conclusões lógicas não permite ao Juiz Criminal admitir a contrária ao réu, porque a condenação é fruto de prova induvidosa, já que o Estado não tem maior interesse na verificação da culpabilidade do que na verificação da inocência, como procedentemente afirmou Carrara’ (in RT 524/449). Por isso, ’em matéria criminal, a prova deve ser límpida; qualquer dúvida deve vir a favor do imputado, porque temerária a condenação alicerçada em elementos eivados de incertezas’ (RT 523/375). ‘Uma condenação não pode estar alicerçada no solo movediço do possível ou do provável, mas apenas no terreno firme da certeza’ (RT 529/367). Portanto, ‘a dúvida in poenalibus deve ser decidida pro libertate’ (RT 525/348), pois ‘um culpado punido é exemplo para os delinqüentes’, ao passo que um inocente condenado – como corretamente ponderou La Bruyère – constitui ‘preocupação para todos os homens de bem’ (de ac. un. De 17/10/74, da 1ª Câm. Do TACrimSP, na Ap. nº 91.725, de Presidente Epitácio, rel. Azevedo Fraceschini)…’


E conclui:

“Dessa forma, uma condenação somente terá lugar quando o exame sereno da prova conduza à exclusão de todo motivo sério para duvidar” (in Processo Penal – O Direito de Defesa, Forense, 1ª edição, 1986, p. 35).

(…)” (Apelação Criminal nº 2.0000.00.456454-5/000, Relª. Juíza Maria Celeste Porto).

Ao exposto, considerando a dubiedade do conjunto probatório, tenho por inviável a manutenção do decreto condenatório, razão pela qual provejo as apelações para absolver os réus da imputação que lhes foi dirigida, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal.

O SR. DES. WALTER PINTO DA ROCHA:

VOTO

Peço vênia para discordar do entendimento manifestado pelo em. Desembargador Relator no tocante ao mérito dos recursos interpostos, por vislumbrar como adequada a manutenção da r. decisão recorrida.

Compulsando os autos, observo que restaram comprovadas, à saciedade, tanto a materialidade quanto a autoria do delito de extorsão por parte dos recorrentes.

A materialidade resta estampada através do boletim de ocorrência de f. 08-12, declarações da vítima e pela prova testemunhal que demonstram, sem sombra de dúvidas, a exigência de indevida vantagem patrimonial sob grave ameaça.

Não há dúvidas acerca da autoria do delito.

O ofendido confirmou, tanto na fase de inquérito quanto em juízo, que o primeiro recorrente, Antônio Dimas Couto, exigiu-lhe a quantia de R$20.000,00 (vinte mil reais), sob a grave ameaça de que, caso não efetuasse o pagamento do valor, o entregaria para a polícia, considerando a existência de um mandado de prisão em seu desfavor.

De acordo com as declarações da vítima Herval Saretti Filho, em juízo:

“(…) são parcialmente verdadeiros os fatos narrados na denúncia. Pretendendo evitar o cumprimento de mandado de prisão expedido pela Justiça de Sumaré, o declarante se dirigiu a cidade de Extrema, onde reside seu amigo Moisés, ali permaneceu por aproximadamente 12 dias e, em um dado momento, chegou naquela residência o acusado Antônio. Este afirmou pleno conhecimento do mandado de prisão, bem como da chegada de policiais de São Paulo naquela mesma noite. Como condição para evitar sua prisão, Antônio exigiu R$20.000,00 (…) Antônio afirmou ter ‘grampeado’ o telefone da residência e o celular de Moisés, bem como consultado a placa do veículo com o qual o declarante se dirigiu ao estado de Minas Gerais; Antônio mencionou ser irmão de um policial cujo apelido era ‘Pimpim’; (…) Antônio exigiu a colaboração e ameaçou forjar flagrante de tráfico de cocaína colocando droga em seu automóvel particular. Segundo as ameaças de Antônio, eventual resistência por parte do interrogando importaria em represálias contra seu amigo Moisés (…)” (f. 287).

O informante Igor Lima Saretti, em seu depoimento prestado no contraditório, confirmou linearmente as declarações da vítima, aduzindo:

“(…) conhece o co-réu Moisés, de quem recebeu telefonema solicitando a presença na cidade de Bragança Paulista. O declarante se dirigiu a aquela cidade onde encontrou o co-réu Antônio. Este afirmou pleno conhecimento do mandado de prisão expedido contra seu pai, bem como exigiu R$20.000,00 para que o paradeiro de seu pai não fosse comunicado a polícia. O declarante manteve contato com seu pai em uma pousada no estado de Minas Gerais, onde foi assinada uma nota promissória no valor acima. Retornou para a cidade de Sumaré, sobrevindo inúmeros telefonemas por parte de Antônio, cobrando os R$20.000,00. (…)” (f. 285).

Portanto, não há dúvidas acerca da configuração do delito de extorsão, que requer, para sua consumação, o mero constrangimento da vítima a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, em função de violência ou grave ameaça exercida, com a finalidade de obter indevida vantagem econômica.

Restou suficientemente demonstrado que a vítima inclusive assinou uma promissória no valor exigido, ou seja, R$20.000,00, para evitar que se tornasse público o local onde se refugiava em razão da existência de mandado de prisão contra si.

A respeito, ressalte-se que a participação do denunciado Moisés no delito é inafastável, sendo que toda sua movimentação, desde a vinda do ofendido para sua residência no interior, amolda-se perfeitamente ao modus operandi eleito em conluio com o co-réu Antônio, destacando-se que foi o próprio recorrente Moisés quem efetivamente procurou informações acerca da existência de mandado de prisão em desfavor da vítima, como se constata do depoimento da testemunha Juliano Pardim Duarte, in verbis:

“(…) que o Moisés, ainda lhe contando o ocorrido, lhe disse que estranhou a atitude da vítima Herval, porque este ao passar muitos dias na residência do Moisés não ligava e nem mantinha contato com seus familiares, vindo até a pessoa do depoente narrar o ocorrido e procurar saber se tinha alguma coisa com relação à pessoa da vítima Herval na polícia; (…) que passados alguns dias o depoente procurou a pessoa do acusado Moisés e lhe perguntou o que tinha acontecido com a vítima Herval, tendo o Moisés lhe informado que já estava tudo resolvido; (…) pelo que foi alegado a vítima estaria sendo presa ilegalmente pelos acusados Moisés e Antônio Dimas; (…)” (f. 324-325).


Desta forma, não há que falar em uma simples “combinação” entre a vítima e os recorrentes, considerando que estes se aproveitaram da situação periclitante do ofendido, descobrindo haver contra ele um mandado de prisão a ser cumprido, para ameaça-lo gravemente e obter indevida vantagem patrimonial.

Nesse particular, o apelante Moisés, que já possuía antigo conhecimento com o sujeito passivo, passou informações ao primeiro recorrente de que a vítima era pessoa abonada economicamente, mostrando-se conveniente hospedá-lo em sua residência para atingir o objetivo planejado.

De acordo com as declarações do apelante Antônio na fase de inquérito, temos:

“(…) Que Moisés disse ‘se a gente puder dar uma mão para ele, dá pra ganhar um dinheiro em cima’; que Moisés disse ainda, ‘nós podemos pedir uns R$20.000,00 (vinte mil reais), que ele tem bastante dinheiro, tem casa que vale oitocentos mil, tem apartamento, tem barco, tem terreno aqui em Munhoz’ (…)” (f. 20).

Conforme bem registrado pelo MM. Juiz sentenciante:

“Assim, Moisés, conhecedor da vida pessoal e financeira da vítima, vivenciando o seu sofrimento e suas dificuldades, aproveitou da oportunidade e combinou com o Antônio a prática do crime. Repise-se, que o único liame entre a vítima e o acusado é o acusado Moisés, pois a vítima não conhecia Antônio e vice-versa. Ademais, como Antônio Dimas soube da presença da vítima na casa de Moisés? Não existe alternativa, salvo a de que Moisés, conhecedor da vida da vítima, teria arquitetado a extorsão, obtendo ajuda de Antônio” (f. 373).

Não há que falar em suposta contradição entre os depoimentos testemunhais como argumentado pelo segundo apelante, sendo a prova coligida na instrução criminal bastante para apontar a autoria delitiva dos dois denunciados, conforme ressaltado, ressaltando que pequenas incongruências observadas entre os prestados na fase de inquérito e aqueles verificados no contraditório não conduzem à ineficácia da prova, como manifesta reiterada jurisprudência:

(TACRIM SP. AC. 328850 – Rel. Aroldo Viotti, DJ. 09.12.98).

“PROVA TESTEMUNHAL. VERSÕES DIVERSAS APRESENTADAS NO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E NO DEPOIMENTO JUDICIAL, QUE NÃO INCIDEM SOBRE ELEMENTO ESSENCIAL DO FATO. EFICÁCIA. PREVALÊNCIA DO RELATO APRESENTADO EM JUÍZO. NECESSIDADE: – O oferecimento de relato diverso daquele apresentado no auto de prisão em flagrante em nada compromete a validade do depoimento judicial quando a divergência não incide sobre elemento essencial do fato, sendo certo que deve prevalecer a versão testemunhal apresentada em juízo, sob as garantias do contraditório.”

Todos os elementos configuradores do tipo penal de extorsão se caracterizaram, sendo patente o constrangimento ilegal da vítima, mediante grave ameaça pelos agentes com o intuito de obter indevida vantagem econômica.

Diferencia-se, neste particular, o crime de extorsão do delito de roubo porquanto, naquele, o sujeito passivo, após constrangimento mediante grave ameaça ou violência, entrega por suas próprias mãos os seus pertences ao sujeito ativo, ao passo que, no roubo, há a subtração violenta, ou seja, a tomada da res pelo próprio agente após incutir grave ameaça ou violência à vítima.

Sobre o assunto, leciona Luiz Regis Prado em Curso de Direito Penal Brasileiro:

“A extorsão, apesar de muito semelhante, não se confunde com o roubo. Neste, o autor toma a coisa pessoalmente; naquela, faz com que ela lhe seja entregue ou colocada à sua disposição. (…) Estabelecendo a diferença entre extorsão e roubo, ensina Maggiore que este último ‘é um típico furto violento, e tem todas as características do furto mais o elemento violência. O ladrão subtrai por si mesmo, usando de violência, uma coisa de quem a tem em seu poder; o autor da extorsão faz com que este a entregue mediante violência e ameaça. Logo, no roubo a conduta da vítima consiste em tolerar; na extorsão, em fazer ou não fazer (facere aut non facere). Ademais, no furto violento o proveito injusto é um fim; na extorsão, um requisito objetivo, uma realidade'” (Derecho Penal, P.E. V., p. 94, apud PRADO, Luiz Régis, Curso de Direito Penal Brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, 4ª Edição, São Paulo, V.2, 2005, p. 457.).

Frise-se, contudo, que, apesar de restar configurada, ao nosso entendimento, a causa de aumento de pena prevista no artigo 158, §1º, em razão do concurso de pessoas, não havendo recurso da acusação, resta prejudicada a matéria em face da vedada reformatio in pejus.

Observo, por fim, que as penas foram adequadamente aplicadas, seguido o critério trifásico previsto no artigo 68, do CP, motivo pelo qual não merecem qualquer reparo.

Com essas considerações, acompanho o em. Des. Relator quanto à rejeição da preliminar argüida pelo segundo apelante e, no mérito, nego provimento às apelações interpostas, mantendo, na íntegra, a r. decisão recorrida.

Custas, ex lege.

O SR. DES. ELI LUCAS DE MENDONÇA:

VOTO

Acompanho o em. Des. Revisor, concluindo também pela suficiência da prova a autorizar o juízo condenatório.

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