Parte de todos

Cidadão precisa participar para Mercosul ser plural

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5 de julho de 2007, 0h00

Atualmente, o Estado-nação é refém de uma soberania em profunda crise, incapaz de organizar e gerir os interesses de sua sociedade, bem como de produzir riquezas suficientes para a satisfação das necessidades de seu povo. Tal realidade impõe conseqüências econômicas gravíssimas na vida dos cidadãos, principalmente daqueles que mais precisam da assistência do Estado.

De fato, a realidade encerra uma falta de sentido na vida republicana, já que a Constituição e o Direito, instrumentos de consolidação do Estado-Nação, não são capazes de materializar, por si sós, uma finalidade concreta para as nossas escolhas. Para quê viver de acordo com a lei e a Constituição, se além delas não podermos chegar a lugar algum? Que satisfação podemos obter nesta – e desta – vida burocrática e alienante, além de uma estabilidade inexistente? São perguntas necessárias e inevitáveis diante do enfraquecimento da vida do Estado nacional, da legalidade e de outros princípios dela correlatos, tudo decorrente da liquefação da vida moderna (ou globalização, como geralmente se fala).

Assim é que a construção do comunitarismo se torna algo previsível e até esperado na atualidade, como uma “busca por segurança”, segundo Zygmunt Bauman, ou como um “sentido na vida” política, nas palavras de André Comte-Sponville.

Já se constata o fenômeno na Europa. Por aqui, o Mercosul vai aos poucos ganhando força, contando com uma agenda institucional, como, por exemplo, a criação de seu Parlamento. Entretanto, a construção desta realidade ainda é muito tímida, sendo pequena a participação pública e efetiva da sociedade brasileira, apesar da disposição expressa da Constituição Federal:

“Art. 4º: A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

(…)

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”

A pouca participação da sociedade é manifestada na jurisprudência de nossa Suprema Corte, a qual ainda restringe a importância das decisões tomadas no âmbito do Mercosul:

“Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul.” (CR 8.279-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 10/08/00)”

O Conselho do Mercado Comum, apesar do tratamento deferido pela jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, firmou o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, em 2005, já tendo sido iniciada a primeira etapa, de transição, cujo período de duração é entre 2006 e 2010. Os parlamentares deste mandato já tomaram posse nos respectivos cargos, tendo sido o órgão “comunitário” instalado e entrado em funcionamento na cidade de Montevidéu, no Uruguai. Para a primeira etapa da constituição do Parlamento, cada Estado parte da comunidade indicou 18 titulares e seus respectivos suplentes, dentre seus legisladores (no Brasil, deputados federais e senadores).

Na segunda etapa, que compreende o período entre janeiro de 2011 e dezembro de 2014, todos os membros do Parlamento serão eleitos diretamente, em sufrágio universal e secreto, de acordo com a agenda eleitoral de cada país. A representação no Parlamento a partir de 2011 será proporcional à população de cada Estado parte, de modo que fiquem representados gêneros, etnias e regiões, diferentemente do que está ocorrendo na primeira etapa, cuja representação é paritária.

Por fim, na terceira e última etapa de instalação do Parlamento do Mercosul, teremos uma eleição no mesmo dia em toda a comunidade, em data a ser designada durante a segunda etapa, e que será denominada de Dia do Mercosul Cidadão.

O Mercosul, enquanto comunidade, tem importância sem igual para os Estados parte e para seus cidadãos. A união das nações proporcionará a criação efetiva de um mercado, ampliando as possibilidades das economias internas se desenvolverem de modo mais eqüitativo, equilibrado e integrado.

A centralização excessiva que se vê hoje, principalmente no Brasil, em que o poder transita entre Brasília e a região sudeste do país, será reduzida, com a conseqüente diminuição das tensões naturais existentes entre as diversas regiões da nossa Federação.

Será, neste sentido, a oportunidade que o país terá para reformar a sua política interna, a sua estrutura desigual e injusta, porque a diluição do poder central permitirá o acesso dos menos favorecidos aos meios para se buscar o engajamento na economia, de acordo com seus interesses e suas solidariedades:

“Protocolo Constitutivo do Parlamento

(…)

Art. 3º São princípios do Parlamento:

(…)

7. A promoção do desenvolvimento sustentável no Mercosul e o trato especial e diferenciado para os países de economias menores e para as regiões com menor grau de desenvolvimento.”

Enfim, o Mercosul, com o seu Parlamento e demais órgãos consultivos, executivos e judiciais, terá a possibilidade de proporcionar a existência de um mercado capaz de manter a comunidade, em nosso próprio benefício.

Contudo, observo que o assunto vem sendo pouco difundido, como se tivesse pouca importância, contrariando o compromisso firmado no próprio Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul:

“Art. 3º. São princípios do Parlamento:

(…)

2. A transparência da informação e das decisões para criar confiança e facilitar a participação dos cidadãos.”

Tal fato, no meu entender, prejudica a existência da própria comunidade, eis que, ao não informar os cidadãos, os governos nacionais e a imprensa, retiram-lhes a oportunidade de participar e agir na construção de uma identidade comunitária política e ideologicamente plural, madura, baseada no respeito às diferenças, e que vá além de uma simples imitação do que ocorre na Europa atual.

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