Contra lei

Jornal não pode publicar foto de menor morto, afirma Justiça

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11 de julho de 2007, 0h00

A foto de um menor assassinado não pode ser publicada de modo que permita sua identificação, muito menos o nome ou endereço da vítima. O entendimento é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça Minas Gerais, que confirmou a condenação do jornal O Tempo ao pagamento de R$ 10 mil de indenização por danos morais a um aposentado.

O jornal publicou reportagem com a foto do filho, de 16 anos, assassinado na porta de casa, além do nome e do endereço da vítima, apontado, pela notícia, como usuário de droga.

Segundo o desembargador Tarcísio Martins Costa, ainda que o aposentado não aparecesse na foto, o artigo 143, do Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos envolvendo crianças e adolescente a que atribuam autoria de uma infração.

Para o relator, o jornal tirou proveito econômico do fato, através do uso indevido de imagem, o que fere os princípios éticos e legais. Ele ainda considerou que o jornal invadiu a intimidade do aposentado, em um momento penoso, sem seu consentimento e mesmo sob protestos. Portanto, mais do que o desgosto de ver sua foto e a do filho morto no jornal, houve um dano moral que deve ser reparado.

O menor foi assassinado a tiros por desconhecidos no portão de sua casa. Enquanto o aposentado aguardava a polícia junto ao corpo do filho, a equipe de reportagem chegou para fazer a cobertura do fato. O aposentado pediu, inutilmente, para não ser fotografado e tampouco o filho morto, por temer pela segurança de sua família. Mesmo assim, foi publicada no jornal uma ampla reportagem ilustrada com foto do aposentado junto ao corpo do filho.

A editora responsável pela publicação alegou que apenas reproduziu na reportagem o relato das testemunhas e dos policiais. Disse que o simples fato de estampar a imagem do pai e do corpo do filho não traz qualquer repercussão para a vida do aposentado, já que as informações eram verídicas, não cabendo indenização.

Leia a decisão

APELAÇÃO CÍVEL 1.0024.05.734455-8/001 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE(S): SEMPRE EDITORA LTDA – APTE(S) ADESIV: ANTÔNIO ALVES RIBEIRO – APELADO(A)(S): SEMPRE EDITORA LTDA, ANTÔNIO ALVES RIBEIRO – RELATOR: EXMO. SR. DES. TARCISIO MARTINS COSTA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NÃO CONHECER DO AGRAVO RETIDO. REJEITAR A PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO PRINCIPAL, CONHECER PARCIALMENTE DO RECURSO ADESIVO E JULGÁ-LO PREJUDICADO.

Belo Horizonte, 29 de maio de 2007.

DES. TARCISIO MARTINS COSTA – Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Proferiu sustentação oral, pelo apelante, o Dr. Bernardo Menicucci Grossi.

O SR. DES. TARCISIO MARTINS COSTA:

VOTO

Cuida-se de apelações, principal e adesiva, interpostas contra sentença proferida pelo digno Juiz da 14ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, que, nos autos da ação de indenização por danos morais manejada por Antônio Alves Ribeiro em face de Sempre Editora Ltda., julgou procedente o pedido, condenando a requerida ao pagamento de indenização, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), além de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 800,00 (f. 174-185).

Registre-se a interposição de agravo retido às f. 99-100 dos autos.

Consubstanciado seu inconformismo nas razões recursais de f. 189-206, busca a apelante principal a reforma do r. decisum, argüindo a preliminar de cerceamento de defesa, ao argumento de que a oitiva da testemunha Nelson Nunes dos Santos Júnior se fazia imprescindível, sendo, contudo, sua pretensão indeferida, ao fundamento de que ausente o preparo da diligência de intimação, cujo recolhimento não fora determinado no despacho de f. 88.

No mérito, sustenta, em resumo, que não pode prosperar a decisão guerreada, já que não houve qualquer identificação das pessoas retratadas nos ilustrativos fotográficos publicados pelo Jornal “O Tempo”. Aduz que somente se reproduziu, na reportagem, o relato das testemunhas e dos policiais envolvidos no ocorrido, asseverando que o simples fato de terem sido estampadas a imagem do autor e do corpo de seu filho, não traz qualquer repercussão em sua esfera privada ou social, capaz de ensejar dano moral indenizável.

Salienta que não houve abalo à honra, à imagem, ao bom nome do recorrido, mesmo porque não foram veiculadas informações inverídicas ou qualquer opinião a respeito do apelado ou de seu filho.

Registra, ainda, que o mero dissabor de ver sua foto publicada no jornal, por si só, não implica no aventado abalo psicológico, a gerar direito à indenização. Argumenta, ademais, que a liberdade de imprensa e o dever de livremente informar constituem prerrogativas constitucionais, não configurando, no caso, qualquer ilicitude.


Requer, por fim, o provimento do apelo e, se assim não entender esta instância revisora, que seja reduzida a indenização arbitrada, ao fito de se evitar o enriquecimento ilícito do recorrido.

Apela adesivamente o autor (f. 222-232), batendo-se pela alteração do quantum indenizatório, por entender a condenação imposta incapaz de efetivamente reparar os danos suportados. Pleiteia, outrossim, a majoração dos honorários de sucumbência, e que o termo inicial da correção monetária e dos juros moratórios seja computado desde a data do evento lesivo.

Contra-razões ao recurso principal e ao apelo adesivo, em evidente infirmação, pugnando pelo desprovimento dos recursos (f. 210-220 e 235-241).

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade, conheço do recurso.

Agravo retido.

A apelante interpôs agravo retido (f. 99-100), contra a decisão que indeferiu a oitiva da testemunha, Nelson Nunes dos Santos Júnior, por não haver recolhido, a tempo e modo, as custas da diligência para a sua intimação.

Como cediço, trata-se de modalidade recursal que será apreciada, quando o litigante requerer, preliminarmente, que instância revisora dela conheça, por ocasião do julgamento da apelação” (CPC, art. 523, com a redação da Lei 9.139/95).

No caso, como a apelante não requereu a sua apreciação, em preliminar de suas razões de recurso, não pode o mesmo ser conhecido.

O SR. DES. JOSÉ ANTÔNIO BRAGA:

VOTO

Também não estou conhecendo, porque não foi requerida a expressa apreciação.

O SR. DES. GENEROSO FILHO:

VOTO

De acordo.

O SR. DES. TARCISIO MARTINS COSTA:

VOTO

Preliminar – cerceamento de defesa.

Argúi a apelante principal a prefacial de cerceamento de defesa, ao argumento de que a oitiva da testemunha acima nominada se fazia imprescindível, sendo, contudo, sua pretensão indeferida, ao fundamento de que ausente o preparo da diligência intimatória, cujo recolhimento não fora determinado no despacho de f. 88.

Não lhe dou razão, todavia.

Não há que se falar em cerceamento de defesa, quando deferida a realização das prova testemunhal, a parte que a requereu permanece inerte, deixando de efetuar o pagamento antecipado da diligência, inacolhível o argumento de que não foi especificamente intimada para promover o recolhimento.

Como bem ponderou o d. sentenciante:

“Ora, ‘salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes provar as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento. desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até plena satisfação do direito declarado na sentença’ (art. 19, CPC). Assim é que, tão logo após o deferimento da produção da prova testemunhal, deveria a ré ter recolhido a verba necessária para intimação da testemunha por ele arrolada.”

Destarte, intimadas as partes do deferimento da prova testemunhal e da designação da a audiência de instrução de julgamento, não efetuando o interessado, a tempo e modo, o depósito das despesas relativas ao ato, a conseqüência será o indeferimento da oitiva da testemunha arrolada, mormente se não compareceu, independentemente de intimação, trazida pela própria parte.

Note-se que o nobre Julgador sequer indeferiu a prova requerida, apenas fazendo constar do termo de audiência que a testemunha deixou de comparecer, por não ter sido recolhida a verba necessária à sua intimação (f. 97).

De mais a mais, mesmo versando os autos sobre matéria de direito e de fato, ante a prova documental produzida, não se concebe como o depoimento da testemunha em evidência poderia, de alguma forma, alterar o desfecho da causa.

Nesse contexto, desprocede a prefacial de cerceio de defesa suscitada.

O SR. DES. JOSÉ ANTÔNIO BRAGA:

VOTO

Quanto à preliminar de cerceamento de defesa, se é de interesse da parte a oitiva de testemunha, é dever intransferível o cumprimento das regras estabelecidas pela lei procedimental, notadamente, o recolhimento das custas para a expedição de mandado.

A negligência da parte apelante não pode ser transferida à função judiciária, pois ouvir testemunha de ofício, a pedido do julgador, é quebrar a isonomia da prova.

Com tais considerações, rejeito a preliminar aviada.

O SR. DES. GENEROSO FILHO:

VOTO

Também rejeito.

O SR. DES. TARCÍSIO MARTINS COSTA:

VOTO

Mérito.

Versam os autos sobre ação de reparação de danos (morais) ajuizada pelo apelado em desfavor da apelante, ao fundamento de que, tendo sido o seu filho, de apenas dezesseis anos de idade, assassinado, em 09/03/2005, a empresa ré veiculou matéria jornalística que, além de conter fotografia sua ao lado do corpo, enquanto aguardava as providências policiais, divulgou o nome completo e o endereço residencial da vítima. Acrescenta que, não obstante os apelos dirigidos à reportagem, para que não o fotografasse, visto que não desejava ver sua imagem publicada, e tampouco a do filho assassinado, por temer por sua própria segurança e dos demais membros da família, mesmo porque desconhecia os motivos do crime. Ainda assim, o jornal “O Tempo”, de Betim, divulgou ampla reportagem, ilustrada com sua foto e a do corpo de seu filho menor, fazendo tabula rasa da norma constitucional que protege a intimidade e das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, que vedam a exposição e a identificação de infantes e jovens.


Desta forma, sentindo-se lesado em seu patrimônio imaterial ajuizou o apelado a presente demanda, visando a reparação dos danos morais suportados.

Os fatos tal como narrados e comprovados, por si só, evidenciam, de forma eloqüente, que o apelado foi atingindo na sua esfera privada e social, não assistindo razão à irresignante, quando argumenta que nenhuma indenização é devida, a uma, porque não houve abalo à honra, à imagem, ao bom nome do recorrido, pois não foram veiculadas informações inverídicas ou qualquer opinião a respeito do apelado ou de seu filho; a duas, porque o mero dissabor de ver sua foto publicada no jornal, por si só, não implica no aventado abalo psicológico, e, a três, por ter apenas exercido a liberdade de imprensa e o seu dever de informar, que lhe são assegurados constitucionalmente, não se delineando, no caso, a prática de ato ilícito.

Não se desconhece que à imprensa é garantido o direito à informação, desde que não ultrapasse os limites estabelecidos pela Lei de Imprensa e pela Constituição da República, que lhe facultam o direito de noticiar fatos relevantes à população.

O animus narrandi exclui a culpa e ocorre quando a realização da reportagem tem conteúdo meramente informativo, procurando noticiar os fatos ou esclarecer o público a respeito de práticas nocivas, sem, contudo, enveredar na intimidade da vida privada do cidadão ou expor sua imagem, de forma sensacionalista.

Assim, quem pratica pela imprensa abuso no seu exercício, violando o direito de outrem, responde pelos prejuízos a que deu causa, impondo-se sejam reparados os danos, inexistindo, sob esse ponto, ofensa ao texto constitucional que assegura a liberdade de imprensa.

Não se pode confundir cerceio à liberdade de informar com a exigência do exercício da responsabilidade ética. Aliás, é oportuno dizer que, em nossos dias, existe uma profunda cisão entre os valores éticos que a sociedade e própria civilização ocidental alegam cultivar, e a mensagem divulgada cotidianamente pela mídia, através dos diferentes meios de informação.

Na percuciente análise de GILBERTO DUPAS, em artigo publicado sobre o tema, no Jornal do Brasil, de 10.05.97, sob o título O ovo da Serpente:

“Como conseqüência, um acontecimento raro e escabroso ocorrido numa pequena aldeia remota transforma-se imediatamente em destaque do Jornal das oito. Crianças e adolescentes são expostos a taras e desvios, com a mesma naturalidade que se anuncia um novo sabonete. Assaltos e assassinatos, transmitidos ao vivo de qualquer parte do mundo, povoam as salas de nossas famílias. No entanto, os milhões de pequenos atos cotidianos de afeto e solidariedade – que revelam os sentimentos claramente predominantes em nossas sociedades -, esses só merecem destaque quando são heróicos ou inusitados.”

No caso posto em lide, não se nega à apelante o direito de informar o crime cometido contra o adolescente, tristemente, mais um, entre milhares de outros cometidos contra infantes e jovens de nosso País, sob os olhares complacentes das autoridades ditas “responsáveis”.

Entretanto, é um desatino afirmar que aquele pai, ao lado do corpo de seu filho menor, vítima de covarde homicídio, ali fotografado, não padeceu de dano moral, mas apenas sofreu “mero dissabor”, ao ver sua foto reproduzida no jornal. Mais ainda, que seria incapaz de sentir dor intensa em seu íntimo, ao deparar na reportagem a cena nela estampada e o nome completo do filho menor, apontado como usuário de drogas e suspeito de um assalto, além de conter a clara indicação de seu próprio endereço residencial.

De plano, vale destacar que a imagem, como se sabe, é emanação da própria pessoa, projeção de sua “forma plástica e respectivos componentes distintos (rosto, olhos, perfil, busto, etc.), que a individualizam no seio da coletividade”, segundo CARLOS ALBERTO BITTAR e CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO (Tutela dos Direitos da Personalidade e dos Direitos Autorais nas Atividades Empresariais”, Ed. RT, 1993, p. 47).

JOSÉ M. LEITE DEL RIO em sua obra Derecho de la Persona, Madri: Tecnos, 1986, p. 186, diz o essencial:

“El derecho a la própria imagen es una manifestación del derecho a la intimidad, y consiste em poder disponery de la misma y impedir su reproductión por cualquier médio sin nuestro consentimiento.”

A sua proteção como direito decorrente ou integrante dos direitos essenciais da personalidade, desde há muito firmemente posta em nosso Direito Positivo (art. 666, X do Código Civil), de tão relevante, passou a integrar o elenco constitucional dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo (art. 5º, X da Constituição Federal de 1988).

In specie, fere os mais elementares princípios éticos e legais que a empresa recorrente não tenha respeitado o direito de um pai padecer a sua dor. E, ainda mais, que tenha tirado proveito econômico da utilização da imagem do recorrido, ao penetrar na esfera de sua intimidade, em momento tão penoso, sem o seu consentimento e sob os seus protestos, incorrendo, portanto, na mácula de locupletamento ilícito à custa do sofrimento alheio, ou de enriquecimento injusto, já que tais noticiários com suas ilustrações fotográficas atraem cada vez mais leitores, por despertar a curiosidade mórbida do público.


Assim agindo, violou princípios consagrados universalmente que impõem a reparação do dano.

E, ainda que não bastasse a ofensa ao direito personalíssimo do recorrido, a exposição, por si só, do cadáver do filho, tal como retratado, além do nome completo e do endereço residencial do menor, já seriam motivos suficientes a ensejar a reparação vindicada, em consonância com o disposto no art. 143, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, com a redação dada pela Lei nº 10.764, de 12/11/2003, litteris:

“Art. 143. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.

Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome.” (grifos nossos)

A sua vez, o art. 247 do diploma estatutista está assim redigido:

“Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua prática de ato infracional.

Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Parágrafo 1º. Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta o indiretamente.

Parágrafo 2º. Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicação do periódico até por dois números.”

Em escólio ao art. 143 do ECA, preleciona JOSÉ FARIAS TAVARES, insigne menorista paraibano e professor da tradicional Faculdade Federal de Direito de Campina Grande, em seus Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Rio de Janeiro: Forense, 1992, pág. 123, que a norma em referência também “visa a poupar a criança e o adolescente da curiosidade mórbida da opinião pública (…).”

Não se pode esquecer, ademais, que a cautela prevista na Lei 8069/90 dá cumprimento ao preceito de defesa da intimidade e do interesse social que a Constituição Federal determina no art. 5º, inciso X.

OLIVEIRA AMARAL, citado pelo Prof. ANTÔNIO CHAVES, assim se manifesta sobre o assunto:

“No entanto, o que se observa são formas sub-reptícias de ilegalidade. Com efeito, procura-se por todos os modos alijar aquele interesse maior colimado pela lei, tarjando-se os olhos dos menores envolvidos em atos ilícitos, ainda muito comum o uso de mais de uma inicial do nome deste menor; publicam-se endereços denunciadores do menor envolvidos; identificam-se os pais destes menores e outras irregularidades.” (Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, LTr, SP, 1994, p. 536- 537).

No caso, a meu sentir, a violação da norma estatutária, restou patente, conforme se vê da publicação encartada à f. 04, onde foi estampada uma foto, de corpo inteiro, do infelicitado adolescente, com o rosto descoberto, bem como seu nome completo e endereço residencial, qualificando-o, ainda, como suspeito de assalto e usuário de drogas. em afronta à sua memória e às disposições legais, além de colocar em risco a segurança de seus familiares, acarretando-lhes, ainda. maior angústia e sofrimento.

Importa destacar que a lei é de clareza solar, ao dispor no parágrafo 1º, do prefalado art. 247, que incorre nas penas cominadas “quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança e adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente.”

Trata-se, portanto, de transgressão ao preceito igualmente contido no art. 143, parágrafo único, do mesmo diploma legal, que repete, neste particular, o revogado Código de Menores (art. 63).

Sobre a matéria, encarece o PROVIMENTO 06/91 da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no item 3:

“3. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.

3.1 Qualquer notícia a respeito de fato não poderá identificar a criança ou o adolescente, vedando-se fotografias, referência a nomes, apelido, filiação, parentesco e residência.

3.2. Os Ofícios da Infância e da Juventude, no fornecimento de informes a terceiros, cuidarão para que se observem as limitações acima contidas.”


Por conseguinte, também, sob essa ótica, flagrante a ilicitude da divulgação tal como ocorreu.

Assentada a responsabilidade civil da requerida, apelante principal, passamos ao exame do quantum indenizatório, já que se insurge contra o valor arbitrado na r. sentença, por entender excessivo.

Prima facie, mister sublinhar que o entendimento de há muito sedimentado em nossos pretórios é o de que após a vigência da Constituição de 1988, em se tratando de ação de indenização por dano moral provocado pela imprensa, com espeque em direito comum, como é o caso, não está a verba indenizatória sujeita aos parâmetros traçados pelas disposições da Lei de Imprensa.

“A indenização por dano extrapatrimonial decorrente de matéria divulgada através da imprensa, em ação de responsabilidade fundada no direito comum, não está limitada aos parâmetros do art. 51 da Lei nº 5.250/67” (RESp 164421/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, DJ 16.08.1999).

“Civil e processual civil. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Notícia jornalística. Dano moral. Revogação da indenização tarifada pela Constituição de 1988. Precedentes. Ajuizamento da ação civil contra a empresa jornalística. Lei nº 5250/67, art. 29. Extinção do direito de resposta. Ausência de prejuízo. Nulidade não reconhecida. Recurso parcialmente acolhido.

I – A responsabilidade tarifada da Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988, restando revogada a norma limitadora (art. Da Lei 5.250/67), pelo texto constitucional.

II – (…)” (RESp 74.446/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, DJ 14.09.1998).

Em não sendo mais aplicável a indenização a que se refere a Lei nº 5.250/67, deve o juiz quantificá-la, ao seu prudencial arbítrio, com adstrição aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Tratando do arbitramento do dano moral, no direito comum, leciona CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que dois são os aspectos a serem observados:

“a) De um lado, a idéia de punição ao infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia… ;

b) De outro lado proporcionar a vítima uma compensação pelo dano suportado, pondo-lhe o ofensor nas mãos uma soma que não é pretium doloris, porém uma ensancha de reparação da afronta…” (Instituições de Direito Civil, vol. II, Ed. Forense, 16ª ed., ano 1.998, p. 242).

Em Responsabilidade Civil, Rio de janeiro: Forense, 1ª ed., 19889, p. 60, assinala o Mestre que:

“A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo Juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.”

A sua vez, os ensinamentos de MARIA HELENA DINIZ:

“Na reparação do dano moral, o magistrado deverá apelar para o que lhe parecer eqüitativo ou justo, agindo sempre com um prudente arbítrio, ouvindo as razões das partes, verificando os elementos probatórios, fixando moderadamente uma indenização. O valor do dano moral deve ser estabelecido com base em parâmetros razoáveis, não podendo ensejar uma fonte de enriquecimento nem mesmo se irrisório ou simbólico. A reparação deve ser justa e digna. Portanto, ao fixar o quantum da indenização, o juiz não procederá a seu bel prazer, mas como um homem de responsabilidade, examinando as circunstâncias de cada caso, decidindo com fundamento e moderação.” (Revista Jurídica Consulex, n. 3, de 31.03.97).

Nessa mesma vertente, tem-se solidificado o entendimento dos Tribunais pátrios no sentido de que “para a fixação do dano moral o julgador pode usar de certo arbítrio, devendo, porém, levar em conta as condições pessoais do ofendido e do ofensor” (RJTJRS 127/411).

Desses conceitos se extrai que a reparação moral deve sempre ser fixada de forma a atender à dupla finalidade do instituto, qual seja, desestimular, de forma pedagógica, o ofensor (teoria do desestímulo), a condutas do mesmo gênero, e propiciar ao ofendido os meios de compensar a dor e os transtornos experimentados, sem que isso implique em fonte de lucro indevido.

Assim, entendo que o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), foi arbitrado pelo douto Juiz singular com equidade, revelando-se justo e razoável, atendendo aos aspectos factuais da causa e aos critérios acima sugeridos, de forma a compensar quantum satis os dissabores do apelado, sem convolar em enriquecimento indevido.

Cuido agora da apelação adesiva.

Inconformado, apela adesivamente o autor, buscando a alteração do quantum indenizatório, para que seja fixado nos termos do pedido da peça de ingresso. Pleiteia, outrossim, a majoração dos honorários de sucumbência, e que o termo inicial da correção monetária e dos juros moratórios seja computado desde a data do evento lesivo.


Quanto à primeira pretensão, não obstante tratar-se de matéria contraposta ao recurso principal, que visou a redução do valor indenizatório, tem-se por prejudicado o apelo adesivo, em face da manutenção do montante estabelecido no Juízo monocrático, conforme acima exposto.

Todavia, concernente aos honorários de sucumbência, termo inicial da correção monetária e dos juros moratórios, percebe-se que a matéria aqui ventilada se mostra dissociada do recurso principal, não tendo sido o autor vencido parcialmente a esse respeito.

Como é de curial saber, em sede de recurso adesivo, é imperioso que a matéria suscitada deve ser contraposta àquela versada no apelo principal, e que a sucumbência seja recíproca.

Preceitua o art. 500 do Código de Processo Civil, litteris:

“Cada parte interporá o recurso, independentemente, no prazo e observadas as exigências legais. Sendo, porém, vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir a outra parte.”

A dicção do referido dispositivo legal, como se vê, é clara no sentido de que só se pode cogitar da admissibilidade do recurso adesivo, em se verificando a sucumbência recíproca entre as partes.

Acerca do tema, o magistério de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:

“Trata-se de novidade do Código de 1973, criada por inspiração do direito português e do direito alemão, principalmente… Aplica-se, exclusivamente no caso de sucumbência recíproca” (Curso de Direito Processual Civil, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 24ª ed, 1998, p. 561-562).

Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial:

“Se inocorre sucumbência recíproca entre as partes, carece o recurso adesivo de seu pressuposto mais característico” (STJ – 4ª Turma, Resp 6.488-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, 1.10.91, p. 16.149).

“Recurso adesivo. O que caracteriza é a sucumbência recíproca. Há que ser contraposto ao do recorrente principal e limitado à matéria em que o autor e réu tenham sido parcialmente vencidos. Não conheceram do recurso adesivo” (TARS – Ap. Cível 188061238, rel. Juiz Osvaldo Stefanello, 1ª Câm. Cível, dec. unân., j. em 13.09.88, “in” JUIS – 16)

“…O recurso adesivo forma acessória de irresignação, está subordinado aos limites do inconformismo da apelação principal, não podendo a matéria nele discutida extrapolar o âmbito da matéria suscitada no principal, sob pena de não ser conhecido” (TAMG, Ap. Cível 382059-1, 7ª Câmara, Rel. Juiz Afonso da Costa Côrtes).

Portanto, não tendo havido sucumbência recíproca, cabia ao autor interpor recurso principal, visando a reforma da r. sentença, na parte que entendeu lhe ser desfavorável, e não, recurso adesivo tal como ocorreu.

Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO ao recurso principal e CONHEÇO PARCIALMENTE do adesivo, para JULGÁ-LO PREJUDICADO, mantendo-se incólume a respeitável sentença de primeiro grau, por seus e por estes fundamentos.

Custas recursais, pelos respectivos apelantes, suspensa, contudo, a sua exigibilidade, quanto ao apelante adesivo, nos termos do art. 12 da lei 1050/60.

O SR. DES. JOSÉ ANTÔNIO BRAGA:

VOTO

Estou acompanhando, quanto ao mérito, integralmente, o eminente Desembargador Relator e gostaria de registrar que ouvi com atenção os argumentos expedidos pelo Dr. Bernardo Menicucci e que dei a necessária atenção.

O SR. DES. GENEROSO FILHO:

VOTO

Também estou acompanhando o voto do eminente Desembargador Relator.

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