Direito, não privilégio

STF reafirma direito de conversa reservada entre advogado e cliente

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7 de julho de 2007, 14h03

O advogado sempre poderá conversar pessoal e reservadamente com seu cliente. Longe de ser um privilégio, a conversa particular é prerrogativa legítima assegurada pela Constituição Federal. O direito foi reafirmado pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao analisar pedido dos advogados do italiano Cesare Battisti, preso no Brasil sob acusação de homicídios cometidos em seu país.

Para o ministro, o desrespeito dessas regras por quaisquer agentes ou órgãos do Estado compromete de forma arbitrária o “direito público subjetivo à plenitude de defesa”. E completa: “O acesso a tais direitos, na realidade, há de ser assegurado, sempre, sem qualquer discriminação, a todos aqueles, brasileiros ou estrangeiros (independentemente de sua condição social, econômica ou funcional), que, eventualmente, se achem sob a custódia do Estado”.

Os advogados de Battisti se basearam no artigo 7º do Estatuto dos Advogados para pedir autorização para o encontro pessoal e reservado. Eles contaram que por duas vezes enfrentaram obstáculos para isso e também para manusear cópia dos autos do pedido de extradição de seu cliente.

“A realização da entrevista reservada foi também condicionada ao cancelamento da visita semanal dos familiares aos demais presos e do banho de sol dos detentos, colocando o extraditando em condição absolutamente desconfortável perante os demais custodiados, ficando sujeito a sofrer todo tipo de represália”, relatou a defesa do italiano.

Em sua manifestação, a Superintendência Regional da Polícia Federal no Distrito Federal, onde Battisti está preso, ressaltou que não existe sala para visitação de preso com possibilidade contato físico, “e, sim, um parlatório, visto se tratar de custódia provisória”. E argumentou ainda que tratamentos diferenciados geram desgastes entre os detentos e aumentam a tensão, com riscos para o próprio beneficiado.

Os argumentos não convenceram. Não é a primeira vez que o ministro Celso de Mello reafirma que limitações estatais não podem servir de barreira para a aplicação de direitos fundamentais. A conversa reservada entre advogado e cliente é prerrogativa profissional, que serve como meio de oferecer e garantir proteção e amparo dos direitos e garantias que o sistema de Direito Constitucional reconhece às pessoas em geral.

Em sua decisão, o ministro destacou que conversou por telefone com o delegado Getúlio Bezerra Santos, diretor-executivo da DPF, que informou que tomará as devidas providências para a concretização do pedido.

O caso

Battisti, 52 anos, foi preso no Rio de Janeiro. Ex-militante do movimento extremista de esquerda Proletários Armados para o Comunismo, foi condenado à prisão perpétua na Itália, em 1993, por quatro assassinatos cometidos entre 1977 e 1979, além de outros crimes.

Sua primeira prisão foi em 1979. Ele escapou em 1981 e fugiu para o México, onde viveu até que se mudou para a França no começo da década de 90. No Brasil, estava refugiado desde 2004. Em Brasília, o italiano encontra-se preso desde 18 de março, por conta de mandado de prisão preventiva para fins de extradição, expedido pelo Supremo.

No ordenamento jurídico italiano, a prisão perpétua “não implica que os condenados a tal pena deverão permanecer detidos na prisão por toda a duração da vida”, afirma o governo da Itália. O sistema penitenciário prevê uma série de benefícios, como semi-liberdade, liberação condicionada, liberação antecipada e a possibilidade de desenvolver atividades de trabalho fora do instituto da pena.

Leia a decisão

EXTRADIÇÃO 1.085-9 REPÚBLICA ITALIANA

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

REQUERENTE(S): GOVERNO DA ITÁLIA


ADVOGADO(A/S): ANTONIO NABOR AREIAS BULHÕES

EXTRADITANDO(A/S): CESARE BATTISTI

ADVOGADO(A/S): TATIANA ZENNI DE CARVALHO E OUTRO(A/S)

DESPACHO: Ao apreciar pedido formulado pelo Senhor Advogado do ora extraditando, que invocou a prerrogativa profissional que lhe assegura o art. 7º, III, da Lei nº 8.906/94 (fls. 21), vim a deferir tal postulação, autorizando-o, nos termos do Estatuto da Advocacia, “a comunicar-se e a avistar-se, reservadamente, com o seu cliente, Cesare Battisti (…), no local em que custodiado, ‘(…) sem as limitações naturais impostas pela própria estrutura física do locutório da carceragem da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal no Distrito Federal, de modo a que, sem qualquer barreira ou obstáculo, possam, advogado e cliente, juntos, manusear cópia dos autos do pedido de extradição, a fim que a defesa possa instruir-se a propósito dos fatos atribuídos ao extraditando, ocorridos fora do Território Nacional’ (…)” (fls. 20).

O Senhor Advogado do ora extraditando, no entanto, alega que “tentou exercer por duas vezes, sem sucesso, o direito assegurado por Vossa Excelência, respectivamente nos dias 06 e 13.jun.07” (fls. 03 – grifei).

E aduz (fls. 03/04):

Na primeira oportunidade, não obstante houvesse outras salas disponíveis, foi determinado pela autoridade policial que a entrevista reservada seria realizada no locutório da carceragem da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal, ficando advogado e custodiado confinados no mesmo espaço destinado às visitas. Registre-se que, como naquela data, em razão do feriado de ‘Corpus Christi’, a visitação, ordinariamente realizada às quintas-feiras, havia sido antecipada, a realização da entrevista reservada foi também condicionada ao cancelamento da visita semanal dos familiares aos demais presos e do banho de sol dos detentos, colocando o extraditando em condição absolutamente desconfortável perante os demais custodiados, ficando sujeito a sofrer todo tipo de represália.

Em razão das condições impostas pela autoridade policial, a entrevista com o extraditando foi extremamente limitada no tempo, sendo ainda abreviada em razão de sua retirada da custódia para inquirição em autos de carta precatória expedida pela Superintendência Regional de Polícia Federal do Rio de Janeiro em expediente que apura suposto uso de passaportes falsos.

Finalmente, em 13.jun.07 o requerente, depois de comunicar a custódia na véspera sua disposição de avistar-se com o preso, teve o acesso ao cliente cerceado sob a alegação de que estaria sendo realizado ‘procedimento’ na custódia cuja natureza não foi informada. Depois de aguardar por mais de 2h30min – o que pode ser confirmado pelos registros informatizados de entrada e saída naquela Superintendência – sem obter sequer a confirmação de que poderia se avistar com o extraditado, o requerente retirou-se da Polícia Federal.

Importante lembrar que o requerente tem como sede de sua advocacia a cidade do Rio de Janeiro, e que seus deslocamentos a Brasília para entrevista frustrada com seu assistido implicam em despesas significativas e no prejuízo de sua regular atividade profissional.

A partir do relato ora trazido, o requerente não tem dúvidas que ao cumprimento da decisão de Vossa Excelência estão sendo colocados obstáculos absolutamente desnecessários pela Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal do Distrito Federal. De igual modo, e pelos mesmos motivos, o requerente se confessa absolutamente incapacitado de proporcionar a seu assistido a mais mínima orientação com relação a sua defesa para o interrogatório designado para o próximo dia 18.jun.07.” (grifei)


A ilustre Senhora Superintendente Regional do DPF/DF, instada a esclarecer o alegado descumprimento da ordem judicial (fls. 11), assim se pronunciou (fls. 15/16):

Impele ressaltar que nesta Superintendência inexiste sala para visitação de preso com possibilidade de contato físico, e, sim, um parlatório, visto se tratar de custódia provisória.

Consoante é cediço, todo tratamento diferenciado gera desgastes, mormente entre custodiados, e, por conseguinte a tensão aumenta inclusive com riscos ao próprio preso beneficiado. Atualmente na carceragem desta unidade encontram-se 37 (trinta e sete) presos de nacionalidade brasileira e um estrangeiro.

Malgrado a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados ter solicitado liberação de computador, canetas e outros materiais ao preso italiano Cesare Battisti, deixou-se de atender, por se reportar a preso como todos os demais presos brasileiros, por conseguinte, cumprindo a regra reinante nesta Superintendência, tratamento uniforme, independente da classe social, econômico/financeiro, somente sendo diferenciado nas hipóteses pertinentes a recolhimento em cela especial, na forma da legislação em vigor, enquanto que a alimentação, o direito a atendimento médico, visitas de advogado e familiares, quantidade de preso por cela, recebe tratamento igualitário e padrão.” (grifei)

Sendo esse o contexto, em que se denuncia descumprimento de uma ordem emanada do Supremo Tribunal Federal, em processo instaurado contra pessoa sujeita à imediata jurisdição desta Corte Suprema, e tendo presentes os esclarecimentos prestados pela Senhora Superintendente Regional do DPF/DF, aprecio o pedido que o Senhor Advogado do extraditando formulou a fls. 03/04 (PG/STF-91325/07).

Observo, por necessário, neste ponto, que esta decisão é proferida em face do caso concreto, cujo exame foi-me submetido em razão de processo de que sou Relator, no qual surgiu incidente configurador de injusto cerceamento ao direito de defesa, motivo que me leva, por isso mesmo, a apreciar, relativamente ao extraditando em questão, o pleito ora em análise.

Cabe advertir, desde logo, considerados os termos constantes do Ofício da Senhora Superintendente Regional do DPF/DF (fls. 15/16), que não se trata de dispensar “tratamento diferenciado” ao ora extraditando, eis que este – como qualquer outro extraditando – “assume, no processo extradicional, a condição indisponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser preservada pelo Estado a quem foi dirigido o pedido de extradição (…)” (Ext 897/República Tcheca, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).

É importante ressaltar – e ressaltar muito claramente – que a Senhora Superintendente Regional do DPF/DF está equivocada, quando supõe que a ordem judicial – que lhe foi dirigida para ser executada implicaria a concessão, ao extraditando, detratamento diferenciado”.

A outorga, ao extraditando, da garantia que lhe assegura o direito de se entrevistar, “pessoal e reservadamente”, com seus Advogados, quando preso, não traduz privilégio indevido, pois se trata de prerrogativa legítima, que, assegurada pela Constituição e pelas leis da República, deve ser respeitada por quaisquer agentes e órgãos do Estado, sob pena de arbitrário comprometimento do direito público subjetivo à plenitude de defesa (CF, art. 5º, LV).


Não se pode desconhecer, neste ponto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado (Ext 917/República FrancesaExt 977/República Portuguesa, v.g.), a propósito da posição jurídica do extraditando (que não é mero objeto de persecução penal), o que se segue:

EXTRADIÇÃO E RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS.

A essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro – e, em particular, o Supremo Tribunal Federalde velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por iniciativa de qualquer Estado estrangeiro.

O fato de o estrangeiro ostentar a condição jurídica de extraditando não basta para reduzi-lo a um estado de submissão incompatível com a essencial dignidade que lhe é inerente como pessoa humana e que lhe confere a titularidade de direitos fundamentais inalienáveis, dentre os quais avulta, por sua insuperável importância, a garantia dodue process of law’.

(Ext 633/República Popular da China, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Desse modo, impõe-se, ao Poder Público, o respeito efetivo a essas garantias constitucionais e legais (que são indisponíveis), bem assim às prerrogativas profissionais que assistem, nos termos da lei, aos Advogados, não se revelando legítima, sob tal perspectiva, a invocação, pelo Estado, de quaisquer dificuldades de ordem material que possam comprometer, afetando-a gravemente, a eficácia dos direitos assegurados pelo ordenamento positivo nacional.

O acesso a tais direitos, na realidade, há de ser assegurado, sempre, sem qualquer discriminação, a todos aqueles, brasileiros ou estrangeiros (independentemente de sua condição social, econômica ou funcional), que, eventualmente, se achem sob a custódia do Estado. Os órgãos e agentes que compõem a estrutura do Estado (tanto no Poder Executivo quanto no Poder Legislativo ou no Poder Judiciário) não podem frustrar, por isso mesmo – ainda que fundados em compreensíveis razões de ordem administrativa ou de caráter material –, o exercício das prerrogativas e garantias individuais fundadas, em sua origem mesma, na própria declaração constitucional de direitos.

Sob tal aspecto, portanto, as notórias dificuldades (e limitações) de ordem material que afligem o Poder Público, notadamente no âmbito prisional, não podem ser opostas ao exercício dos direitos e garantias individuais consagrados pelo estatuto fundamental, sob pena de inaceitável transgressão – que jamais poderá ser tolerada por esta Suprema Corte – ao que proclama a própria Constituição da República, especialmente em tema do direito de defesa.

É importante assinalar, neste ponto, considerada a essencialidade do direito de defesa, que se registra íntima vinculação entre as prerrogativas profissionais dos Advogados, de um lado, e a declaração constitucional de direitos e garantias, de outro, tal como tive o ensejo de decidir, nesta Suprema Corte, quando do exame de questão concernente ao tema ora versado nesta sede extradicional (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 03/02/2000).


Na realidade, as prerrogativas profissionais dos Advogados representam emanações da própria Constituição da República, pois, embora explicitadas no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), foram concebidas com o elevado propósito de viabilizar a defesa da integridade das liberdades públicas, tais como formuladas e proclamadas em nosso ordenamento constitucional.

As prerrogativas profissionais de que se acham investidos os Advogados, muito mais do que faculdades jurídicas que lhes são inerentes, traduzem, na concreção de seu alcance, meios essenciais destinados a ensejar a proteção e o amparo dos direitos e garantias que o sistema de direito constitucional reconhece às pessoas em geral (sejam elas brasileiras ou estrangeiras), notadamente quando submetidas à atividade persecutória e ao poder de coerção do Estado.

É por tal razão que as prerrogativas profissionais não devem ser confundidas nem identificadas com meros privilégios de índole corporativa ou de caráter estamental, pois destinam-se, enquanto instrumentos vocacionados a preservar a atuação independente dos Advogados, a conferir efetividade às franquias constitucionais invocadas em defesa daqueles cujos interesses lhes são confiados.

O Supremo Tribunal Federal, por isso mesmo, tal como expõe valiosa monografia sobre o tema (ALBERTO ZACHARIAS TORON e ALEXANDRA LEBELSON SZAFIR, “Prerrogativas Profissionais do Advogado”, 2006, OAB Editora), compreendendo a alta missão institucional que qualifica a atuação dos Advogados e tendo consciência de que as prerrogativas desses profissionais existem para permitir-lhes a tutela efetiva dos interesses e direitos de seus constituintes, construiu importante jurisprudência, que, ao destacar a vocação protetiva inerente à ação desses imprescindíveis operadores do Direito, tem a eles dispensado o amparo jurisdicional necessário ao desempenho integral das atribuições de que se acham investidos.

Ninguém ignora – mas é sempre importante renovar tal proclamação – que cabe, ao Advogado, na prática do seu ofício, a prerrogativa (que lhe é dada por força e autoridade da Constituição e das leis da República) de velar pela intangibilidade dos direitos daquele que o constituiu como patrono de sua defesa técnica, competindo-lhe, por isso mesmo, para o fiel desempenho do “munus” de que se acha incumbido, o pleno exercício dos meios destinados à realização de seu legítimo mandato profissional.

Impõe-se destacar, neste ponto, ante a extrema pertinência de que se revestem, os valiosos comentários que ALBERTO ZACHARIAS TORON e ALEXANDRA LEBELSON SZAFIR fazem a propósito da comunicação pessoal e reservada do Advogado com o seu cliente (“Prerrogativas Profissionais do Advogado”, p. 145/149, 2006, OAB Editora):

Tão importante é o direito de o preso ter acesso a outras pessoas e, sobretudo, ao advogado, que, mesmo sob o Estado de Defesa, é vedada a sua incomunicabilidade (CF, art. 136, IV). De fato, é o advogado quem, em primeiro lugar, terá a oportunidade de constatar a higidez física e moral e zelar por ela, reclamando quando o preso for desrespeitado no que concerne a direitos fundamentais. (…).

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A imposição ao advogado de que sua conversa com o seu assistido se dê por meio de um interfone atenta contra o caráter pessoal da conversa (…). Mesmo porque, por outro lado, a utilização dos interfones não oferece ao advogado a segurança necessária quanto ao sigilo da sua conversa com o preso. Se o acesso amplo e franco do cliente detido ao advogado é, como disse o ministro XAVIER DE ALBUQUERQUE, ‘consubstancial à defesa ampla garantida na Constituição’, seu cerceamento mediante a imposição da utilização do interfone viola não apenas a Lei 9.806/94, mas a própria Constituição no que tem de mais caro quando relacionado ao sistema penal: a ampla defesa do acusado.


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A liberdade da advocacia e o segredo profissional acabam sendo não apenas neutralizados, mas mesquinhamente pisoteados. A utilização de interfones como veículo de comunicação entre os advogados e seus clientes é intolerável diante do Estatuto do Advogado e dos direitos e garantias que a própria Constituição enumera.

Por outro lado, tão grave quanto a imposição de interfones para a comunicação entre clientes e advogados, são os parlatórios coletivos em Presídios onde uns ouvem a conversa dos outros, que se dão simultaneamente num espaço sem qualquer privacidade. (…). Convém relembrar a antiga lição de que o maior conhecedor dos fatos é o cliente. Daí porque a conversa que o advogado estabelece com ele deve ser a mais aberta, franca e detalhada possível. Barreiras físicas praticamente impedem um contato produtivo. Aliás, em muitos casos, o advogado e o preso são obrigados a ficar de pé horas a fio na conversa. Tudo isso viola a amplitude do direito de defesa, já que o advogado fica privado da utilização dos meios inerentes ao seu pleno exercício.

Dúvida, porém, não pode haver de que os parlatórios coletivos violam escancaradamente o direito que o advogado tem de conversar reservadamente com seu cliente. O advérbio sublinhado não quer dizer outra coisa senão privadamente, isoladamente, sem ninguém ouvindo. Quando tal condição não se estabelece, viola-se a prerrogativa assegurada ao advogado que pode ser remediada com a impetração de mandado de segurança ou, entendendo-se agredido o direito à ampla defesa, com o manejo de um ‘habeas corpus’ (…).

Causa perplexidade, pesa dizê-lo, que, em pleno período democrático, práticas autoritárias, denunciadas há mais de cinqüenta anos, continuem vigorando entre nós, só que agora ‘legitimadas’ por uma consciência que se afirma na eficácia repressiva ou em nome da segurança, como se estes valores pudessem se sobrepor, ‘tout court’, a direitos e garantias individuais e a prerrogativas profissionais. Enquanto não se criar uma consciência comprometida com segurança dentro de regras que funcionam como um sistema de garantias, e não a qualquer custo, pagaremos um alto preço pelo desrespeito a valores maiores que são as regras matrizes de uma sociedade regida por uma Constituição.” (grifei)

Vê-se, portanto, para além de qualquer dúvida, que a certeza da integridade dos direitos e garantias que o sistema jurídico reconhece, constitucionalmente, a qualquer pessoa, independentemente de sua origem nacional ou de sua condição social, repousa no efetivo respeito que se atribua às prerrogativas profissionais asseguradas, aos Advogados, pela legislação da República, especialmente pelo que dispõe, em prescrição concretizadora da Constituição (art. 133), o Estatuto da Advocacia.

Em suma: qualquer conduta dos agentes e órgãos do Estado que afronte direitos e garantias individuais, como o direito de defesa, cerceando e desrespeitando as prerrogativas profissionais do Advogado, representa um inaceitável ato de ofensa à própria Constituição e, como tal, não será admitido nem jamais tolerado pelo Supremo Tribunal Federal.

Assentadas tais premissas, sempre respeitadas por esta Suprema Corte, mas cuja rememoração se tornou necessária ante as observações feitas pela ilustre Senhora Superintendente Regional do DPF/DF (fls. 15/16) – observações estas que conflitam com a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal -, impõe-se ouvir, antes de nova deliberação sobre a matéria, o eminente Procurador-Geral da República sobre o pleito de fls. 02/03, que visa a assegurar, aos Advogados que patrocinam a defesa técnica do ora extraditando, o exercício da prerrogativa profissional que lhes confere a Lei nº 8.906/94 (art. 7º, III).


Sob tal perspectiva, impende reconhecer que não se justifica a restrição que o Departamento de Polícia Federal opôs, no caso, ao pleno exercício, em favor do ora extraditando, da prerrogativa profissional assegurada, juridicamente, ao Advogado, pelo Estatuto da Advocacia (art. 7º, III).

Na realidade, e segundo alegado pela Defesa (fls. 03/04), frustrou-se, na espécie, a prática dessa legítima prerrogativa mediante suspensão administrativa, em detrimento dos demais detentos, da visitação semanal e do banho de sol, como condição para se viabilizar a comunicação pessoal e reservada dos Advogados com o ora extraditando.

Em conseqüência desse condicionamento, em tudo incompatível com o exercício do direito de defesa e com a prática dessa prerrogativa profissional do Advogado, expôs-se, o ora extraditando, segundo alegado nestes autos (fls. 04), a uma “condição absolutamente desconfortável perante os demais custodiados, ficando sujeito a sofrer todo tipo de represália” (grifei).

Observo, ainda, que o obstáculo administrativo que inviabilizou, até o presente momento, a execução integral da decisão emanada do Supremo Tribunal Federal levou-me a suspender, até mesmo, o interrogatório judicial do extraditando, cuja realização havia delegado a ilustre magistrado federal da Seção Judiciária do Distrito Federal (RISTF, art. 211), sustando-se, em conseqüência, referido ato processual até ulterior deliberação desta Suprema Corte (fls. 06), para que não se invoque, em momento posterior, sob alegação de injusto cerceamento do direito de defesa, qualquer nulidade processual que possa invalidar este processo de extradição, não obstante compreensíveis as razões de ordem material expostas pela Senhora Superintendente Regional do DPF/DF (fls. 15/16).

Ao assim proceder, e apreciando o pedido de fls. 03/04, tive presente a circunstância – processualmente relevante – de que, logo após o interrogatório, “intimar-se-á o defensor do extraditando para apresentar defesa escrita no prazo de dez dias” (RISTF, art. 210), o que se mostraria inviável, na espécie, dada a complexidade da causa, se não se assegurasse, “ex ante”, aos Advogados do ora extraditando, a possibilidade de, com este, se entrevistarem, “pessoal e reservadamente”, para efeito de orientação jurídica e de elaboração da defesa, tal como expressamente ressaltado no item n. 7 da mencionada petição, protocolada, nesta Corte, em 13/06/2007 (fls. 03/04).

Cumpre assinalar, finalmente, que, em conversação telefônica hoje mantida com o Senhor Delegado Getúlio Bezerra Santos, ilustre Diretor Executivo do DPF, a propósito do obstáculo administrativo ora denunciado pelos defensores do extraditando, foi-me esclarecido que o Departamento de Polícia Federal adotará as providências necessárias à concretização do regular exercício da prerrogativa profissional assegurada aos Advogados (Lei nº 8.906/94, art. 7º, III), em ordem a possibilitar, nos termos da Constituição da República (art. 5º, incisos LIV e LV), a prática efetiva das garantias inerentes ao “due process of law”, especialmente daquelas que concernem ao direito à ampla defesa, respeitadas (como se impõe) as pertinentes normas de segurança prisional.

Determino, desse modo, em face do contexto ora exposto, a prévia audiência do eminente Procurador-Geral da República sobre a questão suscitada pelos Advogados do ora extraditando (fls. 03/04).

Publique-se.

Brasília, 26 de junho de 2007.

Ministro CELSO DE MELLO

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