Saneamento de falhas

Controladoria pode pedir correção em trâmite de ação

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9 de julho de 2007, 0h00

Ementa

A Controladoria-Geral da União é legitimada para requisitar a instauração de procedimentos, quando configurada a omissão ou o retardamento injustificado; avocar os já em curso para corrigir-lhes o andamento; promover a aplicação da penalidade administrativa cabível; instaurar sindicância ou processo, ou representar ao presidente da República para apurar a omissão das autoridades.

As recomendações da CGU, quanto à anulação de julgamentos proferidos em sindicâncias ou processos administrativos disciplinares, não constituindo avocação dos feitos, não os subtraem da esfera de competência das autoridades desta pasta. A competência da CGU não a autoriza ir além da proposição de saneamento de falhas de índole processual. O juízo de mérito é exercido pela autoridade processante com independência, segundo o seu livre e soberano convencimento, desde que fundado nas provas contemporâneas dos autos.

Até o Poder Judiciário não interfere no juízo de mérito. Quando acionado, limita-se ao controle da legalidade. As recomendações em geral são de observância facultativa; as determinações são de atendimento obrigatório. Sendo as decisões administrativas dotadas do poder de auto-executoriedade, não teria sentido o agente expedir recomendação no lugar de determinação, porque, além de expor a dignidade do serviço público, estaria deixando de cumprir as obrigações do cargo, sujeitando-se as sanções decorrentes do desvio funcional.

Quando se trata de exercício do poder disciplinar, estritamente vinculado ao princípio da hierarquia, que é de aplicação comum a todos os órgãos da administração pública federal, nenhum ministério tem supremacia em relação a outro, cada qual devendo atuar nos limites das respectivas circunscrições administrativas, com soberania. Os órgãos da administração devem atuar de modo cooperativo e harmonioso, cientes de que, embora incumbidos da realização de atividades específicas, consoante a competência atribuída pela lei a cada um, integram o mesmo arcabouço organizacional, estruturado para colimar idênticos fins, que se identificam pelo interesse público, comum a todos.

Objetivando explicitar, em breve escorço, os lindes das recomendações da Controladoria-Geral da União, órgão do Ministério do Controle e da Transparência, quanto à anulação de julgamentos proferidos pelas autoridades de outros ministérios, observo, que, cingem-se basicamente às competências fixadas pela Lei 10.683, de 28 de maio de 2003. Esta dispõe sobre a organização da presidência da República e dos ministérios, em que destaco o seguinte:

a) A CGU é estruturada como órgão de assessoramento direto e imediato da presidência da República no desempenho das respectivas atribuições quanto aos assuntos e providências que, no âmbito do Poder Executivo, relacionam-se à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da administração pública federal (artigo 17). Cabe à CGU, no exercício de sua competência, dar andamento às representações ou denúncias fundamentadas que receber, relativas a lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público, velando por seu integral deslinde (artigo 18).

b) Ao constatar a omissão da autoridade competente, cumpre ao titular da CGU requisitar a instauração de sindicância, procedimentos e processos administrativos outros, e avocar os já em curso, em órgão ou entidade da administração pública federal, para corrigir-lhes o andamento, inclusive promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível (parágrafo 1º, artigo 18).

c) Nessa hipótese, incumbe à CGU instaurar sindicância ou processo administrativo ou, conforme o caso, representar ao presidente da República para apurar a omissão das autoridades responsáveis (parágrafo 2º, artigo 18).

d) A CGU encaminhará à Advocacia-Geral da União os casos que configurem improbidade administrativa e todos quantos recomendem a indisponibilidade de bens, o ressarcimento ao erário e outras providências a cargo da AGU. Provocará, sempre que necessária, a atuação do TCU, da Secretaria da Receita Federal, dos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal e, quando houver indícios de responsabilidade penal, do Departamento de Polícia Federal e do Ministério Público, inclusive quanto às representações ou denúncias que se afigurarem manifestamente caluniosas (parágrafo 3º, artigo 18).

e) Incluem-se nos procedimentos e processos administrativos de instauração e avocação facultadas à CGU os procedimentos administrativos disciplinares objeto do título V, da Lei 8.112, de 11/12/1990 – Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União e os Procedimentos Administrativos e Processos Judiciais referidos no capítulo V, da Lei 8.429, de 2/6/1992 – Lei da Improbidade Administrativa, e assim, outros a serem desenvolvidos, ou já em curso, em órgão ou entidade da administração pública federal, desde que relacionados à lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público (parágrafo 4º, artigo 18).


f) No exercício de sua competência, incumbe ao Ministro de Estado do Controle e da Transparência, especialmente (parágrafo 5º, artigo 18):

“I – decidir, preliminarmente, sobre as representações ou denúncias fundamentadas que receber, indicando as providências cabíveis;

II – instaurar os procedimentos e processos administrativos a seu cargo, constituindo as respectivas comissões, bem como requisitar a instauração daqueles que venham sendo, injustificadamente, retardados pela autoridade responsável;

III – acompanhar os procedimentos e processos administrativos em curso em órgãos ou entidades da administração pública federal;

IV – realizar inspeções e avocar procedimentos e processos em curso na administração pública federal, para exame de sua regularidade, propondo a adoção de providências, ou a correção de falhas;

V – efetivar, ou promover, a declaração da nulidade de procedimento ou processo administrativo, bem como, se for o caso, a imediata e regular apuração dos fatos envolvidos nos autos, e na nulidade declarada;

VI – requisitar os procedimentos e processos administrativos já arquivados por autoridade da administração pública federal;

VII – requisitar, ao órgão ou à entidade da administração pública federal ou, quando for o caso, propor ao presidente da República que sejam solicitados as informações e os documentos necessários para os trabalhos da Controladoria-Geral da União;

VIII – requisitar aos órgãos e às entidades federais os servidores e empregados necessários à constituição das comissões objeto do inciso II, e de outras análogas, bem como qualquer servidor ou empregado indispensável à instrução do processo;

IX – propor medidas legislativas ou administrativas e sugerir ações necessárias para evitar a repetição de irregularidades constatadas;

X – receber as reclamações relativas à prestação de serviços públicos em geral e promover a apuração do exercício negligente de cargo, emprego ou função na administração pública federal, quando não houver disposição legal que atribua competências específicas a outros órgãos;

XI – desenvolver outras atribuições de que o incumba o Presidente da República.”

g) Constitui obrigação dos titulares dos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal cientificar o ministro de Estado do Controle e da Transparência das irregularidades verificadas e registradas em seus relatórios, atinentes a atos ou fatos, atribuíveis a agentes da administração pública federal. Estes fatos são os que resultam, ou possam resultar, em prejuízo ao erário, de valor superior ao limite fixado pelo Tribunal de Contas da União, relativamente à tomada de contas especial elaborada de forma simplificada (artigo 19).

h) – Enfim, deverão ser prontamente atendidas as requisições de pessoal, inclusive de técnicos, pelo ministro de Estado do Controle e da Transparência, que serão irrecusáveis. Os órgãos e as entidades da administração pública federal estão obrigados a atender, no prazo indicado, às demais requisições e solicitações do ministro de Estado do Controle e da Transparência, bem como lhe comunicar a instauração de sindicância, ou outro processo administrativo, e o respectivo resultado (artigo 20).

Assim, o ministro de Estado do Controle e da Transparência, no exercício de sua competência, tem poder para instaurar os procedimentos e processos administrativos a seu cargo, constituindo as respectivas comissões. Também pode requisitar a instauração dos que venham sendo, injustificadamente, retardados pela autoridade responsável; acompanhar procedimentos e processos em órgãos ou entidades da administração pública federal; realizar inspeções e avocar procedimentos e processos em curso, para exame de sua regularidade, propondo a adoção de providências, ou a correção de falhas. Pode, ainda, efetivar, ou promover, a declaração da nulidade de procedimento ou processo administrativo e, se for o caso, a imediata e regular apuração dos fatos envolvidos nos autos, e na nulidade declarada; propor medidas administrativas e sugerir ações necessárias a evitar a repetição de irregularidades constatadas; enfim, promover a apuração do exercício negligente de cargo, emprego ou função na administração pública federal, quando não houver disposição legal que atribua competências específicas a outros órgãos.

Portanto, a CGU é legitimada para requisitar a instauração de procedimentos e processos quando configurada a omissão ou o retardamento injustificado, e avocar os já em curso, para corrigir o andamento e promover a aplicação da penalidade administrativa cabível. Também está autorizada a instaurar sindicância ou processo, ou representar ao presidente da República para apurar a omissão das autoridades.


Quando ocorre a avocação dos feitos, a competência da CGU se substitui à da autoridade omissa ou retardatária no que tange à instauração e ao processamento dos trâmites apuratórios, devendo, no entanto, promover a aplicação da penalidade administrativa através dos escalões competentes. Esta restrição se explica porquanto não se admitir a inflição de penalidade disciplinar, a não ser por superior hierárquico operante na respectiva circunscrição administrativa.

Já nos casos em que só fiscaliza o regular trâmite dos feitos, sem avocá-los, a CGU confere efetividade às suas ações. Por meio de sugestões ou recomendações direcionadas para corrigir andamentos, não são de caráter supletivo e não substituem ou se sobrepõem à competência das autoridades fiscalizadas, que permanecem intactas, tanto para instaurar como para processar e infligir as penalidades decorrentes do exercício do poder disciplinar, de índole hierárquica.

Nestas condições, as recomendações advindas da Controladoria-Geral da União, preconizando a anulação de julgamentos proferidos em processos administrativos disciplinares no âmbito dos ministérios, não constituindo avocação dos feitos. As sugestões não os subtraem da esfera de atuação das autoridades da pasta, cuja competência e autonomia em nada são afetadas em decorrência das ditas sugestões.

Conquanto possa acompanhar os trâmites dos procedimentos de natureza disciplinar em órgãos da administração pública federal, a competência conferida à CGU não a autoriza ir além da proposição de saneamento das falhas detectadas, nestas compreendidas somente as de índole processual. O juízo de mérito é exercido pela autoridade processante segundo o seu livre e soberano convencimento, desde que fundado nas provas contemporâneas dos autos (conforme o artigo 168, da Lei 8.112, de 11/12/1990).

No que concerne ao juízo de mérito, nesses processos, sequer o Poder Judiciário interfere, pois, quando é acionado, limita-se ao controle da legalidade, como é cediço.

Tal assertiva é corroborada, inclusive, pelos termos em que as manifestações da Controladoria-Geral da União são sempre postas, à guisa de recomendação (de observância facultativa) e não de determinação (de atendimento obrigatório) como, por exemplo, são as expedidas pelo Tribunal de Contas da União, e as emanadas do Poder Judiciário, ou de autoridades policiais, invariavelmente peremptórias.

Mesmo o Ministério Público, quando se dirige às autoridades, jamais o faz em termos outros que não o de recomendação, jamais ordenando, sob pena de extrapolar de suas competências institucionais.

Neste sentido, impende concluir que, sendo as decisões administrativas imbuídas do poder de auto-executoriedade, não teria sentido o agente expedir recomendação no lugar de determinação, porque, se assim o fizesse, além de expor a dignidade do serviço público, estaria deixando de cumprir as obrigações do cargo e, portanto, sujeitando-se às sanções decorrentes do desvio funcional.

Por oportuno, registro que no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional, vigora o entendimento exposto no Parecer GQ – 46, editado pela Advocacia-Geral da União, que é de observância obrigatória, por ter sido aprovado pelo presidente da República e publicado no Diário Oficial da União. No parecer, são respeitadas, sempre, as competências finalísticas de cada órgão, fixadas nas leis que tratam da estruturação e organização administrativa, de sorte que em relação aos demais órgãos, o jus dicere, ou, em outras palavras, a interpretação das normas de Direito é exercida apenas em caráter residual, naquilo que interessam ao respectivo serviço, e já não tenham sido dirimidas pelo órgão competente.

Assim, quando se trata de interpretar a Constituição e a lei no âmbito da União Federal, a competência é atribuída à Advocacia-Geral da União, cuja orientação é de observância obrigatória pelos órgãos da administração pública federal.

Outrossim, quanto aos procedimentos relacionados à defesa do patrimônio público, controle interno, auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção, atividades de ouvidoria e de incremento da transparência da gestão no âmbito da administração pública federal, o ordenamento jurídico confere à CGU a palavra final, e suas manifestações têm caráter determinativo, de obediência obrigatória para os demais órgãos.

Diversamente, quando o assunto é versado no exercício do poder disciplinar, estritamente vinculado ao princípio da hierarquia, que, nos termos da Lei 8.112/90 é de aplicação comum a todos os órgãos da administração pública federal, nenhum ministério tem supremacia em relação a qualquer outro, devendo cada qual atuar nos limites das respectivas circunscrições administrativas, sem interferência alheia.

Enfim, não se tratando das hipóteses de omissão, retardamento injustificado do andamento, ou infração às normas processuais, que legitimariam a CGU a avocar os feitos e subtraí-los da autoridade natural para processar, quando há divergência sobre a solução adotada resta a possibilidade de oferecer representação ao presidente da República, desde que a controvérsia suscitada se funda em razões jurídicas, que justifiquem o acionamento da autoridade máxima do país.

De todo modo, convém observar que os órgãos da administração devem atuar de modo cooperativo e harmonioso, sempre com a ciência de que, embora incumbidos da realização de atividades específicas, consoante a competência atribuída pela lei a cada um, integram o mesmo arcabouço organizacional, estruturado para colimar idênticos fins, que se identificam pelo interesse público, comum a todos.

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