De cada três funcionários do Tribunal de Justiça de São Paulo, dois trabalham na atividade meio. Ou seja, apenas um terço dos funcionários trata do que a Justiça realmente tem de tratar: do andamento do processo. A informação é do presidente do maior tribunal do país, desembargador Celso Luiz Limongi. A constatação, informa ele, foi feita pela Fundação Getúlio Vargas, a quem o TJ encomendou um amplo trabalho de auditoria e consultoria para orientar a sua reforma administrativa. Feito o diagnóstico, no final de 2005, o TJ enviou à Assembléia Legislativa um projeto para reformular o plano de cargos e carreiras do Judiciário estadual.
Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Limongi apontou alguns dos desvios responsáveis por tornar o Judiciário um poder automaticamente associado à morosidade: “Por exemplo, a petição inicial é autuada em primeira instância. No tribunal, é reautuada. Em qualquer apelação, o procedimento e repetido. Só para esse trabalho, precisamos manter 180 funcionários no Tribunal de Justiça”.
O presidente do TJ-SP intui que com um corpo de funcionários menor, porém mais bem preparado e melhor distribuido, pode-se aumentar a operacionalidade e a eficiência do sistema.
Para o desembargador, no que diz respeito ao Judiciário paulista, um dos principais problemas está na sua estrutura gigantesca — “é preciso reduzir o número de funcionários” — e no orçamento que varia de acordo com o humor do governador da ocasião. Limongi defende que o Judiciário tenha orçamento fixo de 6% do total do orçamento do estado.
A atual gestão do TJ paulista investiu pesado em informática na tentativa de dar celeridade aos procedimentos. Em um ano e meio foram gastos R$ 300 milhões. “Ainda há muita coisa para aperfeiçoar, mas conseguimos informatizar 90% da rede de todo o Tribunal de Justiça”, contou.
Questionado sobre a febre de grampos em investigações, Limongi se opôs à prática. “Não tem o menor sentido iniciar uma investigação por meio de grampo. Não se investiga mais. Coloca-se o grampo, que faz todo o resto. Está errado”, disse. Para ele, as gravações telefônicas só podem ser autorizadas nos casos em que existem sérios indícios contra o investigado.
O mandato do presidente do TJ acaba em dezembro. Em um balanço de três quartos de sua administração, comemora a realização das eleições para a escolha dos membros do Órgão Especial. Segundo ele, os nove novos integrantes marcam uma posição mais moderna em um colegiado conhecido pela sua característica conservadora. “Essa eleição é crucial, porque democratiza o Judiciário e muda o modo de pensar.”
Mas lamenta a impossibilidade de pagar pontualmente os reajustes aos servidores. “Muitas vezes, o legislador não é sincero. Faz uma lei e não há dinheiro para cumpri-la”, criticou. Ao seu sucessor, sugeriu que não desfaça o que foi feito. Dois juízes já lançaram seus nomes para disputar o cargo: o atual vice-presidente Caio Canguçu de Almeida e o desembargador Ivan Sartori.
Os jornalistas Elaine Resende, Fernando Porfírio, Márcio Chaer e Rodrigo Haidar também participaram da entrevista.
Leia os principais trechos da entrevista
ConJur — Como o senhor define a Justiça paulista?
Limongi — O Judiciário paulista é gigantesco e, por isso, difícil de governar. São 45 mil funcionários públicos ativos e 10 mil aposentados. Em dez anos haverá mais 15 mil aposentados, de acordo com cálculo feito pela Fundação Getúlio Vargas. É preciso reduzir o número de funcionários e a informatização vai ajudar nisso.
ConJur — Quanto custou a contratação da Fundação Getúlio Vargas? O senhor está satisfeito com o trabalho?
Limongi — Custou R$ 5,4 milhões por 17 meses de trabalho. Não resolveu todos os problemas, mas trouxe vantagens. A GV tem knowhow e conhece muito bem o Judiciário, não só o paulista. Por isso, apontou erros e procedimentos tolos que repetimos há mais de cem anos. Por exemplo, a petição inicial é autuada em primeira instância. No tribunal, é reautuada. Em qualquer apelação, o procedimento é repetido. Só para esse trabalho, precisamos manter 180 funcionários no Tribunal de Justiça.
ConJur — Esses funcionários poderiam atuar como ajudantes dos desembargadores nos recursos, para acelerar o andamento processual.
Limongi — Sim. Até porque com a informatização o processo corre mais rápido, os juízes trabalham mais e precisam de mais ajuda. Os despachos estão sendo cumpridos imediatamente. Um exemplo disso é o convênio que assinamos com a Receita Federal, por meio do qual o juiz tem acesso à base de dados do Fisco. Há também a penhora online. Em junho, mais de mil juízes receberam a certificação digital, para dar certeza de autenticidade da sentença no processo digital. Outros seis mil funcionários vão receber a certificação. Hoje, 10% da demora do processo é por conta do juiz, 20% por causa das partes e o restante fica por conta do trâmite no cartório. Isso está mudando.
Comentários de leitores
18 comentários
eveste (Funcionário público)
Se o próprio presidente do TJ/SP diz que "É preciso reduzir o número de funcionários e a informatização vai ajudar nisso.", qual o motivo para a abertura de tantos editais de concursos públicos para o cargo de escrevente técnico judiciário? Existem 02 concursos homologados desde 10/2006 (Campinas e Guarulhos) e até agora ninguém foi nomeado, nem mesmo o próprio Recursos Humanos do TJ/SP sabe informar se realmente as nomeações irão acontecer algum dia. Isso é uma falta de respeito para com os candidatos aprovados. Gastamos horas de estudos e dinheiro para nada! Existem ainda outros concursos para o mesmo cargo que ainda não foram homologados. E o pior, depois de dar esta entrevista, falando em redução de gastos com funcionários, no dia 02/07/2007, publicou-se um novo edital para cargos de escrevente técnico judiciário em várias Circunscrições do Interior Paulista. Será que o Judiciário está utilizando a realização de concursos públicos como forma de obter uma receita extraorçamentária? Até quando eles vão continuar abrindo concursos e não contratando ninguém? Gostaria muito de obter respostas para estas perguntas...
Carlos (Advogado Sócio de Escritório)
Uma pergunta que até agora ninguém respondeu, nem o TJ tampouco o Governo de São Paulo. Pergunta: O PODER JUDICIÁRIO DE SÃO PAULO ESTÁ CUMPRINDO O QUE DETERMINA A EMENDA CONSTITUCIONAL 45 - TRECHO ABAIXO? "Art. 98. .................................................... § 2º As custas e emolumentos serão destinados EXCLUSIVAMENTE ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça." (NR) Carlos Rodrigues - Advogado berodriguess@yahoo.com.br
Wilson (Funcionário público)
Parabéns, Antonio! você foi grande mesmo em seu comentário. Essa entrevista prova como o Judiciário vive de hipocrisia. É uma piada de mal gosto dizer que juízes estão cheios de serviço, pois como bem disse, a grande maioria dos despachos e decisões são feitas pelos funcionários. Aliás, tem muito juiz que aparece no cartório só de vez em quando, apenas para assinar o que foi feito. Deve ser por isso que o presidente da ANAMATRA, Pandelot, disse em uma entrevista que a média de vida dos magistrados é de 82 anos, enquanto que a do funcionário público é de 62. Lembro-me muito bem disso... era um debate para se aumentar a idade para a aposentadoria compulsória. De um lado o ministro Carlos Velloso, do STF, que defendia a aposentadoria aos 75, e do outro, Pandelot, que defendia manter como está. Além disso, dizer que a Corregedoria vai punir algum juiz é pura falácia, pois o corporativismo é enorme nessas instituições. Para terminar, vem aí a assinatura eletrônica para os magistrados, bastará apenas o funcionário ter a senha do juiz para que despachos e sentenças fiquem prontinhos. É a tecnologia em favor da desídia institucionalizada.
Comentários encerrados em 09/07/2007.
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