Evolução feminina

Falta estudo sobre atuação das mulheres no Judiciário

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

8 de julho de 2007, 0h00

A vedação implícita de mulheres magistradas é algo que deve ser visto no contexto histórico. Em verdade, é apenas uma das inúmeras facetas do preconceito que existiu, por séculos, contra as mulheres.

O professor José Rivair Macedo ensina que, em linhas gerais, a opinião predominante era a externada por Felipe de Novare, para quem “o sexo frágil foi feito para obedecer. Outras virtudes complementares deveriam impedir que as filhas fossem ousadas, faladeiras, ambiciosas. Não era bom, julgava, que uma mulher soubesse ler e escrever, a não ser que entrasse em uma ordem religiosa. Caso fosse instruída, estaria à mercê de rodeios e galanteios dos homens. Assediada, a dama dificilmente resistira ao desejo de responder aos admiradores; manteria uma correspondência e sabe o diabo mais o quê. Uma moça deveria, isso sim, saber fiar e bordar. Se fosse pobre, teria necessidade de trabalho para sobreviver. Rica, ainda assim deveria conhecer o trabalho para administrar e supervisionar o serviço dos seus domésticos e dependentes” (A mulher na Idade Média, Ed. Contexto, São Paulo, 1999, p. 25).

No Brasil, a evolução foi lenta. Apenas em 1932, através do Decreto 21.076, a mulher passou a ter direito de voto. Somente com a Lei 4.121, de 1962, passou a ter capacidade do ponto de vista civil. Até então, relativamente capaz que era, necessitava do consentimento do marido para praticar os atos da vida civil. Mas a plena igualdade somente veio a existir com a Constituição de 1988, conforme o artigo 5º, inciso I, que diz: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

A legislação em vigor e os hábitos da época só poderiam levar à vedação do ingresso da mulher na magistratura. O ensino jurídico, inclusive, era quase privativo dos homens. Na verdade, apenas nos anos 60 que começou a crescer o número de mulheres graduadas em Direito. E, entre elas, estavam filhas de desembargadores que, nos anos 70, passaram a se inscrever nos concursos de ingresso. A resistência, enorme a princípio, foi, paulatinamente, sendo vencida.

No início, foi a Justiça do Trabalho a mais receptiva às mulheres juízas. Na Justiça Federal, quando da sua reimplantação, em 1967, entre os juízes nomeados encontrava-se apenas uma mulher, Maria Rita Soares de Andrade, nomeada para a Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Na Justiça dos estados, o Pará foi o menos resistente em admitir o ingresso de candidatas nos seus concursos. O resultado é que, atualmente, o tribunal de Justiça paraense, que tem 28 desembargadores, detém o expressivo número de 18 mulheres e apenas 10 homens.

Atualmente, inexiste qualquer preconceito contra a admissão de mulheres na magistratura – exceto, eventualmente, alguma posição particular – e o percentual de juízas é significativo. Em importante estudo publicado em 1997, Luiz Werneck Vianna e outros, registraram que “a participação das mulheres na magistratura atinge, atualmente, 19,5%” (Corpo e Alma da Magistratura, Ed. Revan e Iuperj, Rio de Janeiro, 1997, p. 67). Tal percentual, sem dúvida, aumentou e, hoje, pelo menos na Justiça Federal, chega a representar cerca de um terço dos juízes de primeira instância. Em alguns Tribunais de Justiça, como o do Rio de Janeiro, elas constituem a maioria dos aprovados nos últimos concursos.

Os Tribunais Superiores já contam com várias mulheres, sendo que a primeira ministra foi Eliana Calmon, originária do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e empossada, em 30/6/1999, no Superior Tribunal de Justiça. No Supremo Tribunal Federal, em 23/11/2000, Ellen Gracie Northfleet, originária do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, foi a primeira mulher a assumir como ministra, sendo, atualmente, a presidente da Corte.

2. As dificuldades da mulher juíza

Como será a mulher juíza? Quais suas virtudes, dificuldades e defeitos? São perguntas de difícil resposta. São raros os estudos sobre este tema, em que pese seu interesse. Na academia, discute-se pouco o Judiciário. As dissertações de mestrado e teses de doutorado dissecam os direitos individuais e sociais. Mas evitam estudar o Poder Judiciário ou mesmo o chamado estudo de caso. Por isso, esta área, em geral, e o papel das mulheres da magistratura, em particular, são temas quase desconhecidos.

Elizabeth Eliana Schefer, psicóloga do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com rica experiência na área do Poder Judiciário Federal, observa em um estudo feito com base nas magistradas federais de primeira e segunda instância de Porto Alegre, que “conciliar a vida profissional e pessoal é um constante desafio e resulta de vários aspectos da vida das entrevistadas, como a estrutura familiar constituída, número de filhos, pessoas de apoio, diversidade de papéis a desempenhar, situação sócio-econômica, bem como de características pessoais, valores e crenças relativas ao trabalho, à família, saúde e ao lazer. Assim, percebe-se que algumas magistradas conseguem priorizar tempo para seu próprio bem-estar, cuidando da saúde, relaxando e tendo vida social, podendo dedicar-se de forma mais tranqüila para a família e para o trabalho. Outras, no entanto, buscam corresponder às intensas demandas, sem muitas alternativas para um equilíbrio maior, devido à sobrecarga de papéis e exigências, ocasionando um prejuízo à sua qualidade de vida” (Mulher na magistratura: careira e liderança, no site: www.ibrajus.org.br, revista on-line, consulta em 27/6).

É possível considerar como uma das dificuldade para a magistrada o relacionamento afetivo. É que ela, exercendo função da mais alta relevância e que se situa no ápice da pirâmide social, normalmente, deverá ter um parceiro com status semelhante, aliado a bom nível cultural, o que nem sempre é fácil. Além disto, sua carreira exigirá constantes mudanças, decorrentes de promoções ou remoções. Finalmente, o marido (ou companheiro) terá que conviver com a situação de ser a segunda pessoa no trato social e de, regra geral, ter remuneração menor. Estas não são situações fáceis, mesmo considerando que as atuais gerações absorvem a idéia com mais tranqüilidade que as antigas. Mas é preciso muita maturidade e compreensão para evitar desavenças familiares.

Bem se vê, por isso tudo, que a posição da juíza, em que pesem os obstáculos legitimamente superados, sofre até hoje dificuldades que lhe são próprias e que são inexistentes ou, pelo menos, menores, quanto aos seus colegas do sexo masculino. Ser mãe, esposa, companheira e arcar com o peso e a responsabilidade de sua função, realmente, exige equilíbrio emocional e dedicação extrema.

3. Serão diferentes juízes e juízas?

Não é fácil distinguir diferenças entre homens e mulheres magistrados. Não é possível afirmar que uns sejam assim e outros o oposto. Na verdade, há juízes e juízas severos ou magnânimos, ousados ou tímidos, entusiasmados ou burocratas, independentemente do sexo.

No entanto, algumas peculiaridades são possíveis de ser identificadas nas juízas. Fique bem claro que estas não são afirmações definitivas, são meras considerações feitas com base na observação. Não há rigor científico e nem a pretensão de que sejam verdades absolutas. Tampouco significam qualquer crítica às juízas. É mais a título de curiosidade e para chamar a atenção sobre o assunto, que se fazem as observações seguintes:

a) Juízas na área criminal costumam ser mais severas que juízes. Qual a razão? Talvez porque tenham recebido uma formação mais teórica, voltada para os estudos, do que propriamente para atividades que exigem luta intensa e diária, como a advocacia. Ou, quem sabe, porque boa parte delas, sendo mães, trazem consigo a missão de educar, de mostrar os erros e os acertos.

b) Juízas têm vocação para as Varas de Família. Quiçá porque possuem maior sensibilidade para perceber os dramas nas relações familiares e lhes seja agradável colaborar na solução desses graves problemas.

c) Afirmam alguns que, como juízas de Família, são muitas vezes rigorosas com as mulheres, porque não lhes agrada vê-las acionarem seus maridos ou parceiros, ao invés de procurarem crescer e se posicionar no mercado de trabalho. Em outras palavras, juízas que conquistaram importante posição social gostariam de ver as mulheres comportarem-se como elas, lutando. Esta é uma suposição cuja veracidade é discutível.

d) Juízas cultivam outros interesses na vida, ao contrário de seus colegas que, na maioria das vezes, concentram na carreira e no poder toda sua atenção. Tal fato faz com que as juízas se aposentem antes dos homens e se sintam mais felizes e realizadas ao se afastarem dos tribunais.

e) Juízas têm concepções estéticas absolutamente diferentes dos juízes. Seus gabinetes são mais bonitos, costumam possuir flores e quadros. Procuram aliar bom-gosto à aridez e formalismo da rotina forense.

f) Juízas sofrem mais nos embates da rotina forense. Mais sensíveis, suportam com mais sacrifício as negativas, as ofensas e a hostilidade. Os juízes, ao contrário, estão acostumados às lutas, às agressões, pois isso faz parte do instinto e da rotina masculina desde a infância.

g) Juízas tendem a ser mais honestas, a compactuar menos com o errado, a não aceitar acomodações. Todavia, tudo indica que esta característica diminuirá na medida em que a elas forem dadas posições de maior destaque.

h) Juízas não costumam exercer liderança em associações de classe. Muito embora participem e gostem de estar nas associações de magistrados, raramente ocupam sua presidência. Até hoje dedicam-se mais às diretorias de finanças, relações publicas ou atuam como secretárias. A Ajufe e a AMB nunca tiveram uma presidente. A Anamatra, dos juízes trabalhistas, ao inverso, sim.

i) Juízas sofrem uma fiscalização maior da sociedade do que seus colegas do sexo masculino. Apesar de toda evolução, principalmente nos pequenos centros, a sociedade acompanha suas vidas e patrulha seus atos com rigor. O menor deslize amoroso será objeto de críticas. Com os juízes há mais tolerância.

j) Juízas colocam, conscientemente ou não, seus sentimentos nas decisões. Têm maior dificuldade, por exemplo, em negar um remédio a um doente que não dispõe de verba para adquiri-lo. Administram bem emoção e razão, mas, na dúvida, podem optar pela emoção mais do que os homens, que preferem ficar com a razão.

l) Juízas revelam preocupação acentuada em ações envolvendo o Direito Ambiental. Seu gosto pelo belo, sua preocupação com as futuras gerações (pela razão de serem ou de poderem ser mães), talvez, expliquem esta tendência.

m) Juízas, mais do que os juízes, tendem a enfrentar vários assuntos de uma só vez. No cérebro das mulheres esta capacidade é mais evoluída. Mas, por outro lado, tendem a ser mais detalhistas e perfeccionistas, o que lhes resultam em grande sacrifício face à explosão de processos na realidade forense brasileira.

4. Conclusão

O ingresso do elemento feminino na magistratura brasileira, a meu ver, não alterou o rumo do Poder Judiciário. Nem para melhor, nem para pior. Não me parece que a Justiça tenha se tornado mais virtuosa ou mais problemática. Apenas se deu uma oportunidade às mulheres de se realizarem profissionalmente, o que antes lhes era negado. E a tendência é que elas assumam, cada vez mais, posições de comando, já que o percentual de juízas aumenta a cada ano.

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