Rio poluído

Construtora é condenada a reparar danos ambientais

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11 de julho de 2007, 19h17

Ainda que tenha autorização municipal para realizar a obra, construtora deve se responsabilizar por danos causados pelo empreendimento. A conclusão é da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que reafirmou a condenação da CTL Construções Terraplanagens e Locações. A empresa deve restaurar 26,5% do total desmatado ou indenizar o Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos. Uma de suas obras causou o desmatamento em áreas de preservação permanente, em Uberaba (MG).

Para a desembargadora Vanessa Verdolim Hudson de Andrade, o laudo pericial constatou a atuação negligente da construtora. Constatou-se que as obras de loteamento feitas pela empresa estavam de acordo com as diretrizes traçadas pelo município, mas o empreendimento gerou resultados em áreas que extrapolam o permitido pela legislação ambiental.

O laudo aponta que resíduos e entulhos da obra poluíram e assorearam os rios e prejudicaram uma área de vegetação preservada. A prefeitura autorizou a obra, mas com o acompanhamento e fiscalização pediu o embargo do empreendimento.

Na ação civil pública, o Ministério Público alegou que a construtora agiu em desconformidade com a legislação ambiental, tendo causado prejuízo ao meio ambiente.

Já a empresa argumentou que a área desmatada não é de preservação permanente, razão pela qual o Código Florestal não poderia ser utilizado.

Leia a decisão

APELAÇÃO CÍVEL 1.0701.03.023625-4/001 – COMARCA DE UBERABA – APELANTE(S): CTL CONSTRUÇÕES TERRAPLANAGEM LOCAÇOES LTDA – APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS – RELATORA: EXMª. SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E À APELAÇÃO.

Belo Horizonte, 12 de junho de 2007.

DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE – Relatora

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

A SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE:

VOTO

Trata-se de Apelação proposta às f. 344/348, por CTL Construções Terraplanagens e Locações Ltda, nos autos da Ação Civil Pública Ambiental com pedido liminar, ajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais, diante do seu inconformismo em face da decisão de f. 336/339 que julgou procedente o pedido inicial, condenando o réu em indenização proporcionalmente às vantagens econômicas auferidas com o empreendimento, ou a restaurar 26,5% do total desmatado quando do parcelamento do solo.

A apelante requer seja reformado o decisum. Em sede preliminar pugna pelo conhecimento e provimento do recurso de agravo retido de f. 118/120. No mérito, alega que a área desmatada não é de preservação permanente, tratando-se de área urbana, razão pela qual o Código Florestal não pode ser utilizado.

Devidamente intimado o apelado aviou suas contra-razões às f. 353/364 pela manutenção da sentença primeva. Apresentou defesa ao agravo retido e, no mérito, alega ter o requerido agido em desconformidade com a legislação ambiental, pelo que as provas existentes nos autos são capazes de comprovar o aludido prejuízo ao meio ambiente.

Conheço do agravo retido, presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

1. AGRAVO RETIDO

O requerido interpôs agravo retido contra o despacho saneador de f. 114. O recurso apresenta todos os requisitos para seu conhecimento, estando em consonância com as disposições processuais que regulam o tema.

No mesmo diapasão, confere-se que o referido agravo é tempestivo, tendo em vista que a contagem de prazos naquela comarca obedece à regra do Provimento no. 8/97, da Corregedoria-Geral de Justiça, ao estatuir que à contagem dos prazos deverão ser acrescidos dois dias.

O recurso vislumbra a anulação do Inquérito Civil Público, por entender que não foi ofertada oportunidade de defesa ao requerido. Ademais, pugna pelo deferimento da denunciação da lide em face do Município de Uberaba, sob a tese de que existe direito de regresso do agravante contra a municipalidade, que autorizou fossem feitas as obras.

1.1 Nulidade do Inquérito

A primeira questão abarcada pelo recurso retido cinge-se à nulidade do procedimento de inquérito, tendo em vista que o requerido não teve oportunidade de defender-se naquela ocasião.

Segundo entende, a falta de intimação para apresentar defesa ou mesmo impugnar as provas colhidas naquela oportunidade afrontam as garantias constitucionais de ampla defesa e do contraditório.

Ab initio, importa esclarecer acerca da natureza jurídica e da real função do procedimento de inquérito civil. O Ministério Público, na qualidade de protetor do patrimônio público, é competente para mover procedimento próprio e inquisitorial, para averiguação de fatos, colhimento de provas e formação de uma convicção acerca de evento que envolva interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, e que lhe garantam certa segurança viabilizando seu ingresso em juízo. Tal procedimento visa formar um juízo prévio sobre a pertinência da ação civil pública.


O procedimento em crivo tem caráter informal, de modo que se trata de investigação, quando não há que se falar em processo, tendo em vista inexistirem as figuras de “autor”, “réu” ou mesmo do “juiz”. O inquérito civil público não culmina em julgamento, sendo que tampouco existem sanções advindas deste procedimento.

A lição de HUGO NIGRO MAZZILLI coaduna com a tese expendida, quando trata do inquérito civil público, vejamos:

“…procedimento investigatório não contraditório, nele não se decidem interesses nem se aplicam sanções; antes, ressalte-se sua informalidade. Sequer é pressuposto para que o Ministério Público compareça a juízo: pode ser dispensado se já existirem elementos necessários para propor a ação. Recomenda-se, porém, seja desde logo instaurado ao iniciar-se uma investigação, para evitar-se o mau vezo de investigarem-se fatos de relevância, sem método ou continuidade, e sem controle algum. (…) A instauração do inquérito civil compete ao mesmo órgão do Ministério Público que em tese teria atribuições para propor a correspondente ação civil pública, nele baseada” (“A defesa dos interesses difusos em juízo”, Editora Saraiva, 11ª ed., 1999, p. 227/228).

Não há que se falar em princípio do contraditório e da ampla defesa quando inexistem direitos sendo julgados naquela seara inquisitória, mesmo porque as provas colhidas em sede de inquérito civil poderão ser oportunamente impugnadas quando do ajuizamento da demanda.

A propósito, o Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem posição no sentido de que “a sindicância administrativa é meio sumário de investigação das irregularidades funcionais cometidas, desprovida de procedimento formal e do contraditório, dispensando a defesa do indiciado e a publicação do procedimento” (ROMS nº 10.872/PR, Rel. Min. VICENTE LEAL, j. 11.04.2000, p. 184).

Ademais, insta ressaltar que o requerido teve ciência de todo o procedimento, quando o proprietário da empresa demandada, Amir Reston Ali, fora intimado para prestar esclarecimentos acerca de fatos controversos aduzidos na investigação.

Não há, portanto, que se falar em nulidade do inquérito civil público, pela a desnecessidade de apresentação de defesa no procedimento meramente investigatório.

1.2. Denunciação da lide

O requerido/agravante espera ainda que seja deferida a denunciação da lide em face do Município de Uberaba. A tese expendida na contestação de f. 68/75, e ratificada no agravo retido de f. 118/120, expõe que a denunciação em tela merece prosperar por se tratar de hipótese de direito de regresso do agravante contra a municipalidade, que autorizou fosse feito o loteamento, objeto da ação civil pública.

As questões fáticas compreendidas nos autos impendem que, de fato, o Município de Uberaba autorizou fosse feito o loteamento “Jardim Elza Amui IV”, como se infere do Decreto Municipal no. 1771/02 colacionado à f. 54. Entretanto, iniciadas as obras, o parquet ajuizou a presente demanda por entender que a empreitada gerou danos ambientais na região, ferindo, inclusive, mata de preservação.

O agravante, por sua vez, entende que quando o Ente Público autorizou as obras ocorreu uma transferência da responsabilidade, pelo que o município passou a se responsabilizar subsidiariamente pela empreitada, razão pela qual existiria direito de regresso da agravante contra o Ente que autorizou fossem elaboradas as modificações na mata, com fins de loteamento de área florestal do terreno compreendido nas circunscrições municipais.

Antes de examinarmos o cerne da questão, cumpre uma breve elucidação acerca do instituto da denunciação da lide.

O diploma processual pátrio prevê que a denunciação da lide dar-se-á nos casos preconizados nos incisos do artigo 70, onde estão consignadas as hipóteses que comportam tal instituto. O agravante pugna pela subsunção do caso concreto à hipótese prevista no inciso III do aludido artigo, onde se lê: “àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.”

Ora, no caso concreto, sequer ficou configurado o direito de regresso. O Decreto que autoriza o desmatamento da área a ser loteada não prevê responsabilidade municipal pelo ato de feitoria das obras e nem sequer trata de direito de regresso, pelo que fica afastada a incidência do inciso III do art. 70 ao caso específico.

O Decreto não firma qualquer relação entre os atos executórios (da empresa agravante) e as conseqüências dele geradas. A denunciação da lide se dá quando a sucumbência do denunciante gerar imediato direito de regresso contra o denunciado, o que a meu ver não ocorre nos autos.

Neste sentido temos a jurisprudência desta Corte que em caso semelhante decidiu:

“EMENTA: ORDINÁRIA DE COBRANÇA – MUNICÍPIO – SALÁRIOS ATRASADOS – DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO EX-ALCAIDE MUNICIPAL – IMPOSSIBILIDADE – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO PELOS DÉBITOS. A regra do artigo 70, III do Código de Processo Civil, há que ser interpretada restritivamente, sendo cabível a denunciação da lide apenas quando a perda da ação pelo denunciante gerar, automaticamente, a responsabilidade do denunciado, em virtude de expressa e específica disposição contratual ou legal, não se justificando tal modalidade de intervenção de terceiro em caso de defesa fundada em culpa de outrem. Nos termos do artigo 334 do Código de Processo Civil temos que não dependem de prova os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária. O vínculo jurídico se deu entre os funcionários e a municipalidade, sendo certo que cabe ao Município e não ao ex-administrador o pagamento das verbas pleiteadas. Pretendendo o apelante a responsabilização do ex-prefeito por atos de improbidade, deve fazê-lo em ação própria, não sendo o recurso de apelação instrumento hábil para se discutir tal matéria. Recurso a que se nega provimento.” (Ap. Civil no. 1.0216.01.011270-6/001(1), Rel. Des. Batista Franco)


Neste sentido, o entendimento a prevalecer é aquele que interpreta o dispositivo legal de maneira restritiva, a ponto de que o artigo 70 do CPC deve abranger o direito regressivo unicamente como aquele previsto na lei. Assim, a denunciação seria patente apenas quando a perda da ação pelo denunciante gerar, automaticamente, a responsabilidade do denunciado, em virtude de expressa disposição contratual ou legal.

A tese ora expendida se sustenta pelo fato de que o autor da demanda principal não é obrigado a suportar uma ação paralela, que amplie a discussão da matéria, em detrimento do princípio da celeridade processual.

Por outro lado, o direito de regresso pode ser buscado em outra via independente. O Art. 88 do Codecon, inclusive, dispõe que, na hipótese do artigo 13, parágrafo único, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.

Ocorre que a discussão em crivo cinge-se acerca do efetivo prejuízo ambiental, enquanto a demanda paralela discutiria o direito de regresso em virtude da autorização legal para a empreitada.

Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que:

“Denunciação da lide. Ação de indenização. Art. 70, III, do Código de Processo Civil. Precedentes da Corte. 1. Precedentes assentaram ser incabível a denunciação quando se pretende “transferir responsabilidades pelo evento danoso, não sendo a denunciação obrigatória nos casos do inciso III do art. 70 do Código de Processo Civil, na linha da jurisprudência da Corte” (Resp n° 302.205/RJ, Terceira Turma, da minha relatoria, DJ de 4/2/02). 2. Recurso especial não conhecido.” (REsp 686004/MG ; RECURSO ESPECIAL 2004/0138076-7, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, pub. DJ 14.08.2006 p. 278)

E ainda:

“PROCESSUAL CIVIL. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. ART. 70, III, DO CPC. FUNDAMENTO NOVO. INADMISSÍVEL. PRECEDENTES DO STJ Nos termos dos precedentes desta Corte, é inadmissível a denunciação da lide, amparada no art. 70, inciso III, do CPC, quando introduz fundamento novo, estranho à lide principal. Recursos especiais conhecidos e providos para indeferir a denunciação da lide.” (REsp 666667/RS; RECURSO ESPECIAL 2004/0100770-6, Re. Min. Jorge Scartezzini, pu. DJ 15.05.2006 p. 218)

Sendo assim, entendo que o pedido de denunciação da lide tampouco pode prosperar, pelo que não restou configurado o direito de regresso, inaplicável o inciso III do art. 70 do CPC e, se existente, a denunciação não é obrigatória.

Nego provimento ao agravo retido e passo à análise das questões de mérito.

O que se extrai dos autos é que ao requerido, consoante o Decreto 1771/02, foi deferido o pedido de modificar e lotear área verde compreendida nos arredores da cidade de Uberaba.

Ocorre que as obras realizadas pela empresa apelante despertaram o interesse do Ministério Público, que instaurou inquérito civil público para apurar a regularidade da empreitada. O ICP ensejou na presente Ação Civil Pública Ambiental.

Deferida a produção de prova pericial, respeitado o princípio do contraditório, o Magistrado entendeu que a demanda deveria ser julgada procedente, decidindo por condenar a empresa requerida a: “…restaurar integralmente as condições primitivas de vegetação, solo e copos d´água que antes havia no local, na proporção de 26,5% do total da área loteada ou a indenizar o Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos em quantia correspondente às vantagens econômicas auferidas com o empreendimento, em valores que serão apurados por arbitramento em momento oportuno.” (f. 339)

Segundo o expert, as obras de loteamento se deram em conformidade com as diretrizes traçadas pelo Ente Público, no que tange as medições e áreas a serem desmatadas. Ocorre que, como se infere do laudo pericial complementar de f. 196/199, a atuação da apelante gerou resultados em áreas que extrapolam o permitido pela legislação ambiental.

A resposta ao terceiro quesito ministerial (f. 197) é incisiva em afirmar que o empreendedor desmatou áreas de preservação permanente, além de poluir nascentes de rios e destruir mata ciliar protegida por lei.

A defesa de que a atuação empresária, desmatando tão-somente as áreas determinadas pelo Decreto Municipal, não pode ensejar em culpa da requerida, não merece prosperar. Ocorre que o laudo pericial foi claro em determinar que a legislação ambiental foi desrespeitada, de modo que os resíduos e entulhos da obra poluíram e assorearam rios e prejudicaram vegetação preservada.

Ademais, é cediço que as vegetações protegidas, bem como os mananciais e recursos hídricos, devem ser protegidos, por tratarem-se de bens sociais, cujo interesse na preservação é de toda a coletividade. O que se discute in casu não é a efetivação do loteamento nos ditames permitidos pelo Município, mas, sim, a degradação e o impacto ambiental causados pela obra.

Note-se que, como comprovado pelo perito, o órgão público competente perfazia freqüentemente avaliações e fiscalizações na obra, de modo que, inclusive, houve pedido de embargos da empreitada, tendo em vista os prejuízos decorrentes da atuação empresarial nas áreas de conservação.

Em um momento inicial, o Poder Público local entendeu que as obras naquela área não iriam prejudicar o terreno, tendo em vista que àquele tempo fora impossível prever os resultados das obras; contudo, quando do efetivo policiamento da obra, a administração municipal averiguou o desgaste ecológico sofrido nas áreas de preservação que circundavam o loteamento, momento no qual houve o embargo da empreitada.

O conjunto probatório não suporta os argumentos recursais, pelo que o perito constatou os danos ambientais. Isso posto, o conseqüente deferimento do pleito, com condenação da empresa apelante torna-se cabível ao caso, pelo que a sentença primeva é incensurável.

Com tais considerações, nego provimento ao recurso, e mantenho a sentença primeva, que deferiu os pedidos consignados na petição inicial.

Custas recursais ex lege.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ARMANDO FREIRE e ALBERTO VILAS BOAS.

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