Tiro na concorrência

Ao mudar, governo pode piorar processo de licitação

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8 de julho de 2007, 0h01

Ao tentar simplificar o processo de licitação, o governo pode acabar metendo os pés pelas mãos. Entidades que representam empresários diretamente envolvidos em licitações estão apreensivas com o projeto de lei do Executivo que modifica a Lei das Licitações (Lei 8.666/93).

A reclamação comum é a de que na tentativa de tornar o processo licitatório mais rápido, a proposta do poder público acaba atropelando a iniciativa privada e prejudicando a concorrência. Corta prazos de recursos, permite modalidades de licitação inadequadas para obras públicas e abre novas possibilidades de fraudes. Pior: no lugar de coibir, as mudanças podem facilitar a corrupção.

“A idéia é desburocatrizar o processo licitatório. Ainda que boa, essa desburocratização pode prejudicar a transparência do processo”, pondera Luiz Antônio Sanches, diretor jurídico da Associação Brasileira das Concessionárias de Energia Elétrica (ABCE). “Já existem mecanismos na lei para inibir fraudes. O que tem de funcionar agora é a Justiça”, completa Renato Romano, advogado do Sindicato da Indústria da Construção Civil (SindusCon).

Parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro deste ano, o projeto que altera a Lei das Licitações está hoje no Senado, com o número 32/07, na Comissão de Assuntos Econômicos. O relator é o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Já passou pela Câmara dos Deputados. No Senado, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática. Nesse trâmite, sofreu diversas alterações. Por isso, terá de voltar para a Câmara.

Até agora, o projeto tramitava em caráter de urgência. No dia 27 de junho, o Plenário do Senado derrubou a urgência. De acordo com quem acompanha de perto as discussões, por pressão das empreiteiras.

Um dos pontos mais controversos do projeto é a ampliação da possibilidade do pregão. Hoje, essa modalidade de licitação só pode ser usada para a contratação de bens e serviços comuns, como a compra de canetas e outros serviços que não exijam especialidade. Pelo projeto, o pregão seria obrigatório para todas as licitações do tipo menor preço (aquelas em que vence quem apresenta o preço mais baixo). Ele também poderia ser usado para a contratação de obras até o limite de R$ 3,4 milhões.

Esse ponto, para os empresários da construção civil, é perigoso. Pode resultar em inúmeras obras mal feitas ou paralisadas por falta de recursos. Pode levar, ainda, ao aumento da informalidade de contratos de trabalho na construção civil.

“Pregão para obras públicas é terrível. As conseqüências são imprevisíveis”, alardeia o advogado Renato Romano. O risco é que as empresas se preocupem em ganhar a licitação oferecendo preços cada vez mais baixos, sem atentar se o valor da oferta cobrirá todos os gastos.

Durante a execução, portanto, custos com direitos trabalhistas e até com a melhor execução da obra podem ser diminuídos para não ultrapassar o valor apresentado na licitação. Em último caso, as obras podem vir a se somar às 400 obras públicas feitas com recursos federais que hoje estão paralisadas. De acordo com dados divulgados pelo Tribunal de Contas da União, a paralisação dessas construções gera um prejuízo de R$ 1 bilhão para os cofres públicos.

Outro ponto preocupante para os empresários é a inversão das fases da licitação. Para eles, isso aumenta a possibilidade de escolhas mal feitas e corruptas. Hoje, a primeira etapa do processo licitatório é a habilitação das empresas concorrentes. Nessa fase, checa-se se as empresas que querem participar da disputa possuem todos os requisitos necessários para a execução do trabalho ou para a venda. Logo em seguida, são analisadas as propostas apenas das empresas habilitadas.

A idéia do Executivo é, primeiro, analisar as propostas e montar o ranking. A partir daí, só será feita a habilitação da primeira colocada. Se ela não atender aos requisitos, analisa-se a segunda colocada e assim por diante.

Para os especialistas, há dois problemas nessa inversão. O primeiro é que o poder público não conseguirá fazer uma habilitação imparcial. Uma vez que já conheça os preços e saiba qual é a proposta mais barata, vai tentar adequar os requisitos dentro do que a empresa oferece. “A administração pública não pode estar influenciada no julgamento da habilitação. Se conhece as propostas, vai estar propensa a admitir falhas naquele que apresentou o menor preço”, considera Adriano Dias Campos, assessor jurídico da Associação Paulista dos Empresários de Obras Públicas (Apeop).

O segundo é que, uma vez colocada no primeiro lugar da lista de propostas, a empresa sabe que só basta passar pela habilitação para fechar o contrato com o governo. Portanto, se conseguir houver suborno nessa etapa, sai com o contrato na mão. Pela ordem que vigora hoje, a empresa pode até subornar para ser habilitada, mas depois ainda terá de se submeter à avaliação das propostas. Se a sua não for a melhor, sua propina pode não ter servido para nada.

O especialista Jonas Lima, sócio do Palomares Advogados e consultor de licitação em Brasília, aponta outro fator que pode prejudicar a fiscalização das licitações. O projeto prevê toda a tramitação digital do processo e dispensa a documentação em papel. Mas não deixa claro se e quando os documentos apresentados serão destruídos após a digitalização. “Pela internet, é mais barato e menos burocrático, mas e se tiver de ser feita uma investigação mais tarde?”, questiona.

Para agilizar o processo licitatório, o projeto de lei reduz de cinco para dois dias o prazo para recursos de quem ficou fora da licitação. Para os empresários, essa redução pode impossibilitar os recursos. O prazo, dizem, é muito curto. O empresário fica sabendo num dia sobre o resultado da habilitação e tem apenas mais um para contestar. Alguns consideram que a redução é inconstitucional.

As mudanças nas regras da licitação, no entanto, devem demorar para sair do papel. O projeto ainda deve ser muito modificado e pode estar bem longe do inicial proposto pelo Executivo. Hoje mesmo, para comentar sobre a proposta, os especialistas se confundem em razão do grande número de alterações. Além disso, o Senado sequer publicou em seu site a versão do projeto que está em discussão no momento.

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