No lugar errado

Entrevista: Celso Luiz Limongi, presidente do TJ paulista

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1 de julho de 2007, 1h00

Celso Limongi - por SpaccaDe cada três funcionários do Tribunal de Justiça de São Paulo, dois trabalham na atividade meio. Ou seja, apenas um terço dos funcionários trata do que a Justiça realmente tem de tratar: do andamento do processo. A informação é do presidente do maior tribunal do país, desembargador Celso Luiz Limongi. A constatação, informa ele, foi feita pela Fundação Getúlio Vargas, a quem o TJ encomendou um amplo trabalho de auditoria e consultoria para orientar a sua reforma administrativa. Feito o diagnóstico, no final de 2005, o TJ enviou à Assembléia Legislativa um projeto para reformular o plano de cargos e carreiras do Judiciário estadual.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Limongi apontou alguns dos desvios responsáveis por tornar o Judiciário um poder automaticamente associado à morosidade: “Por exemplo, a petição inicial é autuada em primeira instância. No tribunal, é reautuada. Em qualquer apelação, o procedimento e repetido. Só para esse trabalho, precisamos manter 180 funcionários no Tribunal de Justiça”.

O presidente do TJ-SP intui que com um corpo de funcionários menor, porém mais bem preparado e melhor distribuido, pode-se aumentar a operacionalidade e a eficiência do sistema.

Para o desembargador, no que diz respeito ao Judiciário paulista, um dos principais problemas está na sua estrutura gigantesca — “é preciso reduzir o número de funcionários” — e no orçamento que varia de acordo com o humor do governador da ocasião. Limongi defende que o Judiciário tenha orçamento fixo de 6% do total do orçamento do estado.

A atual gestão do TJ paulista investiu pesado em informática na tentativa de dar celeridade aos procedimentos. Em um ano e meio foram gastos R$ 300 milhões. “Ainda há muita coisa para aperfeiçoar, mas conseguimos informatizar 90% da rede de todo o Tribunal de Justiça”, contou.

Questionado sobre a febre de grampos em investigações, Limongi se opôs à prática. “Não tem o menor sentido iniciar uma investigação por meio de grampo. Não se investiga mais. Coloca-se o grampo, que faz todo o resto. Está errado”, disse. Para ele, as gravações telefônicas só podem ser autorizadas nos casos em que existem sérios indícios contra o investigado.

O mandato do presidente do TJ acaba em dezembro. Em um balanço de três quartos de sua administração, comemora a realização das eleições para a escolha dos membros do Órgão Especial. Segundo ele, os nove novos integrantes marcam uma posição mais moderna em um colegiado conhecido pela sua característica conservadora. “Essa eleição é crucial, porque democratiza o Judiciário e muda o modo de pensar.”

Mas lamenta a impossibilidade de pagar pontualmente os reajustes aos servidores. “Muitas vezes, o legislador não é sincero. Faz uma lei e não há dinheiro para cumpri-la”, criticou. Ao seu sucessor, sugeriu que não desfaça o que foi feito. Dois juízes já lançaram seus nomes para disputar o cargo: o atual vice-presidente Caio Canguçu de Almeida e o desembargador Ivan Sartori.

Os jornalistas Elaine Resende, Fernando Porfírio, Márcio Chaer e Rodrigo Haidar também participaram da entrevista.

Leia os principais trechos da entrevista

ConJur — Como o senhor define a Justiça paulista?

Limongi — O Judiciário paulista é gigantesco e, por isso, difícil de governar. São 45 mil funcionários públicos ativos e 10 mil aposentados. Em dez anos haverá mais 15 mil aposentados, de acordo com cálculo feito pela Fundação Getúlio Vargas. É preciso reduzir o número de funcionários e a informatização vai ajudar nisso.

ConJur — Quanto custou a contratação da Fundação Getúlio Vargas? O senhor está satisfeito com o trabalho?

Limongi — Custou R$ 5,4 milhões por 17 meses de trabalho. Não resolveu todos os problemas, mas trouxe vantagens. A GV tem knowhow e conhece muito bem o Judiciário, não só o paulista. Por isso, apontou erros e procedimentos tolos que repetimos há mais de cem anos. Por exemplo, a petição inicial é autuada em primeira instância. No tribunal, é reautuada. Em qualquer apelação, o procedimento é repetido. Só para esse trabalho, precisamos manter 180 funcionários no Tribunal de Justiça.

ConJur — Esses funcionários poderiam atuar como ajudantes dos desembargadores nos recursos, para acelerar o andamento processual.

Limongi — Sim. Até porque com a informatização o processo corre mais rápido, os juízes trabalham mais e precisam de mais ajuda. Os despachos estão sendo cumpridos imediatamente. Um exemplo disso é o convênio que assinamos com a Receita Federal, por meio do qual o juiz tem acesso à base de dados do Fisco. Há também a penhora online. Em junho, mais de mil juízes receberam a certificação digital, para dar certeza de autenticidade da sentença no processo digital. Outros seis mil funcionários vão receber a certificação. Hoje, 10% da demora do processo é por conta do juiz, 20% por causa das partes e o restante fica por conta do trâmite no cartório. Isso está mudando.


ConJur — Juiz é bom administrador?

Limongi — Não. O pior é que o juiz não é bom administrador, mas pensa que é. Eu sei que não tenho conhecimentos para administrar. Por isso contratei a Fundação Getúlio Vargas para imprimir uma administração profissional ao tribunal.

ConJur — E quais os resultados?

Limongi — Descobrimos, por exemplo, que de cada três funcionários do tribunal, dois estavam na atividade meio. Não interessa ter um monte de motoristas. Interessa ter gente trabalhando no processo.

ConJur — Qual é o volume de trabalho dos juízes e desembargadores?

Limongi — São quase 17 milhões de processos em andamento em primeira instância, onde há cerca de dois mil juízes. Em segunda instância são 600 mil processos divididos entre os 360 desembargadores e 86 juízes substitutos em segundo grau. Por dia, entram 26 mil processos. A capital de São Paulo é pólo econômico. Muitas indústrias estão instaladas no interior, que também se transforma em um importante pólo econômico. Isso significa negócios e, em conseqüência, conflitos. Daí esse volume extraordinário.

ConJur — O Poder Judiciário paulista depende totalmente da boa vontade do Executivo em relação ao orçamento. Como está a relação entre os dois poderes?

Limongi — Pedimos R$ 5,7 bilhões e o governo liberou apenas R$ 4,5 bilhões para este ano. Conversei com o governador José Serra, que é um excelente administrador e deve nos conceder verbas suplementares. O que não podemos aceitar é que o Judiciário precise contar com a benevolência e com a sensibilidade do governador do momento. Com Geraldo Alckmin, Cláudio Lembo e José Serra tivemos um tratamento de respeito e independência entre os poderes. Mas amanhã pode haver outro que não compreenda as necessidades da Justiça. É necessária a efetiva autonomia financeira do Judiciário. Defendo que 6% do total do orçamento do estado seja destinado ao Poder Judiciário. É um valor razoável, de cerca de R$ 6 bilhões.

ConJur — A Emenda Constitucional 45 [Reforma do Judiciário] não estabeleceu que as verbas geradas pelo Judiciário devem ser destinadas à sua administração?

Limongi — A redação é dúbia. Dispõe que a verba deve ser destinada para a Justiça. Mas a Justiça é composta por advogados, membros do Ministério Público, defensores públicos, juízes. A emenda não determinou claramente que é para o Poder Judiciário. Os demais interessados usam esse argumento para reivindicar parte das verbas.

ConJur — Como é que o governador do estado faz o repasse das custas judiciárias e extrajudiciárias para o tribunal?

Limongi — A arrecadação é feita pela Fazenda, que repassa ao tribunal 33% do que cobra por custas e 3% da arrecadação com emolumentos. No Rio de Janeiro, 20% dos emolumentos e das taxas são destinadas ao Tribunal de Justiça. E o dinheiro não passa pela Fazenda. O Judiciário do Rio tem tanto dinheiro que até empresta ao Executivo.

ConJur — Esse é o modelo que o senhor queria ver implantado?

Limongi — Certamente 20% do valor dos emolumentos daria um bom dinheiro. Mas o modelo que defendo é o índice fixo sobre o total da arrecadação.

ConJur — O tribunal ainda mantém convênio com a Nossa Caixa Nosso Banco em relação aos depósitos judiciais?

Limongi — Temos R$ 13 bilhões depositados na Nossa Caixa em favor do Tribunal de Justiça e não podemos aproveitar esse dinheiro. Há cinco anos, a presidência do Tribunal assinou um convênio por 15 anos. O tribunal perdeu muito dinheiro com isso.

ConJur — Quais os termos desse convênio?

Limongi — A Nossa Caixa se comprometeu a construir um prédio de 25 andares para o tribunal e informatizá-lo. Está errado. Não temos de depender do banco para estruturar a Justiça.

ConJur — Tem prazo para o prédio ser construído?

Limongi — Tem, mas não foi cumprido. Atualmente, estamos na licitação para o projeto executivo. Nessa fase, ainda serão escolhidos a alocação das unidades e uma infinidade de itens como cadeiras, mesas e demais utensílios. Equipar e aparelhar todo o complexo. Isso demora. Até ficar tudo pronto leva oito anos ou mais.

ConJur — Qual é a prioridade da sua gestão?

Limongi — É a informatização. Em 2006, gastei R$ 200 milhões. Até junho deste ano, foram mais R$ 100 milhões na tentativa de modernizar rapidamente o tribunal. Ainda há muita coisa para aperfeiçoar, mas conseguimos informatizar 90% da rede de todo o Tribunal de Justiça. Quase todas as comarcas estão informatizadas e ligadas à rede do TJ.

ConJur — O site do TJ paulista ainda é um dos mais atrasados do Brasil em termos de acompanhamento processual. O que foi feito para melhorar isso?


Limongi — Uma empresa de Santa Catarina foi contratada para digitalizar os processos. Aliás, a nova era do processo digital começa em agosto, no Fórum João Mendes, com um projeto piloto. No último dia 26, inauguramos o foro regional da Nossa Senhora do Ó, que é totalmente digitalizado. Não há papel, nem estantes. O que estiver em papel será escaneado. O juiz vai examinar o processo no computador. Em agosto, os desembargadores também poderão trabalhar de maneira digital.

ConJur — Tradicionalmente, o Órgão Especial sempre foi conservador. A unificação dos tribunais de alçada e o Tribunal de Justiça acelerou o processo de modernização?

Limongi — A última eleição modernizou o Órgão Especial. Hoje são nove desembargadores eleitos, que mudaram a Corte porque têm mais ímpeto e motivação. Inclusive porque querem ser reconduzidos por mais dois anos. Essa eleição é crucial, porque democratiza o Judiciário e muda o modo de pensar.

ConJur — No que a Emenda 45 melhorou a Justiça paulista?

Limongi — Ajudou ao determinar a distribuição de todos os feitos. Os desembargadores receberam um acervo monstruoso: 1,5 mil a 2 mil recursos. Aflitos, muitos já acabaram com esse acervo para manter o serviço em dia. Isso foi uma vantagem.

ConJur — Apesar do esforço dos desembargadores, o estoque continua crescendo. Levantamento da produtividade do juiz de primeira instancia de São Paulo mostra que ele é um dos mais produtivos do país. Já o dos desembargadores é exatamente o contrário: são dos mais improdutivos. Quais são as dificuldades?

Limongi — Por incrível que pareça, os desembargadores de São Paulo tem apenas dois assistentes. E o segundo assistente veio no ano passado. No Rio Grande do Sul eles têm três assistentes há anos. O tribunal paulista é muito criterioso na contratação.

ConJur — Quais os principais entraves que o senhor encontrou para colocar em prática as mudanças que pretendia?

Limongi — Não há condições de trabalhar do jeito que a Justiça está. Três meses para julgar uma petição é absurdo. No meu tempo de juiz, se demorasse três dias era caso de punição. Não podemos admitir isso. Mas como ninguém tem responsabilidade pessoal, as coisas vão ficando como estão.

ConJur — Isso pode mudar? Os desembargadores cooperam?

Limongi — Claro. Já está mudando. Desde o meu antecessor, o desembargador Elias Tâmbara. As comissões que montamos cooperam muito.

ConJur — Dentro de cinco meses o senhor vai passar o bastão. Que recomendações dá ao seu sucessor?

Limongi — Não desfazer o que foi feito. O Rio de Janeiro teve sorte porque teve cinco administrações sucessivas afinadas.

ConJur — O que o senhor comemora e o que lamenta em sua administração?

Limongi — Comemoro as eleições para o Órgão Especial, para as quais houve muita resistência. Contestaram as eleições no Conselho Nacional de Justiça e perderam. Convoquei as eleições e 280 desembargadores compareceram. O que me frustrou foi não conseguir pagar pontualmente os reajustes aos funcionários. Muitas vezes o legislador não é sincero. Faz uma lei e não há dinheiro para cumpri-la.

ConJur — Levantamento feito pela ConJur mostrou que 75% das leis federais levadas ao exame do Supremo Tribunal Federal são consideradas inconstitucionais. Três anos atrás, fizemos o mesmo levantamento em São Paulo e constatamos que 80% das leis municipais são consideradas inconstitucionais pelo TJ. Em que medida a má qualidade das leis atrapalha a vida do Judiciário?

Limongi — Há um número excessivo de leis municipais inconstitucionais. Principalmente em Ribeirão Preto. Os vereadores não se importam em fazer leis que têm certeza que são inconstitucionais por vício de iniciativa. Muitas vezes tenho a sensação de que o legislador pensa que o que interessa é ter a iniciativa de fazer uma coisa boa para a população, não importa se é ou não inconstitucional.

ConJur — O Judiciário pune mais os juízes hoje ou os desvios é que são mais noticiados?

Limongi — As duas coisas. Mas se há mais desvios, é porque há mais juízes também. Quando entrei na magistratura havia 600 juízes no estado de São Paulo. Hoje, são dois mil.

ConJur — O grampo no Brasil virou uma febre. Não deveria haver mais parcimônia tantos nos pedidos quanto nas autorizações para fazer escuta telefônica?

Limongi — O juiz tem a obrigação de garantir os direitos fundamentais. O direito à intimidade, previsto na Constituição, tem de ser preservado. Não tem o menor sentido iniciar uma investigação por meio de grampo. Não se investiga mais. Coloca-se o grampo, que faz todo o resto. Está errado. Temos de autorizar o grampo na medida em que há provas ou indícios sérios de que a pessoa investigada praticou algum crime. Não podemos aceitar isso. Estamos em um Estado Democrático de Direito.


ConJur — Os juízes se ressentem muito das reportagens a respeito de problemas com o Poder Judiciário? Como o senhor vê o relacionamento do juiz com a imprensa?

Limongi — O juiz sempre foi orientado para não dar entrevistas. O Poder Judiciário sempre foi hermético. A orientação que recebemos no início da carreira é: juiz só fala nos autos. Acho errado. O juiz tem que falar. Não há mal em falar com o presidente da Assembléia, com deputados do PT, do PSDB, ou de qualquer outro partido. Não posso falar de um processo que está em julgamento. Mas posso falar sobre aborto, eutanásia, difundir o Direito, comentar as declarações do Papa.

ConJur — Essa orientação é dada aos novos juízes quando estão na Escola da Magistratura?

Limongi — Na escola ninguém fala muito da imprensa. Recentemente, foram incluídas algumas palestras e aulas sobre mídia. Na minha gestão no TJ e como presidente da Apamagis (2004-2005) sempre orientei o juiz a falar. Claro que com cuidado para não adiantar o resultado de um julgamento.

ConJur — Existem muitos casos de irregularidades de desembargadores no Judiciário paulista? Alguma investigação?

Limongi — Não.

ConJur — O caso do desembargador Di Rissio Barbosa foi investigado?

Limongi — Não sei o resultado o procedimento instaurado, mas não soube de fatos que mereceram maior atenção [o desembargador foi acusado de decidir causas a pedido do filho, o ex-delegado André Di Rissio, acusado de liderar esquema de liberação ilegal de mercadorias no aeroporto de Viracopos, em Campinas].

ConJur — O Conselho Nacional de Justiça, que deveria cuidar da harmonização e padronização de normas do Judiciário no país, está virando uma grande corregedoria para cuidar de casos disciplinares. Em grande parte, porque as corregedorias não são rigorosas. O senhor acha que isso tem conserto?

Limongi — O CNJ se desviou das suas atribuições. O Conselho deveria trabalhar em política de administração, na informatização e padronizar os procedimentos. No lugar de trabalhar no macro, trabalho no varejo. Transforma os tribunais em verdadeiros departamentos do CNJ, em termos da função administrativa. O que nós não fazemos, eles fazem. E o que nós fazemos, eles desfazem.

ConJur — Mas são os juízes e desembargadores que pautam o Conselho, não?

Limongi — Sim, e reclamam de tudo. Eu determinei a mudança do júri do bairro de Santo Amaro para o da Barra Funda, porque há mais segurança. Aí acharam que os crimes praticados em Santo Amaro deveriam ser julgados pelo júri de Santo Amaro. A reclamação foi parar no CNJ. Tivemos de ir até lá fazer sustentação oral. O julgamento ficou empatado em seis a seis. Quem desempatou foi o ministro Gilmar Mendes, que na ocasião presidia o Conselho. Isso deveria ter sido arquivado de plano. Somos obrigados a gastar energias com os equívocos do CNJ.

ConJur — Quantos cargos de juízes estão vagos em São Paulo?

Limongi — Há 419 vagas. Quando assumi a presidência, havia 597. As varas já estavam instaladas, mas faltavam juízes. Fizemos três concursos e 270 juízes foram contratados. Mas muitos tomaram posse em um dia e no outro saíram para a Justiça Federal.

ConJur — A melhor remuneração da Justiça Federal continua roubando servidores da Estadual?

Limongi — Muito. Tanto juízes como escreventes.

ConJur — Na prova técnica, a maioria dos candidatos é reprovada. No entanto, praticamente todos os concorrentes são aprovados no estágio probatório, que é a avaliação vocacional. Todo mundo tem vocação?

Limongi — Não. Muitas vezes a pessoa não tem vocação, mas permanece. Trabalha bem, se esforça e continua. Se não cria problemas, também fica.

ConJur — O respeito ao princípio da publicidade é extremamente lento. Há decisões que levam três meses para que sejam publicadas. Além disso, o tribunal não tem colocado material jurisprudencial no site. O desembargador Ivan Satori criticou isso.

Limongi — Com a informatização, a publicação das decisões está bem mais rápida. Em relação à jurisprudência, fizemos uma licitação para publicar a revista de jurisprudência. Houve um problema no processo de concorrência, que teve de começar de novo. O processo licitatório é um entrave. Fica tudo difícil. Para a assinatura de jornais na assessoria de imprensa, levou seis meses.

ConJur — O Diário Oficial Eletrônico já está funcionando?

Limongi — Já está no ar. Mas a lei prevê que só depois da publicação de 30 edições sucessivas ele passa a ter valor oficial de comunicação dos atos do Tribunal de Justiça. A partir de outubro, eliminamos por completo o Diário de Justiça impresso.

ConJur — Quanto o tribunal gasta com a Imprensa Oficial?


Limongi — R$ 4 milhões por ano. O meio ambiente também vai agradecer o Diário Oficial Eletrônico.

ConJur — Por falar em meio ambiente, a criação das câmaras especializas em Meio Ambiente e Falências foi salutar. Há propostas de novas câmaras especializadas?

Limongi — Não. A criação da câmara especializada em Crime Organizado é uma coisa para se pensar, mas há dificuldades para ser criada porque ainda não há definição legal do que seja crime organizado.

ConJur — Temos 17 milhões de processos em andamento no estado de São Paulo. Mais de 50% são execuções fiscais. Há uma forma de atacar esse problema?

Limongi — Com a automação dos processos. Um programa que dará tratamento de massa para as execuções fiscais. Depois que a Lei de Responsabilidade Fiscal entrou em vigor, o prefeito se sente na obrigação de distribuir qualquer tipo de execução, mesmo aquelas com valor ínfimo, de poucos reais. E é contraproducente porque o trâmite de um processo de execução fiscal custa R$ 1 mil.

ConJur — Em uma palestra, o juiz Eduardo Marcondes [assessor da presidência do TJ paulista] afirmou que a população cresce 1,1 % ao ano enquanto o número de ações aumenta 12,5 %. Segundo ele, quem diz que a população não tem acesso à Justiça está errado. Na verdade, existe um excesso de acesso à Justiça. É isso mesmo? Como evitar esse excesso?

Limongi — As soluções alternativas para o conflito são a mediação e a conciliação. A ação só deveria ser iniciada depois de uma tentativa de conciliação. Nas ações de família, eu costumava mandar citar a parte para comparecer à audiência de conciliação e a partir dali começaria a correr o prazo de contestação. Dá trabalho trazer o réu para a conciliação, mas às vezes é muito melhor. Investir na conciliação resolveria o processo mais rapidamente.

ConJur — Punir o mau litigante não seria uma forma de diminuir o número de processos? O senhor não acha que os juízes aplicam poucas multas por litigância de má-fé?

Limongi — O problema de aplicar a multa por litigância de má-fé é a dúvida sobre a ignorância da parte. Há advogados, com boa oratória, que convencem qualquer um de que o Judiciário é contra a cobrança da assinatura básica, por exemplo. A pessoa que não tem noção de Direito entra com a ação. Se aplicarmos a multa por litigância por má-fé, não é o advogado que vai pagar. É bom lembrar que sempre existe o interesse de uma das partes na morosidade, como quando estão em jogo causas do Poder Público, que é nosso maior cliente. Quem não paga é caloteiro. O Poder Público não paga. Logo, é caloteiro.

ConJur — O senhor considera que o excesso de acesso à Justiça também é gerado pela omissão estatal, que não provê direitos básicos como educação, da saúde, saneamento?

Limongi — Quando um poder não funciona, os outros também não podem funcionar a contento. Se o Executivo não dá creche, escola, internação, remédios, sobrecarrega o Judiciário. Hoje, as pessoas mais conscientes de sua condição de cidadãos vão buscar a solução no Judiciário. Isso faz crescer o número de ações judiciais.

ConJur — O senhor acaba de inaugurar uma Vara da Fazenda Pública em Barueri, na grande São Paulo. Como foi, para o presidente do tribunal, voltar ao local onde trabalhou há mais de 30 anos como juiz?

Celso Limongi — Muito bom. Trabalhei em terceira entrância de outubro de 1972 a abril de 1975. Era a única comarca que não tinha juiz auxiliar ou substituto. À época, fazia 15 audiências por dia e saía sempre às nove da noite. Hoje, a população triplicou, mas o número de varas também aumentou.

ConJur — Que tipos de causas o senhor julgava?

Limongi — Tinha toda a jurisdição possível nas mãos: eleitoral, trabalhista, infância, família, militar — homicídios militares e sindicâncias contra a polícia. Também julgava as causas federais porque não existia a Justiça Federal. Julguei muitas causas trabalhistas contra um mau patrão da região, o J.J. Abdala, que era dono da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus.

ConJur — Tem boas histórias da época para contar?

Limongi — Lá decretei a prisão de Sérgio Fleury [delegado do Departamento de Ordem Político e Social (Dops), que se tornou um dos homens mais famosos na repressão durante a ditadura militar]. Fiz uma audiência com sete réus, incluindo ele.

ConJur — O caso do Esquadrão da Morte?

Limongi — Sim. Converti o julgamento de pronúncia em diligência para ouvir três pessoas presas, que tinham algo a esclarecer. A sessão começou às duas da tarde e só acabou às onze da noite. Foi terrível. Até às sete horas eu só tinha ouvido duas testemunhas. Os advogados de defesa trabalharam muito bem. No entanto, faziam perguntas que não interessavam muito, mas não podiam ser indeferidas porque tinham alguma ligação com o caso.

ConJur — Era só para adiar o julgamento?

Limongi — Senti que queriam me tirar do processo, mas mantive a calma e não briguei com ninguém. Os réus diziam do Fleury: “Cansei de dar dinheiro para ele ou para a turminha dele. Toda semana eles passavam lá”. E também: “Esse aí é ruim para os ladrões, mas para os traficantes é bonzinho”. Havia um réu que estava com medo. Para ele falar, tirei todo mundo da sala, com base no artigo 217 do Código de Processo Penal. O Fleury ficou irritado. Foi o último a voltar para a sala. Dei a sentença, ele leu tudo, assinou e encerrei o julgamento.

ConJur — E qual foi o papel do Fleury na organização criminosa?

Limongi — Descobrimos que o Esquadrão da Morte era uma quadrilha que trabalhava protegendo outra quadrilha em detrimento de concorrentes. A função do Fleury era matar pessoas para tirá-las do caminho e facilitar a venda de drogas.

ConJur — Naquela época o juiz era mais respeitado?

Limongi — Sim. O trabalho era mais efetivo. No processo penal, por exemplo, a lei era muito mais rigorosa. Quando se falava em reclusão, era reclusão. Não podia dar sursis [suspensão condicional da pena] para quem fosse condenado à reclusão. Para os reincidentes, havia uma medida de segurança detentiva obrigatória de dois anos, no mínimo. O sujeito não saía da detenção. Fui um dos primeiros juízes a deixar preso sair no Natal. Morri de medo. Se o tribunal soubesse, hoje eu estaria na rua. No dia 24 de dezembro de 1973, chamei os presos de dois em dois. “Você tem o seu compromisso. Tem que ser homem, leal. Se der a sua palavra, eu libero”. Havia 60 presos. Eu liberei quase metade.

ConJur — Eles voltaram?

Limongi — Todos. Não existia lei para liberar os presos. Mas o juiz tem que ousar, com precaução. Argumentava que era uma questão de ressocialização. No dia combinado, às seis da manhã eles apareceram e subiram em fila indiana até a delegacia. Vieram com as noivas, mulheres e filhos. Hoje, 10% dos que são liberados não voltam.

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