Dinheiro verde

Entrevista: Roberta Danelon Leonhardt, advogada

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8 de julho de 2007, 0h00

Roberta Danelon Leonhardt - por SpaccaSpacca" data-GUID="roberta_danelon_leonhardt.jpeg">A falta de regulamentação nacional para o investimento em projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) e para a negociação de créditos de carbono não foi empecilho para que o Brasil movimentasse US$ 6 bilhões, em 2006, em negócios em torno desse novo mercado. O valor representa 20% do montante mundial de compra e venda de créditos de carbono.

As negociações se guiam por dois instrumentos do Direito Público Internacional: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, assinada durante a Eco 92, e o Protocolo de Quioto. Em entrevista à Consultor Jurídico, a advogada Roberta Danelon Leonhardt, especialista em Meio Ambiente e em créditos de carbono do Machado, Meyer, Sendacz e Opice, disse que o vácuo legislativo brasileiro não é freio para investidores ousados.

“O conservador espera a regulamentação. Mas pode ser tarde, porque o período de implementação do Protocolo de Quioto é de 2008 a 2012”, lembra. Hoje, o país tem 226 projetos registrados no Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para MDL — órgão internacional que avalia e autoriza a implementação de projetos de redução de emissão de gases poluentes.

A procura pelos escritórios brasileiros que têm especialização no mercado de carbono está crescendo, “mas ainda não é suficiente para ocupar todo o dia do advogado”. De acordo com Roberta, a tendência é o aumento do trabalho no período de implementação do Protocolo de Quioto. Ou depois, quando as regras serão revistas. O período de implementação é a época em que os países desenvolvidos terão para atingir as metas de redução estabelecidas e ratificadas na assinatura do protocolo.

Na conversa, Roberta explicou os passos para a implementação de um projeto de MDL e falou sobre a posição política brasileira em relação às mudanças climáticas. A advogada de 30 anos formou-se na Universidade de São Paulo e é especialista em Direito Ambiental. Mestre pela London School of Economics and Political Science, trabalha no MMSO há nove anos. Participaram da entrevista os jornalistas Elaine Resende e Rodrigo Haidar.

Leia a entrevista

ConJur — Como o setor que cuida de créditos de carbono de um escritório se organiza?

Roberta Danelon Leonhardt — O atendimento nessa área envolve todas as especialidades. Os escritórios formam equipes multidisciplinares. Para tratar de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), precisamos de especialistas em Direito Ambiental, Tributário, Contratual e Financeiro. As empresas que comercializam as chamadas RCEs (Redução Certificada de Emissão) se preocupam com sua tributação, por exemplo. Os Contratos de Compra de Redução de Emissões também pedem assessoria específica.

ConJur — Então ainda não há um advogado especialista em dar suporte para todas as questões que envolvem o mercado de crédito de carbono?

Roberta — O advogado que atua no mercado de créditos de carbono tem a visão geral do negócio e conhece suas especificidades, mas conta com as demais áreas de atuação para prestar uma assessoria de excelência. A demanda está cada vez maior, mas ainda não é suficiente para ocupar todo o dia do advogado. A tendência é a de que o trabalho aumente no período de implementação do Protocolo de Quioto, de 2008 a 2012. Ou depois, quando as regras atuais do acordo serão revistas.

ConJur — Quem quer investir no país em projetos de MDL encontra base legal para isso? A matéria está regulamentada?

Roberta — A regulamentação ainda é incipiente. O Brasil tem dois marcos jurídicos em relação aos créditos de carbono. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima assinada durante a Eco 92, que aconteceu no Rio de Janeiro [o objetivo do encontro foi buscar meios de conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com a conservação e proteção do meio ambiente, com base no princípio do desenvolvimento sustentável]. O Protocolo de Quioto, o segundo marco, foi assinado em 1997 e entrou em vigor somente em 2005. São documentos fortes, que trazem à legislação brasileira instrumentos de Direito Internacional. O Brasil tem também a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, que editou algumas resoluções para regulamentar o mercado.

ConJur — Como funciona a comissão? É composta por quais ministérios?

Roberta — É a autoridade nacional designada para aprovar os projetos brasileiros de MDL, que depois são levados ao Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para MDL. A comissão interministerial é presidida pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. O Ministério do Meio Ambiente tem a vice-presidência. No total, ela é formada por onze pastas. Na área de mudanças climáticas, o Ministério de Ciência e Tecnologia é muito mais atuante do que o do Meio Ambiente. Não só o ministro Sérgio Rezende, mas toda sua equipe responsável pela matéria é bastante especializada. Mas não podemos esquecer da figura da ministra Marina Silva, que é bastante engajada na causa.


ConJur — Fora os dois marcos jurídicos e as resoluções, não há legislação específica?

Roberta — Não houve criação legislativa. Dois projetos de lei tentaram regulamentar os créditos de carbono, inclusive a sua natureza jurídica. Mas foram arquivados, assim como um projeto de lei que previa incentivos fiscais. A única perspectiva de regulamentação federal que temos é um projeto de lei que institui a política nacional de mudanças climáticas, de autoria do deputado federal Mendes Thame (PSDB-SP). Os escritórios estão na expectativa de saber como os créditos de carbono serão classificados. Se como valor mobiliário, ativo financeiro ou como commodity.

ConJur — Como o mercado funciona atualmente?

Roberta — Geralmente, a legislação corre atrás dos fatos para a matéria ser regulamentada. Com o mercado de créditos de carbono não é diferente. O empreendedor que acredita no sucesso do mercado investe, assumindo o risco da operação. Não espera a regulamentação. Hoje, o Brasil já tem 226 projetos registrados no Conselho Executivo da ONU para MDL, mesmo sem regulamentação pátria. O investidor que tem visão de futuro atua e depois tenta se encaixar nas regras determinadas.

ConJur — Isso é bom ou ruim para o investidor?

Roberta — Essa situação oferece liberdade para investir, porque o investidor pode atuar sem muitas restrições. Mas não há como esquecer que o MDL tem regras específicas, de âmbito internacional. Também depende do perfil do empreendedor. Se ele é conservador, espera a regulamentação. Mas, então, pode ser tarde, porque o período de implementação do Protocolo de Quioto é de 2008 a 2012. A partir daí, não sabemos exatamente o que vai acontecer. Existe uma forte pressão para que as metas dos países desenvolvidos sejam aumentadas e que os países em desenvolvimento também recebam metas de redução de emissão de gases do efeito estufa.

ConJur — Os créditos de carbono gerados na produção de energia limpa pertencem à empresa que produz ou à que compra? O Decreto 5.882/06 que criou o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) prevê que os créditos gerados pertencem ao Estado. Se a empresa quiser, deve abater do valor pago.

Roberta — Essa regulamentação posterior causou insegurança jurídica. Quem investiu no mercado de carbono com base no Proinfa ficou surpreso com a transferência dos créditos para a Eletrobrás. Entretanto, existe a possibilidade de questionar a constitucionalidade da regulamentação. Já existem ações contra essa norma. Como o nosso Judiciário é lento, ainda não temos uma decisão definitiva. Sem o Proinfa, poderia não haver abertura para a criação de alguns projetos de MDL, tendo em vista que, se por um lado o investidor perdeu os créditos, por outro só conseguiu viabilizar investimento em Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), energia eólica, biomassa, por conta dele.

ConJur — Comparado com outros países em desenvolvimento, qual a situação do Brasil nesse mercado?

Roberta — Dos projetos registrados no Conselho Executivo, o Brasil possui 15% das reduções de emissão de gases de efeito estufa já certificadas. Ele está em terceiro lugar, depois da China e da Índia. A China tem mais de 40% dos projetos. A Índia, 20%. Os últimos dados publicados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia mostram que 6% das reduções projetadas, aquelas que ainda serão geradas, serão destinadas ao Brasil, 44% irão para a China e 27% para a Índia. Depois vêm a Coréia do Sul e o México, com menos de 6%.

ConJur — Como é o processo de geração de MDL?

Roberta — A primeira fase é a elaboração do Project Design Document (PDD), que é o documento de concepção do projeto. Nele, o empreendedor indica a metodologia da linha de base e a quantidade de redução de emissões previstas. Por exemplo, se for um projeto de aterro sanitário, indica quantas toneladas de carbono iria emitir sem o projeto de MDL e quanto o mesmo aterro vai emitir depois de implementado. É importante lembrar que o PDD indica quanto o projeto reduzirá de emissões de gases de efeito estufa, não só de gás carbônico. Além do gás carbônico, há mais seis gases considerados causadores do aquecimento global pelo Protocolo de Quioto. O MDL pode funcionar em dois períodos: dez anos ou sete anos renováveis por duas vezes. Então, primeiro tem a produção do PDD, depois a sua validação por empresas certificadas para atuar e atestar que determinado projeto tem ou não condições de reduzir emissões.

ConJur — Têm empresas brasileiras que fazem isso?

Roberta — Sim. Cada país possui entidades operacionais designadas que validam as suas RCEs. Depois da validação, o projeto passa pela Comissão Interministerial e, enfim, pelo Conselho Executivo de MDL. A partir daí, há o processo de monitoramento e verificação. É nele que serão computadas quantas Reduções Certificada de Emissão (RCEs) o projeto efetivamente emitirá. Geralmente, há diferença entre as RCEs projetadas e as, de fato, geradas. O número potencial e o número real criam o problema do valor da RCE. Se ela for negociada no início do projeto, vale bem menos que quando é emitido o título, após a certificação e emissão dos Créditos de Carbono pelo Conselho Executivo do MDL. Existem brokers no mercado de carbono. Eles podem comprar no início do projeto e vender mais caro depois. Isso faz com o preço seja volátil.


ConJur — Quanto esse mercado movimenta hoje no Brasil?

Roberta — Estima-se que o mercado de crédito de carbono movimentou em 2006 cerca de US$ 30 bilhões, sendo que a participação brasileira corresponde a aproximadamente 20% desse montante. Assim, temos algo em torno de US$ 6 bilhões. O preço da RCE atualmente está atrelado ao preço da allowance, que é o título do Sistema Europeu de Comércio de Emissões. A allowance tem variado entre 20 e 23 euros e a RCE entre 8 e 14 euros.

ConJur — A senhora usou o aterro sanitário como um exemplo de MDL. Na prática, como isso funciona?

Roberta — No Brasil, os projetos de aterro sanitário estão em terceiro lugar. Os dois primeiros grandes projetos de MDL brasileiros foram com aterros sanitários. O processo de registro e emissão dos créditos demorou, mas a metodologia criada foi aprovada logo no início da onda de créditos de carbono. Um dos grandes problemas dos projetos é a aprovação da metodologia pelo Conselho Executivo. Depois de aprovada, muitas empresas a seguem e a colocam em prática. No aterro sanitário não há captação de gás carbônico, mas de gás metano, que é 21 vezes mais nocivo que o carbônico. Gera, portanto, muito mais RCEs. Nos aterros sanitários são desenvolvidos mecanismos de recepção que não deixam o metano ir para a atmosfera. O gás é drenado, canalizado e queimado, provocando a redução e sendo capaz, ainda, de gerar energia elétrica. Quando não há essa infra-estrutura, as emissões da decomposição do lixo vão direto para a atmosfera.

ConJur — Quais os outros tipos de MDL feitos no Brasil?

Roberta — Em primeiro lugar, geração de energia. Em seguida, há trabalhos na área de suinocultura, onde todo o trabalho é feito com a impermeabilização do solo. Os dejetos suínos são colocados ali e cobertos por uma lona especial. Ela não deixa os gases irem para a atmosfera. O processo segue com a implementação de biodigestores que possibilitam a queima do gás metano liberado pelos dejetos dos suínos. Com a queima dos dejetos há geração de energia, que é usada na própria granja.

ConJur — O empresário que quer produzir MDL já procura o advogado com um projeto em vista?

Roberta — A maioria sim. Quer fazer um projeto de MDL na própria empresa ou quer investir em fundo de ações ambientalmente sustentáveis. Para este, não interessa muito saber qual será o projeto. Alguns empreendedores desenvolvem projetos para serem implementados por outras empresas. Outros fazem consulta apenas sobre a parte tributária. O advogado também trabalha bastante na redação dos contratos envolvidos, como os de compra e venda, os de garantia e de protocolos de intenção entre as partes. Ainda existem muitas dúvidas. O empreendedor liga para saber o que é crédito de carbono, como está o mercado, se há regulamentação. Nós explicamos como funciona. Têm investidores estrangeiros que querem atuar com uma empresa brasileira e já têm o contrato pronto. Querem saber se é compatível com a legislação brasileira. Outros querem saber o que fazer com o dinheiro da venda de títulos. “Como é que trago o dinheiro para o Brasil. Como faço para os recursos ingressarem no Brasil de forma regular, perante o Banco Central?”.

ConJur — Como que faz isso?

Roberta — O Banco Central foi um dos que resolveu primeiro a questão de como tratar as RCEs, por conta da demanda de investimentos estrangeiros em projetos de MDL no país. Não há como estes recursos não passarem pelo BC. As RCEs foram classificadas como “outros serviços”. Foi uma resposta rápida ao mercado para viabilizar a entrada dos valores no país. Não acredito que houve um estudo para se chegar à conclusão de que as RCEs são serviços e acredito que a legislação não vá tratá-las assim.

ConJur — Quantas consultas o escritório recebe por semana de gente interessada em produzir MDL?

Roberta — A demanda vem crescendo. Muitos ligam para fazer consultas, saber proporção de honorário e nem todos viram clientes. Mesmo assim temos atendido duas por semana, que é muito mais do que há um ano. O investidor estrangeiro também está procurando mais. A novidade é que não vão mais a um escritório de Londres, por exemplo, para contratar um brasileiro. Ligam direto para os brasileiros, porque perceberam que temos expertise e cobramos mais barato. Nossas horas são bem mais em conta que as de escritórios estrangeiros.

ConJur — Como as RCEs são tributadas?

Roberta — Não existe regulamentação. Depende da maneira como será classificada a sua natureza jurídica. Para ser valor mobiliário, precisa existir uma lei que diga: RCEs são valores mobiliários. O crédito de carbono tem de constar na norma que criou a Comissão de Valores Mobiliários, a Lei 6.385/76. Atualmente, o escritório assumiu a posição de analisar o crédito de carbono como um bem intangível. A partir dessa classificação, na compra e venda, dependendo do caso concreto, serão analisados os impostos devidos (Imposto de Renda, PIS/Cofins e a Contribuição Social sobre o Lucro). O que pode mudar de acordo com a regulamentação.


ConJur — As RCEs não existem no mundo jurídico?

Roberta — Existem, mas não têm natureza. Podemos considerá-las como bens móveis intangíveis. O Código Civil de 2002 regulamenta esse tipo de bem. No entanto, não há especificidade legal de como elas devem ser tratadas em todas as esferas do Direito. Se as negociações continuarem crescendo e não houver regulamentação, elas terão de ser lançadas na contabilidade das empresas de maneira conservadora: bens intangíveis ou ativos financeiros. Um ativo financeiro é qualquer coisa passível de receber um valor econômico. Não é um conceito jurídico, mas um conceito econômico. Pode ou não continuar assim.

ConJur — Esses títulos são mundiais?

Roberta — Sim. Quem emite é o Conselho Executivo do MDL, ligado à Convenção-Quadro de Mudança do Clima, que fica na Alemanha. Eles estão prestes a implementar o Internacional Transaction Log, um sistema que vai rastrear os títulos para saber qual projeto emitiu e quem comprou. Acompanhar, de fato, as emissões e compensações. O esquema de comércio de emissões na União Européia, o Emission Trade Scheme, já tem o seu. A criação do registro brasileiro ainda está incipiente.

ConJur — Com que freqüência são negociados os títulos? Eles são vendidos no mercado financeiro?

Roberta — Sim. No escritório, já atuamos com empresas que querem fazer serviço de broker. Comprar agora e vender depois, se possível por valor maior. Há também o investidor puro e simples, que quer ganhar dinheiro com o negócio. Não há nada que impeça qualquer um de nós de comprar uma RCE e esperar dois, três meses para vender. Isso acontece.

ConJur — Quanto custa uma RCE?

Roberta — Há sites especializados que dão os valores do crédito de carbono diariamente. É bastante volátil. Se o governo americano faz uma projeção negativa para sua atuação no mercado, os valores caem. Se a Comunidade Européia indica que vai aumentar as metas domésticas de redução de emissão, os preços aumentam, pois estariam atreladas às allowances. Além da diferença entre o crédito emitido e aquele que ainda será emitido. Geralmente são negociados em euros ou dólares. A unidade equivale a uma tonelada de carbono.

ConJur — O MDL foi criado como uma resposta do mercado para a questão das emissões?

Roberta — Exatamente. O Brasil foi o mentor e teve forte participação na criação do MDL. Trouxe essa resposta do mercado. Às vezes, é muito caro para o empreendedor reduzir os seus níveis de emissão. Então, ele compra a RCE de um projeto feito em um país em desenvolvimento. Existem regras no Protocolo de Quioto que prevêem que não se pode reduzir metas de emissão só comprando RCEs. É uma porcentagem menor que se pode abater com MDL. É preciso ações próprias para efetivamente deixar de lançar gases de efeito estufa, não só compensar. Além do MDL, existe a Implementação Conjunta, que é outro mecanismo de flexibilização.

ConJur — Como funciona?

Roberta — São projetos de redução de emissão entre países desenvolvidos. Não há relação com países em desenvolvimento. É viável economicamente e também em aspectos de desenvolvimento sustentável.

ConJur — Qual é a situação do Brasil em relação à América Latina?

Roberta —Nosso país tem mais projetos do que o México. E bem mais que os nossos vizinhos do Mercosul.

ConJur — O presidente Lula também tem chamado atenção para a questão das mudanças climáticas. Na última reunião do G-8 mais 5, na Alemanha, criticou a política norte-americana. As declarações dele são reflexos da situação brasileira no mercado mundial?

Roberta — Em seu pronunciamento no G-8 [grupo de países mais industrializados (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e o Canadá), mais a Rússia], Lula disse que os países desenvolvidos deveriam ser os responsáveis pela solução do problema de mudanças climáticas. Em 1972, na primeira grande convenção internacional de Meio Ambiente, Convenção de Estocolmo, o Brasil se posicionou no sentido de que não atrasaria o seu desenvolvimento por conta de ações ambientais. Já na Eco 92, o país teve uma atuação extremamente forte na defesa do desenvolvimento sustentável. O pronunciamento de Lula foi mais ou menos na linha de 1972.

ConJur — O governo brasileiro está lidando da maneira que deve com o mercado de crédito de carbono ou está empurrando com a barriga?

Roberta — O Ministério de Ciência e Tecnologia é extremamente atuante. Tem técnicos excelentes. Muito engajados nas questões de mudanças climáticas e respeitados pela comunidade científica. O Brasil tem posição de destaque. No entanto, não há interesse político no momento em relação à criação de metas de redução de emissão. Mais de 70 % das emissões de gases de efeito estufa no Brasil são por conta de desmatamento e queimadas. O medo de barrar o desenvolvimento econômico existe, mas pode haver soluções. Há pouco tempo a Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) publicou relatório no qual algumas empresas estariam dispostas a assumir metas de redução. Esse é o momento.

ConJur — A partir de 2012, quando acaba a primeira fase do Protocolo de Quioto, o Brasil pode receber metas de redução se o governo não regulamentar melhor os desmatamentos e queimadas?

Roberta — Ele pode receber, mas não simplesmente por ter deixado de regulamentar essa questão. Mas porque atualmente é o quarto maior emissor de gases de efeito estufa. A China, que perdia em emissões para os Estados Unidos, já está sendo apontada como o maior emissor mundial e também não tem metas de redução. A Índia tem altos níveis de emissão, sem metas. A participação destes três países no Protocolo de Quioto com metas específicas ajudaria na redução de emissões globais.

ConJur — O governo não está nada preocupado com isso?

Roberta — A posição atual é a de que o Brasil não deve assumir metas específicas. E há base para esta posição, porque a Convenção de Mudanças Climáticas foi estruturada em cima do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Aqueles que tiveram maior participação no aquecimento global devem responder pela maior parcela. O Ministério do Meio Ambiente tem um trabalho sério para a redução de queimadas e desmatamento na Amazônia. Essa política deveria ser reforçada.

ConJur — E em relação à queimada de palha de cana-de-açúcar?

Roberta — O escritório está sendo muito procurado por empresas que têm interesse na área de cana, para produção de etanol. Impressionante esse boom. As empresas multinacionais querem começar sem vícios, de acordo com a legislação vigente. Entretanto, é muito mais fácil para o agricultor fazer a queima quando ainda não há mecanização. O grande problema em São Paulo é que o volume de emissões atmosféricas é muito alto. Há necessidade de redução. O ar fica muito seco, pesado. Acho excelente que não haja queimadas, desde que seja economicamente viável. Isso deve ser levado em consideração.

ConJur — Há críticas no sentido de que os créditos de carbono favorecem mais o mercado do que o próprio meio ambiente. O pessoal está mais de olho no dinheiro que preocupado com a redução. A senhora concorda?

Roberta — Imaginar que os projetos de MDL ocorrem somente porque os empreendedores querem diminuir o efeito do aquecimento global é ser ingênuo. O MDL é uma solução de mercado. Não foi criado para ser uma solução ambiental. Entretanto, para que esse mecanismo seja validado e registrado precisa ser condizente com o princípio do desenvolvimento sustentável. E, obrigatoriamente, não causar danos ao meio ambiente. Nesse sentido, o ganho ambiental é considerável. O MDL também trouxe maior consciência sobre as mudanças climáticas. Existem muitas empresas que têm metas voluntárias de redução. Há diversas iniciativas de processos voluntários de neutralização das emissões.

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